Doze vacinas estão na última etapa de pesquisa ao redor do mundo, com a missão de acabar com a pandemia de covid-19. Cada uma é criada com tecnologia distinta e, independentemente do método e da porcentagem de eficácia, pode proteger contra o sars-cov-2 e permitir a imunidade de rebanho.
Para entender como são feitas, primeiro vale lembrar que vacinas "enganam" nosso sistema imune ao estimular o corpo a produzir defesas por meio de substâncias inofensivas. Essa lógica aparentemente banal revolucionou a história da humanidade e aumentou nossa expectativa de vida.
Há diferentes formas de produzir essa reação, e as vacinas contra a covid-19 em última etapa de estudo "enganam" o corpo por meio de quatro métodos: com vírus inativados ("mortos"), com pedacinhos do vírus, com a inserção artificial de suas informações genéticas ou por meio da "carcaça" de um vírus "primo" para estimular a proteção.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) exige eficácia mínima de 50%. Cada vacina tem apresentado uma eficácia diferente — a de Oxford varia entre 62% e 90%, abaixo do índice das vacinas da Pfizer/BioNTech e da Moderna, que afirmaram superar 90%.
Esses números não são definitivos, o que inviabiliza afirmar, hoje, que uma vacina é melhor do que a outra, observa Alexandre Zavascki, professor de Infectologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Em muitos casos, os resultados sequer foram publicados em revistas científicas — sabe-se apenas o que foi divulgado pelas assessorias de imprensa —, o que prejudica a análise sobre o funcionamento de cada imunização.
— Há um tempo de seguimento (acompanhamento) curto. Pode ser que em alguma a proteção dure pouco tempo e a eficácia caia mais adiante. Os números são altos e positivos, mas são dados preliminares — diz Zavascki.
Para além dos números de eficácia, o que definirá o fim da pandemia será se as doses poderão ser armazenadas e distribuídas no Brasil e se as negociações com o governo brasileiro para produção nacional e importação terão sucesso, pontua a biomédica Mellanie Dutra, coordenadora da Rede Análise Covid-19.
— Se tivermos uma vacina com 97% de efetividade, mas com dificuldade para chegar a todos, será difícil atingir imunidade de rebanho. É melhor ter 70% de efetividade vacinando todo mundo do que 97% de efetividade em poucos — afirma Mellanie.
As vacinas produzidas a partir de RNA, da Pfizer e da Moderna, são especialmente aguardadas porque nunca foram usadas e podem revolucionar a forma como outras doenças podem ser tratadas.
Entretanto, a logística para armazenar e distribuir os produtos pode ser um empecilho, sublinha Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). A vacina da Pfizer exige armazenamento a -70ºC, uma dificuldade para o sistema de saúde brasileiro e para regiões como o Amapá, onde a energia elétrica está intermitente há dias. A da Moderna é menos problemática — exige -20ºC de temperatura.
— Todas as vacinas, exceto as genéticas, não precisam ser congeladas, então são mais fáceis de ser distribuídas. Imagina ter um freezer de -70°C para armazenar e congelar. Isso inviabiliza uma distribuição porque muitos postos de saúde daqui e da maioria dos países do mundo não têm esse tipo de freezer — diz Kfouri. — Precisaremos conhecer a performance das vacinas em idosos, crianças, diabéticos e outros subgrupos para entender a quantidade de cada vacina que a gente vai ter, e assim definir as estratégias.
A seguir, entenda os diferentes métodos de produção das vacinas estudadas contra a covid-19 e mais detalhes sobre seis delas que já tiveram sua eficácia anunciada ou que estão sendo pesquisadas no Brasil.
Tipos de vacina estudados contra a covid-19
Vacina de vírus inativado
Nesta tecnologia conhecida há muitos anos, cientistas cultivam o vírus em laboratório e depois o "matam" — cientificamente, vírus não morrem, mas podem ser paralisados ou, no jargão científico, inativados. O "corpo" do vírus é capaz de gerar uma resposta imune do organismo, mas, como o Sars-CoV-2 está "morto", não há risco de a pessoa adoecer. Quando o corpo entrar em contato com o vírus na vida real, estará apto a se proteger. Das vacinas com eficácia já conhecida, apenas a CoronoVac, desenvolvida no Instituto Butantan, usa esse método.
Vacina vetor viral
Outro vírus atua como vetor para estimular a resposta imune do organismo. Nas vacinas pesquisadas, cientistas pegam o adenovírus de macaco, que causa resfriado, removem sua carga genética e deixam apenas a "carcaça". Dentro da "carcaça", inserem um pedacinho do Sars-CoV-2. Nossas células, ao entrarem em contato com o vetor, estimularão o sistema imune a produzir anticorpos contra a covid-19. Como traz a "carcaça" de outro vírus, o sistema imune pode criar uma defesa contra o adenovírus em si e reduzir a eficácia da vacina.
Vacina genética de RNA
Tecnologia inédita que pode revolucionar as imunizações se for aprovada. O RNA é um "livro" de instruções que manda células produzirem determinadas proteínas. A vacina insere no nosso corpo uma molécula de RNA produzida em laboratório (apenas um "capítulo" do livro inteiro) que irá instruir nossas células a produzir uma proteína que faz parte do código genético do Sars-CoV-2. O corpo entende que essa proteína produzida é o vírus inteiro e cria uma resposta imune que protegerá quando, na vida real, o Sars-CoV-2 aparecer. A vacina não lida com o novo coronavírus — tudo é feito por engenharia genética, a partir do código do Sars-CoV-2 disponível na internet.
Vacina proteica
Usa partículas muito pequenas do vírus (proteínas) para estimular a resposta do sistema imune. Na prática, esse tipo de vacina pula uma etapa da vacina genética de RNA: se esta estimula a célula a produzir uma proteína que será reconhecida como invasora, a vacina proteica já entrega a proteína para o corpo. Nenhuma vacina contra a covid-19 cuja eficácia já foi divulgada usa o método proteico.
Dados sobre as seis vacinas que já tiveram sua eficácia anunciada ou que estão sendo pesquisadas no Brasil
Astrazeneca (Oxford)
- Eficácia: de até 90% (resultado preliminar)
- Tecnologia: vetor viral
- Doses: duas (foi mais eficaz no esquema meia dose + dose inteira)
- Vantagens: mais barata, produção mais rápida
- Desvantagens: poucos laboratórios têm capacidade para produzir, pode ter menor eficácia na vida real
- Previsão de chegada: janeiro de 2021. Tem acordo com o Brasil.
Janssen
- Eficácia: ainda não foi divulgado resultado preliminar para a fase 3
- Tecnologia: vetor viral
- Doses: estudos em andamento avaliam uma ou duas doses
- Vantagens: mais barata, produção mais rápida, não exige armazenamento em baixíssimas temperaturas
- Desvantagens: poucos laboratórios têm capacidade para produzir, pode ter menor eficácia na vida real
- Previsão de chegada: ainda não há previsão. Também não há acordo para fabricar ou vender no Brasil
Gamaleya (Sputnik V)
- Eficácia: 92% (resultado preliminar).
- Tecnologia: vetor viral
- Doses: duas
- Vantagens: mais barata, produção mais rápida
- Desvantagens: poucos laboratórios têm capacidade para produzir, pode ter menor eficácia na vida real
- Previsão de chegada: janeiro de 2021. Tem acordo com o Brasil.
Pfizer + BioNTech
- Eficácia: 95% (resultado preliminar).
- Tecnologia: usa RNA
- Doses: duas
- Vantagens: mais rápida, menos eventos adversos
- Desvantagens: dificuldade logística de congelamento, tecnologia sem precedentes. É mais cara.
- Previsão de chegada: a partir de março de 2021. Não tem acordo para fabricar ou vender no Brasil.
Moderna
- Eficácia
- 94,5% (resultado preliminar)
- Tecnologia: usa RNA
- Doses: duas
- Vantagens: mais rápida, menos eventos adversos
- Desvantagens: dificuldade logística de congelamento, tecnologia sem precedentes. É mais cara.
- Previsão de chegada: não há previsão. Não há acordo para fabricar ou vender no Brasil.
Sinovac (Coronavac)
- Eficácia: ainda não divulgada para fase 3.
- Tecnologia: vírus inativado
- Doses: duas
- Vantagens: tecnologia consagrada, logística já conhecida. É mais barata.
- Desvantagens: produção mais demorada
- Previsão de chegada: janeiro de 2021. Tem acordo com o Brasil
Fontes: Rede Análise Covid-19, biomédica Mellanie Dutra, médico infectologista Alexandre Zavascki, diretor da SBIm Renato Kfouri
Confira neste "vacinômetro" um panorama mais amplo destas e de outras vacinas em andamento no mundo