Neste sábado (13), o Rio Grande do Sul completa duas semanas de bandeira preta em todo o território, o mais próximo de um lockdown segundo a política pública elaborada pelo governo Eduardo Leite. Analistas ouvidos por GZH notam pequenos sinais de melhora, mas projetam que o impacto deve aparecer mesmo a partir da próxima semana.
A bandeira preta começou a vigorar no RS em um sábado, 27 de fevereiro. Pesquisadores projetam que é preciso três semanas para a melhora nos indicadores da epidemia começar a ser notada – ou seja, no próximo sábado (20). A concretização depende de o quanto a população aderir ou não ao distanciamento social.
— Demora um pouco para as medidas fazerem efeitos. De duas a três semanas, com redução da mobilidade, observamos algum resultado. Primeiro, em número de casos, o que é difícil com subnotificação, depois, em internações clinicas e UTIs. Só que quando se atinge o teto de ocupação de UTIs, não há mais como ocupar, então a variável mais importante é a lista de espera (por leitos de UTI) — afirma a médica Lucia Pellanda, professora e reitora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e integrante do comitê científico do Palácio Piratini.
GZH mostrou, na sexta-feira (12), que havia mais de 500 gaúchos no aguardo de um leito de UTI em território gaúcho. A reportagem questionou a Secretaria de Estado da Saúde (SES) qual era a fila de espera da sexta-feira da semana passada para entender se havia mudança no quadro, mas não recebeu resposta.
O Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), referência no Estado para pacientes graves de coronavírus, observou, a partir de quinta-feira (11), redução na altíssima procura por emergências, mas em patamar muito pequeno e longe do necessário para evitar o colapso da saúde, salienta a médica Beatriz Schaan, coordenadora do grupo de trabalho de enfrentamento à doença da instituição.
— Podemos falar de algum tipo de efeito, muito pequeno. A lotação da emergência parece ter se estabilizado em um patamar muito alto. Pode ser um pequeno sinal, porque nossa emergência é porta aberta, nunca fechou, segue recebendo pessoas. É uma melhora bem leve, mas estamos muito longe de um sistema que funcione adequadamente. A gente vai observar mais daqui a uma ou duas semanas — afirma Beatriz.
No Grupo Hospitalar Conceição, o diretor-técnico Francisco Paz diz que a melhora ainda não foi sentida, mas é aguardada para a próxima semana, devido ao período de incubação da doença. A expectativa é de que a redução de demanda comece a ser percebida nos postos de saúde e Unidade de Pronto Atendimento (UPA), para, na sequência, impactar na lotação da emergência.
— Até que complete 15 dias, estamos vendo resultado dos dias anteriores a esse início. Temos que ver o que vai acontecer a partir da terceira semana. No posto e na UPA teremos um termômetro da resposta da comunidade — afirma.
Na última quarta-feira (10), o Hospital Nossa Senhora da Conceição precisou fechar o portão da emergência e só recebeu, ao longo de 24 horas, pacientes que chegavam de ambulância, em estado grave. A medida foi a saída encontrada para poder atender os que já estão na emergência.
— Estamos acompanhando em todas as unidades, ansiosos para que consigamos perceber diminuição da demanda. Continuamos com a UPA lotada, emergência lotada, nossos postos de saúde continuam funcionando com atendimento de grande demanda. A expectativa é de que baixe — analisa Paz.
Coordenador do Comitê de Análise de Dados, que apoia tecnicamente as decisões do Gabinete de Crise para enfrentamento à pandemia no Estado, o secretário de Inovação, Ciência e Tecnologia do RS, Luís Lamb, afirma que a melhora sentida até agora se dá num cenário com menos internações em leitos clínicos do que era esperado para o momento. Ou seja, a situação poderia ser pior.
As projeções realizadas em 24 de fevereiro pelo Estado para o período atual indicavam que o RS deveria ter 7,3 mil pacientes com covid-19 internados em leitos clínicos. Na quinta-feira (11), data para a qual havia sido feita a projeção, o número de pacientes era de 5.326 e, na sexta-feira, 5.431. Para o secretário, isso demonstra que a bandeira preta conseguiu frear, de certa forma, a aceleração dos casos.
— Se não tivessem sido adotadas medidas, haveria ainda mais leitos clínicos ocupados. Esperamos que exista desaceleração mais significativa pelas medidas que foram tomadas, e que os resultados nessa semana venham dar expectativa de melhoria para todos nós — projeta.
Na mesma linha, a professora de Epidemiologia da UFRGS e integrante do Comitê Científico do Piratini Suzi Camey acredita que as medidas auxiliaram a evitar que o cenário atual fosse ainda mais crítico.
— O que sabemos é que conseguimos evitar cerca de 2 mil internações. Mesmo se considerarmos que algumas pessoas não tenham sido internadas, não temos 2 mil em casa pela falta de leito. Essa é uma certeza: as medidas tomadas conseguiram evitar um caos maior — analisa.
A especialista acredita, no entanto, que os impactos mais significativos só devem começar a ser sentidos no início de abril. Isso se as pessoas mantiverem o distanciamento. Suzi afirma que a estimativa é de que tenha havido uma redução de 40% na transmissibilidade, mas esse percentual pode ser impactado pelo número de pessoas que não foram hospitalizadas pela falta de leito. Entende que seria necessário redução de pelo menos 70% — como no ano passado — para daqui a duas semanas não ter mais pacientes aguardando leitos clínicos na emergência.
— Esse seria o nosso primeiro sinal de que conseguimos reduzir a transmissibilidade. O efeito de desafogar UTI levaria ainda mais 20 a 30 dias para ser enxergado. Essa redução de 40% é muito pouco para conseguir aliviar o sistema de saúde no curto prazo. Se não houver adesão maior da população, vamos chegar em abril e maio enxergando situação muito semelhante. Ficamos muito na dependência das atitudes individuais _ explica.
Mobilidade
A médica Beatriz Schaan, do Hospital de Clínicas, também entende que, se a população aderisse com mais intensidade ao distanciamento social, os efeitos da bandeira preta seriam mais notáveis e apareceriam antes.
— Embora tenhamos o fechamento do comércio, enxergamos a cidade muito mais movimentada do que em abril e maio do ano passado. A bandeira preta deu uma melhorada, mas, se as pessoas tivessem se empenhado mais, a gente teria um resultado mais impactante do que vemos hoje — observa.
De fato, dados da consultoria InLoco sobre a mobilidade da população analisados pelo professor Álvaro Krüger Ramos, professor de matemática aplicada na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mostram que o isolamento social dos gaúchos durante a bandeira preta cresceu muito pouco frente a duas semanas antes e se mantiveram abaixo de janeiro, tradicional período de férias.
Se, em janeiro de 2021, o isolamento social médio era de 40,3%, caiu para 36% nos 15 dias antes da bandeira preta e subiu para 37,6% % desde o primeiro dia de bandeira preta, em 27 de fevereiro, até a última quinta-feira (11). No ano passado, o índice chegou aos 70% no Rio Grande do Sul, antes do pico da primeira onda. O distanciamento está menor agora do que no início da bandeira preta: no primeiro dia útil da medida, em 27 de fevereiro, o distanciamento era de 39,4%, ante 32,5% da última quinta-feira.
O governo do Estado trabalha com outros dados, disponibilizados pelo Google. O relatório de mobilidade mais recente da plataforma (do dia 9 de março) indicam redução da circulação de pessoas de 47% no varejo e lazer, 49% em parques, 34% em estações de transporte e 20% em locais de trabalho no RS.
— Estamos reduzindo aquilo que é essencial, segundo os médicos, que é a redução de transmissão do vírus, por meio da redução da mobilidade. Isso tem resultado na desaceleração no aumento de ocupação de leitos clínicos e de UTIs como consequência. Temos avaliado que as medidas têm efeitos positivos — afirma o secretário Lamb.
Páscoa
Analistas ainda começam a se preocupar com a chegada do feriadão de Páscoa, na primeira semana de abril. Se o sistema de saúde do Rio Grande do Sul não se recuperar até lá e houver grande mobilidade da população, com viagens e encontros, a situação do Estado pode piorar ainda mais.
— Não quero ser trágica, mas aí vai colapsar o sistema funerário. Não há como, em bandeira preta, as pessoas acharem que podem fazer tudo normalmente. Agora é hora de ficar em casa e se cuidar. Não viaje agora. Não se arrisque a ir para a estrada, se acidentar e não ter atendimento. Não espalhe o vírus. Agora é o momento de fazer o feriado em família, em casa — pede a médica epidemiologista Lucia Pellanda.
A professora de Epidemiologia Suzi Camey também demonstra preocupação com a possível aglomeração gerada pelos feriadões, embora acredite que o cenário mais crítico pode levar as pessoas a terem mais consciência da gravidade. A especialista vai além e alerta que mesmo a superação de um momento caótico pode trazer reflexos perigosos. Isso porque algumas pessoas acabam relaxando no distanciamento e no uso de máscara. É o que ela acredita que aconteceu no fim do ano passado.
— O vírus só se propaga no contato entre pessoas. Quanto mais pessoas infectadas, mais vai propagar. O uso adequado de máscara deveria ser a nossa campanha número um. É isso que vai permitir que voltemos a ter uma vida razoavelmente normal. Se não conseguimos fazer com que as pessoas entendam como se comportar depois que as medidas forem levantadas, voltaremos muito rapidamente a esse cenário crítico. O efeito sanfona é o pior dos cenários, porque propicia surgimento de novas mutações — alerta.