Meio ano depois do início dos estudos clínicos da CoronaVac no Brasil e um dia após o país chegar a 200 mil mortos por coronavírus, o Instituto Butantan entregou, nesta sexta-feira (8), o esperado pedido para que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprove o uso emergencial (restrito a parcelas da população) da vacina. É a primeira solicitação de uso em território brasileiro na pandemia.
A Anvisa afirmou que terá até 10 dias para aprovar ou não o uso da CoronaVac – ou seja, até 18 de janeiro –, sendo que pode fazer uma pausa no prazo caso peça dados a mais para o Instituto Butantan. O registro permanente ainda não será feito, segundo o diretor do Butantan, Dimas Covas. Ele afirmou, na quinta-feira (7), que essa solicitação só pode ser feita juntamente com a empresa chinesa Sinovac.
Também na quinta-feira, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, afirmou que o governo federal fechou um contrato para receber 100 milhões de doses da CoronaVac e aplicá-las em todo o Brasil – 46 milhões até abril e outras 54 milhões até o final do ano (cada pessoa necessita de duas doses).
Pazuello ressaltou que, com essas 100 milhões e outras 254 milhões de doses da vacina de Oxford, produzida pela farmacêutica anglo-sueca AstraZeneca em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o Brasil tem 354 milhões de doses fechadas para os brasileiros. Também nesta sexta-feira, a Fiocruz fez o pedido de uso emergencial da vacina de Oxford.
Abaixo, confira as principais informações sobre a CoronaVac.
A vacina
O que é a CoronaVac?
É uma vacina contra a covid-19 desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac Life Science. No Brasil, ela é testada e será produzida pelo Instituto Butantan, de São Paulo. A fabricação em território brasileiro da CoronaVac é o que cientistas chamam de “transferência de tecnologia” – ou seja, não dependerá da importação.
Quando ela vai começar a ser aplicada?
A vacina só poderá ser aplicada no Brasil a partir da autorização da Anvisa. O Butantan fez o pedido de uso emergencial nesta sexta-feira, e a agência reguladora deu prazo de até 10 dias para fornecer uma resposta. Até agora, o Butantan já recebeu 11 milhões de doses importadas da China.
O ministro Eduardo Pazuello projeta a vacinação com a CoronaVac no Brasil para 20 de janeiro com as 6 milhões de doses que o Ministério da Saúde deverá receber do Butantan. O governo de São Paulo definiu o começo da aplicação no Estado em 25 de janeiro.
Como é produzida?
A vacina é produzida a partir do vírus inativado – ou seja, o vírus é "morto" com calor ou substâncias químicas e se torna incapaz de causar infecção. Mas, ao entrar no organismo, estimula o corpo a produzir anticorpos de defesa. A vacina da gripe, por exemplo, é um dos imunizantes inativados usados hoje em dia.
Como ela é tomada?
A CoronaVac é aplicada em duas doses, com um intervalo de duas semanas entre elas. No entanto, o Estado de São Paulo cogita repetir uma estratégia usada pelo governo britânico de adiar a aplicação da segunda dose para vacinar mais pessoas com a primeira e, assim, assegurar algum tipo de proteção para mais gente.
Como ela é armazenada?
A CoronaVac é armazenada sob temperatura de 2ºC a 8ºC, uma logística de rotina para os postos de saúde brasileiros. Isso facilita a distribuição das doses pelo país.
Quanto vai custar?
Inicialmente, toda a produção de vacinas será usada para abastecer o Sistema Único de Saúde (SUS), portanto, não estará disponível para a rede privada. Para a rede pública, a CoronaVac tem um custo estimado em US$ 10,30 (cerca de R$ 55 na cotação desta sexta-feira).
A CoronaVac é segura?
Dados detalhados sobre a segurança ainda não foram divulgados à imprensa ou publicados em revistas científicas, mas o Butantan diz que já estão sob posse da Anvisa e que, nos próximos dias, os números estarão disponíveis à comunidade científica. Na quinta-feira, o coordenador do Centro de Contingência de São Paulo, Paulo Menezes, afirmou que a vacina não teve efeitos adversos graves na fase 3 do estudo feito no Brasil.
— Temos pronto o planejamento de um novo estudo da vacina com pessoas acima de 60 anos para ter maior estimativa da eficácia da vacina neste grupo etário. Porém, não houve qualquer evento adverso grave durante a fase 3 de estudos. A vacina é muito segura e deve estar disponível para os grupos de risco em breve — afirmou.
Em 19 de outubro, o Butantan havia divulgado que 35% dos voluntários dos testes da vacina tiveram reações adversas leves após a aplicação, como dor no local da aplicação ou de cabeça.
A suspensão que a Anvisa realizou do estudo com a CoronaVac em 9 de novembro, em razão da "ocorrência de um evento adverso grave", foi, três dias depois, esclarecida: se tratava de suicídio sem relação com a vacina.
Algum outro país já toma a CoronaVac?
Sim. A China começou a aplicar a CoronaVac, em caráter emergencial, e a Indonésia deve fazê-lo ainda em janeiro. Chile e Turquia também planejam aplicá-la.
O estudo
Quando começou o estudo?
Os estudos da CoronaVac começaram em maio na China, com as fases 1 e 2, dedicadas a avaliar a segurança da vacina e se ela estimula a resposta imunológica no corpo. Na época, entre 13% e 38% dos voluntários tiveram efeitos adversos leves, como dor no local da injeção.
No Brasil, em 11 de junho o governo de São Paulo anunciou a parceria entre o Instituto Butantan e a farmacêutica chinesa Sinovac para o Brasil realizar estudos em fase 3, receber doses importadas e a transferência de tecnologia (possibilidade de produzir vacinas nacionalmente). A pesquisa também é conduzida no Chile, na Indonésia e na Turquia.
No começo de julho, a Anvisa autorizou a realização dos ensaios clínicos em fase 3, que começaram, efetivamente, em 21 de julho.
Quem participou do estudo?
A expectativa inicial era contar com cerca de 9 mil profissionais da saúde, mas a pesquisa de fase 3 chegou a 12.473 pessoas que atuam no combate à covid-19 em sete Estados e no Distrito Federal. No Rio Grande do Sul, os testes ocorreram no Hospital São Lucas da PUCRS e no Hospital Escola da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
Quando o estudo começou no RS?
Os testes no São Lucas começaram em 8 de agosto. Já no Hospital de Pelotas, as aplicações iniciaram em 5 de outubro.
Quais os resultados até agora?
Segundo o governo do Estado de São Paulo, a eficácia da CoronaVac é de 78% para evitar a doença com sintomas leves pela covid-19 e de 100% para evitar casos moderados e graves, com internação. Os detalhes, contudo, não foram divulgados – o Instituto Butantan afirmou que os números estariam no pedido à Anvisa e em publicações científicas nos próximos dias.
O Butantan observa que chegou aos números da seguinte forma: de todos os voluntários, apenas 22% desenvolveram sintomas de coronavírus, mas ninguém precisou ser internado. Esse é o grande objetivo de cientistas: evitar que a população morra pelo vírus.
As fases 1 e 2 do estudo realizadas na China mostraram que a vacina é segura e ofereceu resposta imune dentro de 28 dias após a primeira dose em 97% dos casos, conforme estudo publicado em novembro na revista científica The Lancet.
A desinformação
A CoronaVac, assim como outros imunizantes, tem sido alvo de inúmeras notícias falsas. Em novembro, foi disseminado que o imunizante do Butanan-Sinovac teria matado mais de 2 mil voluntários e que alteraria o DNA. Outra mentira relacionada à vacina falava que ela teria provocado alterações neurológicas em um voluntário do estudo que morreu. Todos esses conteúdos são falsos e não têm nenhum embasamento científico.
Há algumas semanas, o vídeo de um pastor cearense com novas mentiras se espalhou. Nas imagens, Davi Góes diz que a CoronaVac causa câncer e que "tem HIV dentro". O Ministério Público do Ceará ingressou com pedido de responsabilização civil e criminal contra Góes.