Os casos de reação alérgica em pessoas que foram imunizadas com a vacina contra o coronavírus produzida pela Pfizer-BioNTech e divulgados, até agora, nos Estados Unidos e no Reino Unido ainda são considerados raros por especialistas no tema.
Segundo o pesquisador em saúde pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Marcelo Gomes, é preciso lembrar que essas situações, principalmente de reações alérgicas, costumam ser raras. No entanto, podem ocorrer ao se tomar qualquer outra vacina, mesmo aquelas já estabelecidas no calendário de imunizações.
Gomes explica que o processo de autorização de uma vacina avalia, entre outras coisas, justamente se a frequência e a gravidade dessas eventuais reações são um risco maior ou menor do que a doença que é combatida pelo produto.
— Estamos vendo essas notícias de reações porque agora começou a vacinação ampla. Ou seja, o número total de pessoas recebendo a vacina agora começa a ser cada vez maior. Então, essas ocorrências, que são raras, começam a aparecer eventualmente. Quantas pessoas já tomaram a vacina desde o início dos testes? Muitíssimas. Quantas pessoas tiveram complicações? Pouquíssimas. É isso que faz com que seja, sim, preferível vacinar do que não vacinar, mesmo sabendo que existe esse pequeno risco. O risco de ter um quadro grave de infecção é muito maior do que o risco de reação à vacina — esclarece o cientista.
A justificativa é compartilhada pelo médico pediatra Renato Kfouri, primeiro secretário da Sociedade Brasileira de Imunizações (Sbim). Kfouri acrescenta que as vacinas já licenciadas entram agora na fase 4, identificada como vigilância pós-licenciamento ou farmacovigilância. A exemplo de outros medicamentos, elas continuarão sendo monitoradas para registro de possíveis eventos adversos.
— Se ocorrer um número de casos fora do esperado ou do habitual, essas vacinas, podem, assim como qualquer produto novo, ter as suas indicações revistas e apresentarem novas contraindicações — diz o médico pediatra.
Tecnologia interfere no DNA?
Ambos os especialistas ressaltam que a tecnologia chamada de RNA mensageiro, usada pela Pfizer para a produção da vacina, não é nova e vem sendo desenvolvida há mais de 10 anos. O que é novo é a aplicação dessa técnica para uma vacina contra o coronavírus.
O pesquisador em saúde pública da Fiocruz destaca que enquanto técnica em si, é perfeitamente segura e incapaz de interferir no DNA, por exemplo, como dizem fake news nas redes sociais. Ele completa dizendo que os critérios de avaliação de eficácia e segurança para a vacina da Pfizer-BioNTech seguem os mesmos padrões de rigor das demais vacinas.
Kfouri adiciona que a tecnologia de RNA mensageiro, além de ser trabalhada para a prevenção de doenças, vem sendo estudada para o tratamento de câncer porque ela pode induzir a produção de anticorpos para defesa do organismo, inclusive contra células malignas.
— A técnica tem enormes vantagens porque esses produtos são sintéticos. Não há (necessidade de) material biológico, não tem laboratório de biossegurança e é produzida com rapidez e em grande quantidade. Ainda há dificuldades porque é uma tecnologia cara e o material genético precisa estar em baixíssimas temperaturas para não ter degradação. No futuro, se imagina que muitas da velhas vacinas passem a ser produzidas com essa nova tecnologia — diz Kfouri.
Vacinas não estão sendo liberadas rápido demais?
Sobre a rapidez para a produção das imunizações contra o coronavírus que já estão sendo licenciadas, ambos os especialistas pontuam que a agilidade era esperada porque já existiam estudos iniciados para outros tipos de coronavírus, como os causadores da síndrome respiratória aguda grave (sars) e a síndrome respiratória do Oriente Médio (mers), que ajudaram a pavimentar o desenvolvimento das atuais vacinas. Além das pesquisas avançadas sobre coronavírus, a união da comunidade científica, envolvendo universidades e laboratórios públicos e privados, foi fundamental para o desenvolvimento da imunização.
— Quando juntamos o investimento, as possibilidades tecnológicas e estudos que não saíram do zero, existe a oportunidade de em menos de um ano termos vacinas licenciadas e já no braço. Isso é um avanço na ciência sem precedentes — destaca Kfouri.
Divulgação sobre reação alérgica
Na quinta-feira (17), a FDA, agência de controle de medicamentos dos Estados Unidos, informou que revisará a dosagem da vacina da Pfizer-BioNTech contra a covid-19, após dois profissionais de saúde, vacinados no Alasca, apresentarem reações alérgicas. Ambos estão se recuperando. A FDA revisará junto com a Pfizer as fichas técnicas e a posologia das vacinas e incluirá uma advertência para pessoas com histórico de reações alérgicas aos componentes da vacina para que evitem injetá-la, pelo menos por enquanto. Também acrescentará um aviso de que as instalações onde as vacinas são administradas devem garantir a disponibilidade imediata de tratamento médico para lidar com reações alérgicas graves.
O cientista Marcelo Gomes vê a divulgação sobre as reações alérgicas como uma questão de transparência. O fundamental, para ele, é que a população entenda que 10 complicações em cada cem vacinados não significam o mesmo que 10 em cada 10 mil vacinados.
— Dez casos de reação adversa pode ser muito ou pouco, a depender do total de vacinações. E isso só se consegue transmitir para a população com transparência. O que é melhor? Limitar o acesso a essa informação e as pessoas escutarem por relatos aqui e ali, sem nenhuma corroboração e contextualização adequada, ou ter esses dados abertos e tratados com o rigor e clareza científica que merecem? Eu fico sempre com a segunda opção — pontua Gomes.
Para o médico pediatra Renato Kfouri, mais eficaz do que indicar a possibilidade de reação alérgica, como os Estados Unidos preveem fazer, é ter nos locais de vacinação o material para atendimento em caso de reação alérgica e, ainda, deixar o indivíduo em observação por 15 minutos depois da vacina, como já é recomendado aos alérgicos que precisam de imunização, remédio ou injeção.