Em meio a um cenário de incertezas em torno da vacina russa Sputnik V, que ainda não teve resultados da fase 3 de estudos divulgados em nenhum periódico científico, ela começou a ser utilizada nesta terça-feira (29) para imunizar profissionais da saúde na Argentina. Na avaliação de Renato Grinbaum, infectologista e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia, a vacinação no país vizinho é uma incógnita:
— Poderemos ter uma vacina excepcional, mas, eventualmente, ela pode ser ineficaz ou apresentar alguma toxicidade não aceitável. É uma verdadeira aposta, uma loteria.
O médico lembra que, para serem aprovados, medicamentos e vacinas precisam passar, obrigatoriamente, pelas fases 1, 2 e 3 de avaliação e, após saírem para o mercado, entram na fase 4. Sobre a aceleração do processo em si, o que ocorreu com todas as vacinas contra covid-19, ele afirma que é inevitável devido à urgência diante do coronavírus:
— A aprovação mediante a avaliação neste processo não é perfeita, mas é muito segura e evita que medicamentos ineficazes ou severamente tóxicos sejam comercializados. O processo de avaliação, especialmente da fase 3, demora alguns anos, o que é impossível neste momento. Por isso, avaliações mais rápidas dessa etapa estão sendo aceitas, ainda assim garantindo muita segurança. Sem essa avaliação não existem respostas.
Até o momento, apenas resultados das fases 1 e 2 da Sputnik V foram publicados em periódico científico. Sobre a última etapa do ensaio clínico, os russos se limitaram a dizer que o imunizante teve eficácia de 92%.
Foi em meio a esse cenário de incertezas que o governador de Buenos Aires, Axel Kicillof, se voluntariou para ser um dos primeiros a receber uma dose, na tentativa de tranquilizar a população em relação à vacina. Pouco antes das 9h, ele recebeu a injeção no braço direito e afirmou, em redes sociais, que "hoje é o início do fim da pandemia na Argentina".
Pouco tempo depois, o ministro da Saúde portenho, Fernán Quirós, disse que "é preciso mais informações técnicas antes da próxima entrega", e prosseguiu:
— A confiança nas vacinas passa pela disponibilização de informações técnicas, o que possivelmente teremos nas próximas semanas.
O ministro da Saúde argentino, Ginés González García, admitiu, diante de câmeras, que o presidente do país, Alberto Fernández, está "nervoso porque os papéis não chegaram" da Rússia com dados sobre a eficácia do imunizante em pessoas com mais de 60 anos, informou o jornal La Nacion. García disse, no entanto, que os resultados devem sair em "questão de dias".
O plano dos hermanos
O plano de imunização argentino começou com 300 mil doses da Sputnik V, das quais 123 mil foram destinadas à província de Buenos Aires. A estimativa do governo é de que, até março, 10 milhões de pessoas estejam imunizadas no país, onde, até agora, mais de 42 mil argentinos morreram em decorrência da covid-19. A Sputnik V foi aprovada em "caráter emergencial" em 23 de dezembro pelo Ministério da Saúde local, na primeira autorização que a vacina recebeu na América Latina.
Além desta parceria, a Argentina assinou acordos de fornecimento de vacinas com a Universidade de Oxford, associada com a farmacêutica AstraZeneca, e com o mecanismo Covax da Organização Mundial da Saúde (OMS). Na semana passada, o país também autorizou o uso emergencial do imunizante desenvolvido pela Pfizer/BioNTech.