Febre persistente por mais de três dias, olhos avermelhados (uma conjuntivite sem pus), lábios também avermelhados e, em alguns casos, com rachaduras, pele com manchas avermelhadas ou arroxeadas e prostração estão entre os principais sintomas causados pela síndrome inflamatória multissistêmica (SIM-P), que afeta crianças e adolescentes e, segundo especialistas e o Ministério da Saúde, pode estar associada à covid-19.
Semelhante à Síndrome de Kawasaki, doença inflamatória considerada rara e que acomete principalmente crianças entre um e cinco anos de idade, a SIM-P atinge mais de um órgão ao mesmo tempo, podendo causar também alterações no coração e/ou no trato intestinal, entre outros.
O diagnóstico da doença foi dado a um menino de sete anos residente em Alto Feliz, na Serra. Ele foi a primeira criança a morrer da doença no RS. Conforme a Secretaria Estadual da Saúde, o caso iniciou com uma internação em 1º de janeiro de 2021 com quadro clínico suspeito para apendicite. Após a realização de exames, a suspeita foi descartada. A confirmação para a SIM-P ocorreu após exames de sangue específicos apontarem marcadores inflamatórios característicos da doença.
Membro da Sociedade Riograndense de Infectologia (SRGI), o infectologista pediátrico Fabrizio Motta atendeu em Porto Alegre, em agosto de 2020, três casos de crianças que tiveram covid-19 e apresentaram a SIM-P. Duas delas, de cinco e 11 anos, ficaram internadas na Santa Casa de Misericórdia, onde Motta é o supervisor do serviço de controle de infecção e infectologia pediátrica. O terceiro paciente, de seis anos, foi liberado.
— Em média, os pacientes com essa síndrome ficam de cinco a sete dias hospitalizados por conta do tratamento, que exige medicação intravenosa, exames diários, como eletrocardiograma, para acompanhar, principalmente, a parte cardíaca — explica o médico.
O médico pediatra Jefferson Piva, professor de pediatria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador da UTI Pediátrica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, explica que, antes da pandemia de coronavírus, a SIM-P, considerada rara, costumava surgir nas crianças como consequência tardia de determinadas viroses. Porém, a partir da covid-19, relata Piva, grupos de médicos da Inglaterra, França, Espanha, Itália e dos Estados Unidos perceberam uma proporção maior da doença.
— Crianças que apresentam os sintomas precisam ser internadas porque essa síndrome hiperinflamatória, nos casos mais graves, pode causar alterações da coagulação e cardíacas, como dilatação das coronárias, levando à falta de circulação no coração e, consequentemente, infarto — ressalta Piva.
Nas internações, informa o pediatra, o tratamento costuma usar, principalmente, imunoglobulina, corticóide e aspirina em dose baixa para prevenir lesões no coração.
— É uma doença atípica e arrastada. Creio que exista algum fator genético para ela se desenvolver, mas que ainda não descobrimos — destaca Piva.
No início de agosto, a Sociedade Brasileira de Pediatria divulgou uma nota de alerta solicitando que os médicos fiquem atentos aos casos e notifiquem o Ministério da Saúde.
“Crianças e adolescentes com SIM-P podem apresentar rápida progressão para formas graves da doença. Desta forma, o manejo oportuno em locais com infraestrutura e equipe pediátrica multiprofissional – incluindo emergencistas, intensivistas, cardiologistas, infectologistas, reumatologistas, imunologistas, nefrologistas, neurologistas, gastroenterologistas e hematologistas – assume fundamental importância para um melhor prognóstico destes casos”, destaca o documento.
O infectologista pediátrico Marcelo Scotta, do Comitê de Infectologia da Sociedade de Pediatria do RS, lembra que um estudo realizado com 186 casos em 26 Estados norte-americanos comprovou que a maioria dos pacientes com SIM-P não teve os sintomas de covid-19 durante a infecção inicial por coronavírus. Mas os que tiveram o quadro mais comum de covid-19 apresentaram os sintomas da síndrome, em média, 25 dias depois.
— O pico ocorre de três a quatro semanas depois do pico da covid-19. Uma informação tranquilizadora é que a frequência dessa síndrome em relação ao total do número de crianças que adquire o coronavírus é muito baixa. Muito provavelmente, menos de 0,2%. Então, acaba sendo uma complicação preocupante, mas rara dentro do universo de pacientes pediátricos que adquirem a infecção — finaliza Scotta.