Aprovada para uso no seu país de origem, na Argentina e, mais recentemente, na Hungria, a vacina russa contra covid-19, batizada de Sputnik V, começou a ser produzida na quinta-feira (21) no Brasil. Ainda sem aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), governadores de alguns Estados brasileiros, incluindo o Rio Grande do Sul, já sinalizam interesse no imunizante.
Em entrevista ao programa Timeline, o diretor da União Química, Rogério Rosso, explicou a situação em que estão as negociações com a agência reguladora brasileira. Segundo Rosso, em 29 de dezembro do ano passado, a União Química e o Fundo Russo de Investimento Direto (RDIF, na sigla em inglês) solicitaram autorização para fazer pesquisa clínica de fase 3 do imunizante no país. Isso porque a regra atual e o Guia de Uso Emergencial exigem que haja pesquisa aprovada e em andamento para a solicitação de uso emergencial.
— É o que a gente mais quer fazer. A Anvisa tem essa exigência, diferentemente de outras agências regulatórias do mundo que, inclusive, estão alterando essa legislação. Mas estamos apresentando tudo o que estão solicitando e, assim que a Anvisa autorizar, faremos estudos clínicos no Brasil — confirmou Rosso, acrescentando que a instituição que coordenará o ensaio já foi apresentada à agência.
Em 16 de janeiro, a Anvisa informou que restituiu o pedido do laboratório para uso emergencial da Sputnik V. Em comunicado, o órgão esclareceu que a decisão se deu pois não foram apresentados os "requisitos mínimos para submissão e análise" da entidade.
A farmacêutica segue em tratativas com a agência: houve uma reunião na quinta-feira (21) e outra seria realizada nesta sexta (22). Segundo a Anvisa, o encontro de quinta serviu para trocar informações sobre o desenvolvimento da vacina. Nesta sexta, a agenda será entre as áreas técnicas do laboratório e do órgão regulador. A agência informou, por meio de sua assessoria, que a produção em solo nacional pode ser feita, inclusive para exportação, no entanto, o seu uso depende da aprovação da reguladora.
Falta de clareza é rebatida
Durante a entrevista, Rosso rebateu as críticas referentes às incertezas do meio científico em relação ao imunizante. O diretor enfatizou a tradição de 130 anos do Instituto Gamaleya e mencionou a publicação das fases 1 e 2 na revista The Lancet.
— A (fase) 3 terminou agora e também vão publicar — garantiu.
Luiz Gustavo de Almeida, PhD em Microbiologia pelo Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) e coordenador dos projetos educacionais do Instituto Questão de Ciência, lembra que as fases 1 e 2 dos testes clínicos, que avaliam segurança e resposta imunológica, são feitos com um número reduzido de voluntários. Portanto, os russos ainda têm uma lacuna a preencher no que diz respeito à última etapa do estudo.
— Ainda não foram mostrados dados da fase 3, que é aquela em que a gente testa milhares de pessoas para continuar avaliando a segurança, a resposta imunológica e, principalmente, verificar a eficácia da vacina em relação ao grupo não imunizado na diminuição da doença. É isso que eles precisam mostrar — afirmou.
Na opinião de Almeida, enquanto essas informações não forem apresentadas às agências regulatórias, não se pode confiar só na palavra do produtor:
— O Gamaleya é reconhecido, sim, na virologia mundial. Cientistas o respeitam. Por isso mesmo é que deveriam ser mais claros em relação à divulgação dos dados. A gente não pode só acreditar na palavra, no que sai na mídia e nas redes sociais deles. Precisamos de números, principalmente, as agências regulatórias precisam. Por mais que sejam reconhecidos, a ciência não funciona dessa maneira, só com a palavra dos pesquisadores.
Governos buscam acordos
Na próxima semana, o governador gaúcho, Eduardo Leite, fará uma visita ao parque de produção da União Química. O intuito é buscar uma aproximação com o laboratório a fim de ter em mãos uma segunda opção caso faltem doses das já aprovadas CoronaVac e Oxford/ AstraZeneca. Estados nordestinos também buscam articular a aquisição das doses junto à companhia.
Na última semana, o presidente do Consórcio Nordeste, Wellington Dias, governador do Piauí, participou de videoconferência com a União Química e representantes da Embaixada Russa no Brasil. O governador da Bahia, Rui Costa, entrou com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para garantir a compra direta do imunizante, sem intermédio do governo federal, e solicitou a liberação mesmo sem aval da Anvisa, pois, justificou, a Sputnik V já foi autorizada e está em uso em outras nações.
O Paraná, que havia assinado um acordo com os russos em agosto de 2020, segue sem muitas respostas sobre o início da produção do imunizante, de acordo com a imprensa local.
Além da Rússia, Bielorrúsia, Argentina, Bolívia, Argélia, Paraguai, Turcomenistão, Emirados Árabes Unidos e Hungria já registraram a Sputnik V.