Com o comparecimento às escolas voltando a ser obrigatório no Rio Grande do Sul na próxima semana, escolas começam a discutir como vão receber um número maior de estudantes. Na manhã desta sexta-feira (29), a reportagem de GZH circulou por escolas públicas de Porto Alegre para saber o que pensam diretores e professores.
O governo estadual anunciou na quinta-feira (28) o retorno obrigatório para a próxima quarta (3), após o feriadão do Dia de Finados. A previsão é de que o decreto com o detalhamento da retomada seja publicado ainda nesta sexta-feira, sem horário definido.
Em boa parte das falas ouvidas nas escolas públicas da Capital, o tom é de preocupação e contrariedade quando o tema do ensino presencial obrigatório entra em discussão. Entre os maiores desafios, equipes projetam dificuldade para manter o distanciamento entre os alunos e controlar o uso de máscaras, apontando riscos de aglomeração e contágio. Há quem entenda que, com o retorno de outras atividades de massa, como bares, festas e até estádios de futebol, a educação não deve ficar para trás.
Na Escola Estadual de Ensino Fundamental Medianeira, no bairro de mesmo nome, na Zona Sul, 40% dos alunos estudam exclusivamente no formato remoto. Os outros 60% comparecem de forma alternada, semana sim, semana não. O rodízio garante que as salas de aula construídas para 30 estudantes estejam ocupadas por, no máximo, 15.
— Com os 30 alunos dentro de cada sala de aula, eles ficarão muito próximos. Ficaria muito feliz se seguisse ter metade dos alunos de cada vez, porque assim temos menos pessoas compartilhando os mesmos espaços — avalia a diretora da Medianeira, Andréa Rey Alt Iessim.
Na instituição, aluno por aluno é recepcionado no portão, tem temperatura aferida, pisa sobre dois tapetes sanitizantes, aplica álcool gel nas mãos e tem a mochila desinfetada. Depois, aguarda ao ar livre a chegada do restante da turma para ser encaminhado para dentro da sua sala, que tem janelas e portas abertas. No refeitório, onde é preciso tirar a máscara, o distanciamento padrão de um metro é duplicado. A diretora conta que se sente segura com os protocolos atuais e não sabe se conseguirá mantê-los com mais estudantes ocupando os espaços do colégio.
Cerca de oito quilômetros distante dali, recostada pelo Morro do Osso, no bairro Cavalhada, está a Escola Municipal Neusa Goulart Brizola. A cada quatro alunos matriculados, um segue em formato totalmente remoto. Os demais, estão em sistema de rodízio.
— A gente está conseguindo, neste momento, controlar a questão do contato, da máscara, do distanciamento. A partir da semana que vem, com retorno maciço, vai ser bem difícil controlar isso — avalia a diretora da instituição, Soraia Dornelles Marques.
Na Escola Estadual de Ensino Fundamental Júlio Brunelli, bairro Rubem Berta, na Zona Norte, a principal preocupação é de que não será possível receber 100% dos alunos já na quarta-feira (3). Com 720 alunos, a escola hoje tem de 70% a 80% dos seus estudantes frequentando o espaço de forma revezada — em uma semana vai uma parte da turma e, na seguinte, vai a outra.
No entanto, há casos de famílias que se mudaram durante a pandemia e os filhos se mantiveram no formato remoto. A essa altura do ano letivo, estão com dificuldade de conseguir transferência para instituições em outras cidades ou bairros, segundo Franciane Eberhardt, vice-diretora da instituição.
Para Daniela Santos, também vice-diretora da escola, ainda não é possível saber como oferecer um retorno minimamente seguro para todos os alunos, principalmente, pela informação do retorno ter chegado as escolas muito perto do dia em que os estudantes precisam voltar.
Necessidade de manter revezamento
Também há quem seja favorável ao retorno dos alunos. No Colégio Estadual Álvaro Alves da Silva Braga, o diretor Jorge Ávila da Silva cita o fato de que a pandemia ampliou a evasão escolar e que o retorno obrigatório pode auxiliar no combate desse problema, estabilizando ou até reduzindo o abandono. O educador pontua que outras atividades sociais já estão concentrando grupos de pessoas e que um retorno neste momento, com menos cerca de um mês para o fim do ano letivo, não deve alterar tanto os patamares de presença atuais.
— Até os estádios estão voltando, as casas noturnas, os bares. E, pelo que estou vendo, os adolescentes que já não estão vindo não vão aparecer, mesmo com a obrigatoriedade — projeta o diretor Jorge Ávila da Silva.
Na Escola Municipal de Ensino Fundamental Migrantes, no bairro São João, a estrutura é a menor entre as outras visitadas pela reportagem. São 180 alunos matriculados. Só que a adesão ao ensino presencial foi alta, de cerca de 90%, mas de forma escalonada, para garantir o respeito ao distanciamento de um metro entre classes. Diretor da instituição, Eduardo Antonio Triches afirma que se a obrigatoriedade do ensino presencial não alterar o distanciamento entre os alunos, não será viável ter todos de uma vez no espaço.
— Estamos preparados para receber a todos com segurança, desde que com o revezamento. A obrigatoriedade para aqueles que já se vacinaram e que não têm comorbidades e nem familiares em grupos de risco é positiva — avalia Triches.
As salas da escola são pequenas e comportam, com distanciamento, de 10 a 12 alunos. Com isso, apenas duas das 10 turmas poderiam frequentar as aulas sem escalonamento. A direção ainda pontua que o retorno de 100% dos estudantes também geraria um enorme desafio de logística para o uso do refeitório — que exige maior distanciamento. Haveria necessidade de ocupar uma hora das aulas da manhã e outra hora das aulas da tarde exclusivamente com o leva e traz de alunos para almoçarem.
No Morro Santana, a Escola Estadual de Ensino Fundamental Porto Alegre conta com pouco mais da metade dos 540 estudantes matriculados indo à escola. O percentual vem gradualmente crescendo de mês a mês. A instituição conta com um prédio grande, o que ajuda na hora de cumprir com os protocolos de distanciamento entre classes, mas há salas cujos telhados estão quebrados. Neste caso, o receio da direção é que, se chover, o espaço fica inviabilizado para utilização.
A direção da escola, que preferiu ser citada enquanto grupo, disse que a decisão do governo estadual de retomar a obrigatoriedade das aulas presenciais veio "de cima para baixo", sem consulta à comunidade escolar. Na visão da equipe, o governo exige que as instituições se planejem, mas, ao anunciar uma mudança como essa com menos de cinco dias para sua execução, impede qualquer planejamento.
Benefícios do ensino presencial
Mesmo entre os contrários ao retorno simultâneo de 100% dos alunos para as salas de aula, há diretores e professores que destacam a melhora da qualidade do ensino no formato presencial.
— A aprendizagem não tem como comparar. As crianças estando aqui e é possível fazer um trabalho muito melhor do que no remoto. Mas ainda tem pandemia, ela não acabou. E essa é uma faixa etária que não se vacinou, então a gente entende as crianças que não estão retornando — avalia a professora do 1º ano da Escola Medianeira Patrícia Albano Christofoli de Oliveira.
A diretora da escola Neuza Brizola acrescenta que o ensino remoto poderia ser mais proveitoso caso os alunos tivessem melhores condições tecnológicas.
— Na realidade, o aluno presencial é uma outra vivência. Se a gente ainda tivesse o aluno online com condições, poderia ser melhor. Tem questões de internet e aparelhagem que nossos alunos não têm. Se tivesse havido mais investimento no online, poderia ter sido diferente — diz a diretora.
Contrapontos
A reportagem consultou a Secretaria Municipal de Educação (Seduc) para esclarecer as questões levantadas pelos diretores das escolas visitadas. Conforme a pasta, as escolas que tiverem condição de receber 100% dos estudantes respeitando o distanciamento de um metro "deverão realizar o atendimento de todos os alunos de forma conjunta". Nas instituições onde não houver área suficiente, o revezamento deve ser realizado, "alternando o grupo de estudantes no presencial, de modo a receber presencialmente todos os estudantes ao longo da semana, ainda que não ao mesmo tempo".
Sobre os problemas estruturais em escolas, a Seduc informa que mensalmente são enviadas verbas da chamada Autonomia Financeira. São recursos disponíveis para a realização de reparos estruturais contratados diretamente por parte da equipe gestora da escola e aquisição de bens de consumo. "As escolas continuaram recebendo o recurso durante a pandemia, inclusive, receberam um repasse extra de R$ 28 milhões realizado pelo governo no segundo semestre de 2021 para que as pudessem realizar reparos em preparação para a realização das aulas no modelo presencial". A secretaria ainda diz que, em 2022, será realizado um repasse extra para a Autonomia Financeira no valor de R$ 200 milhões.
Em relação aos alunos que mudaram de cidade, a Seduc ressalta "não há falta de vagas na rede estadual de ensino, porém, algumas escolas podem não receber transferências por estarem com turmas já completas". A orientação é que os pais ou responsáveis dos estudantes que se mudaram solicitem a transferência diretamente numa escola da cidade onde estão residindo. "Caso haja necessidade, a orientação é de que o responsável procure a Central de Matrículas de sua cidade ou Coordenadoria Regional de Educação", diz o comunicado.
A pasta não confirma alteração em protocolos de higienização, distanciamento ou uso de máscaras. Por enquanto, seguem valendo as normas estabelecidas em portaria conjunta da Seduc e da Secretaria Estadual da Saúde (SES-RS) publicada em fevereiro deste ano. A Seduc confirma que está prevista para esta sexta-feira (29) a publicação do decreto que vai orientar o retorno obrigatório ao ensino presencial.
Já a Secretaria Municipal de Educação da Capital (Smed) citou que "ainda não comenta ações da retomada das aulas presenciais, pois o governo estadual não publicou decreto oficializando a medida".