Além dos acordos com Sinovac, AstraZeneca e o convênio Covax, liderado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para garantir 354 milhões de doses de vacinas contra o coronavírus neste ano – o suficiente para cerca de 85% dos brasileiros –, o Ministério da Saúde está em fase inicial de negociações com outros cinco laboratórios. Mas não há, até agora, a garantia de que alguma dose dessas farmacêuticas virá para o país.
Com Pfizer/BioNTech, Janssen, Bharat Biotech, Moderna e Gamaleya, o Ministério da Saúde firmou memorandos de intenção de compra – ou seja, o governo informa a vontade de adquirir doses, mas sem reservar nenhuma para o Brasil. Com Pfizer e Janssen, há previsão de número de injeções a serem requisitadas, mas, novamente, nada está assegurado.
Em nota, a Saúde diz que “a partir dos memorandos de entendimento, a pasta segue com as negociações para efetuar os contratos a fim de disponibilizar o quanto antes a maior quantidade possível de doses de vacina para imunizar a população brasileira de acordo com as indicações dos imunizantes”.
Sem dar datas, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, disse nesta quinta-feira (21) esperar uma “avalanche” de propostas de laboratórios entre janeiro e fevereiro.
— Em janeiro, começo de fevereiro, vai ser uma avalanche de laboratórios apresentando propostas, porque são 270 iniciativas no mundo. Temos que ter atenção e muito cuidado para colocar todas disponíveis o mais rápido possível dentro da segurança e eficácia — declarou o general.
Entenda as negociações em andamento com as farmacêuticas:
Pfizer
- Eficácia: 95%
- Quantas doses: duas
A Pfizer está em espinhosas tratativas com o Ministério da Saúde para fornecer 70 milhões de doses, sendo 8,5 milhões até junho de 2021 (2 milhões para o primeiro trimestre e 6,5 milhões no segundo trimestre), 32 milhões no terceiro trimestre e 29,5 milhões no quarto trimestre. Com receio de o governo federal fracassar na negociação, Estados também começaram o diálogo para adquirir por conta própria as injeções.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) terminou de conceder, na terça-feira (19), o certificado de boas práticas para os quatro laboratórios que produzirão a vacina da Pfizer. É um dos passos necessários para a aprovação de uso do imunizante no Brasil. Uma semana antes, a agência reguladora se reunira com a Pfizer – o encontro terminou, segundo a Anvisa, sem que a decisão pelo pedido de uso emergencial tivesse sido tomada.
O governo federal vem demonstrando insatisfação com a companhia norte-americana. O primeiro entrave era a exigência de armazenar a vacina a -70ºC, o que imporia dificuldades logísticas ao sistema de saúde do Brasil. Vencida essa barreira, o ministro Pazuello e o presidente Jair Bolsonaro passaram a reclamar da exigência da companhia para que o governo brasileiro assine um termo que isente a Pfizer da responsabilidade por possíveis efeitos colaterais. Bolsonaro chegou a dizer que quem tomar a vacina e virar um “jacaré” não poderá processar a empresa.
Há outro impasse: enquanto o governo federal afirma que só comprará doses da Pfizer quando a Anvisa aprovar o uso, a companhia diz que só fará o pedido à agência reguladora quando o Brasil fechar acordo para adquirir injeções.
Procurada por GZH, a Pfizer alega que não pode comentar detalhes da negociação em curso, mas diz que “as cláusulas apresentadas ao governo estão em linha com os acordos fechados em outros países do mundo, inclusive na América Latina, sendo que diversos países já começaram a vacinação, salvando vidas”.
A farmacêutica norte-americana cita que buscou o governo brasileiro pela primeira vez em junho e que “países como Estados Unidos, Japão, Israel, Canadá, Reino Unido, Austrália, México, Equador, Chile, Costa Rica, Colômbia e Panamá, assim como a União Europeia e outros, garantiram um quantitativo de doses para dar início à imunização de suas populações, por meio de acordo que engloba as mesmas cláusulas apresentadas ao Brasil”.
A Pfizer acrescenta que “ainda aguarda a decisão do governo brasileiro para estabelecer um contrato de fornecimento, tendo como base as condições e os termos acordados e necessários para um acordo definitivo, com base nas doses ainda disponíveis para distribuição”. Por fim, afirma que o calendário de distribuição das 70 milhões de doses depende da data de fechamento do contrato.
Moderna
- Eficácia: 94,1%
- Doses: duas
O Ministério da Saúde firmou um acordo com a Moderna que demonstra a intenção de compra, sem que haja, por enquanto, um quantitativo de doses a serem adquiridas. Em 31 de dezembro, o presidente Jair Bolsonaro afirmou em uma live que “além da Pfizer, temos uma outra (vacina) que se apresenta no momento, uma da Moderna, que poderá ser adquirida pelo Brasil”. A intenção também fora anunciada em outubro pelo ministério, mas não houve divulgação de novas informações.
O Ministério da Saúde afirma que pediu à Moderna “informações de preços, estimativa e cronograma de disponibilização de doses, dados científicos dos estudos de fase I, II e III”. O laboratório não respondeu ao pedido de comentários de GZH até o fechamento desta reportagem.
Janssen (Johnson & Johnson)
- Eficácia: desconhecida
- Doses: uma
O Ministério da Saúde firmou um memorando de entendimento não vinculante (há intenção de compra, mas nenhuma dose foi de fato reservada) para comprar 38 milhões de doses da vacina da Janssen. Seriam 3 milhões de doses no segundo trimestre, 8 milhões no terceiro trimestre e 27 milhões no quarto trimestre de 2021.
Na terça-feira (19), a Anvisa concedeu o certificado de boas práticas para o segundo dos três laboratórios que produzirão a vacina da Janssen, um avanço na negociação. O Ministério da Saúde afirma que pediu “informações de preços, estimativa e cronograma de disponibilização de doses, dados científicos dos estudos de fase I, II e III”.
A vacina da farmacêutica ainda está em fase 3 do estudo que acompanha 60 mil adultos em Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, México, Peru, África do Sul e Estados Unidos. No Brasil, estão previstos 7 mil voluntários, incluindo no Rio Grande do Sul, no Hospital de Clínicas de Porto Alegre e no Hospital Conceição.
Os resultados das fases 1 e 2 mostram que a vacina é segura e eficaz em produzir anticorpos contra o Sars-Cov-2 em 90% dos voluntários com apenas uma dose, segundo estudo publicado no periódico científico The New England Journal of Medicine. O fato de oferecer proteção com apenas uma injeção é visto como grande qualidade do imunizante da Janssen. Entre os efeitos adversos estão fadiga, dor de cabeça e dor no local de aplicação.
Agora, em fase 3, a companhia avaliará qual é de fato essa proteção ao comparar o número de infecções entre quem tomou a vacina e quem tomou placebo (injeção sem proteção). É na fase 3 que cientistas calculam a taxa de eficácia.
Na noite desta quinta-feira, a empresa envio nota sobre a negociação com o governo brasileiro, na qual diz que desde o início da pandemia "tem mantido diálogo contínuo" com "autoridades sanitárias nacionais e internacionais sobre sua vacina candidata contra a covid-19, incluindo o Ministério da Saúde e a Anvisa no Brasil".
A nota prossegue: "Caso os resultados demonstrem que a vacina é segura e eficaz, e após obter autorização regulatória, a Janssen disponibilizará sua vacina na quantidade e nas condições que vierem a ser acordadas com o Ministério da Saúde". A empresa informa ainda que "a previsão é que os resultados preliminares do estudo estejam disponíveis até o final de janeiro. Se os dados indicarem que a vacina é segura e eficaz, a empresa espera enviar um pedido de autorização de uso emergencial à Food and Drug Administration (FDA) dos EUA em fevereiro. Outras solicitações regulatórias de saúde em todo o mundo serão feitas em paralelo".
Sputnik V
- Eficácia: 91,4%, segundo o governo russo
- Doses: duas
Assim como com a Janssen, o Ministério da Saúde firmou um protocolo de intenção de compra, que não garante nenhuma dose, para adquirir a vacina russa Sputnik V.
Não foi divulgado, até agora, um planejamento de quantas injeções o governo federal pretende adquirir nem o calendário de distribuição. A pasta afirma que solicitou “informações de preços, estimativa e cronograma de disponibilização de doses, dados científicos dos estudos de fase I, II e III”.
Frente à demora do governo federal em assegurar doses suficientes, o governador Eduardo Leite abriu, como plano B, diálogo com o laboratório União Química, produtor no imunizante no Brasil.
Na semana passada, a União Química solicitou à Anvisa autorização para uso emergencial, mas o pedido foi negado no sábado (16) por falta de “requisitos mínimos”, nas palavras da instituição governamental.
Em entrevista ao Gaúcha Atualidade nesta quinta-feira (21), um dos cinco diretores da Anvisa, Alex Machado Campos, afirmou que a agência se reuniria com representantes da União Química para esclarecer dúvidas e orientar o laboratório para um novo pedido de autorização.
— Os dados desses estudos são requisitos fundamentais para analisar a eficácia. Eram muito embrionários os documentos. O clima da agência é de compreensão sobre o clima de urgência que o país vive. Agora, a gente tem um limite. E o limite esbarra na missão da agência: proteger a saúde da população — enfatiza.
Apesar de não ter o aval para distribuir no Brasil, a União Química já começou a produzir a Sputnik V por aqui – a empresa diz que, se a Anvisa não der o aval, a planta brasileira fabricará doses para vender a Argentina e Bolívia, que firmaram acordo. Rogério Rosso, diretor de negócios internacionais do Grupo União Química, declarou que o laboratório tem capacidade de produzir 8 milhões de doses por mês assim que a planta em Brasília, a Bthek, operar em capacidade máxima.
A eficácia da Sputnik V foi anunciada apenas pelo governo russo e pelo Instituto Gamaleya, sem ter sido publicada em revistas científicas. A reportagem não recebeu retorno da União Química até o fechamento desta reportagem.
Covaxin
- Eficácia: indefinida.
- Doses: duas
As negociações do Ministério da Saúde com a indiana Bharat Biotech para aquisição da Covaxin ainda estão em fase inicial: o governo pediu informações de preços, estimativa e cronograma de disponibilização de doses, dados científicos dos estudos de fase 1, 2 e 3, segundo a pasta. Não há estimativa para o total de imunizantes a serem comprados.
Em 12 de janeiro, o laboratório indiano anunciou ter fechado acordo para que a distribuidora das vacinas no Brasil seja a Precisa Medicamentos. Em nota, a Bharat Biotech afirma que a prioridade das doses será para o sistema público, mas que o fornecimento para clínicas privadas poderia ocorrer após aval da Anvisa.
Em 4 de janeiro, a Anvisa se reuniu com a Precisa Medicamentos para prestar esclarecimentos sobre o registro de vacinas. Na ocasião, o laboratório não decidira se solicitaria o uso definitivo ou se iniciaria testes clínicos no Brasil para poder pedir o uso emergencial – segundo as regras da agência, é preciso haver pesquisa com voluntários brasileiros para liberar o uso emergencial, cujo aval é apenas para a oferta pelo setor público. Sem testes no Brasil, um laboratório só pode requisitar o uso definitivo.
No momento, a Covaxin está em fase 3 de estudo, com cerca de 26 mil voluntários na Índia. A taxa de eficácia ainda não foi divulgada, mas se especula que seja por volta de 60%. Já está provado que não há efeitos colaterais graves e que a vacina gera produção de células de defesa. A Bharat Biotech não respondeu ao pedido de comentários de GZH.