Quase um mês depois do início da enchente, o nível do Guaíba voltou, enfim, a ficar abaixo da cota de inundação e o sol, aos poucos, começa a aparecer novamente em Porto Alegre. É em meio a esse cenário, em que os parques e outros espaços abertos voltam a ser ocupados, que a prefeitura da Capital inicia a estimativa dos prejuízos nas áreas de lazer da cidade.
Só nos parques Marinha do Brasil, Orla Moacyr Scliar e Orla Jaime Lerner, o rombo previsto chega a R$ 19 milhões, conforme a plataforma Reconstruir Porto Alegre, criada nesta semana pelo município para mapear os danos.
Na orla, que ficou totalmente submersa pelo Guaíba por dias, a água lamacenta neste sábado (1º) deu lugar a dezenas de pessoas. No trecho 3, já era possível ver as habituais manobras radicais de skatistas. A vontade de voltar para o espaço era tanta que o esporte ocorria em meio à limpeza final do local, que estava sendo feita pela administração municipal, para retirar o resto de pó da lama com lava-jato.
A pequena Maria Tejera, de apenas sete anos, era uma dessas ansiosas. Elas e os pais Miguel e Patrícia moram no bairro Menino Deus e têm a orla como uma espécie de quintal de casa. Com o desligamento da casa de bombas em meio à enchente, a família teve que evacuar e ficar longe de casa por 15 dias — seja ela o apartamento onde vivem ou a pista de skate.
— Bom, foi estranho... Mas daí a gente procurou outras pistas, e começou a andar lá. Eu gosto da orla porque tem bastante rampa, bastante degraus para pular — descreve a pequena, que é craque no "ollie", manobra onde o skatista e o skate saltam sem o uso das mãos.
Pai de Maria, o músico Miguel conta que a família sentiu muita falta do espaço nesse período:
— Principalmente a pequena Maria. A orla é um espaço maravilhoso. Eu sempre penso: "Onde estaria toda essa gurizada e toda essa gente se não estivesse aqui?".
No local, ainda restam galhos, raízes e lixos amontoados nos cantos, além de grama morta perto da beira do Guaíba.
O trecho 3 da Orla, no entanto, segue sem estimativa do valor necessário para sua reconstrução. De acordo com a secretária Municipal de Esporte, Lazer e Juventude, Ana Paula Bastos, o primeiro movimento é o que já está sendo feito: de limpeza de parques e praças. Depois o prejuízo total será contabilizado.
— O trecho 3 vai ter que passar por uma avaliação, para ver se será necessária a troca de gramas sintéticas e areia das quadras. A pista de skate também vai precisar ser reavaliada, porque tem alguns cantos com um tipo de erosão — acrescenta a secretária.
Mas não era só o skate que marcava a retomada da presença de esportes no local. Na "plateia" da pista, Andela de Oliveira e a a filha Ana Laura Lima, de seis anos, dividiam bergamotas enquanto assistiam ao marido e pai, Kevin Fonseca, andar na BMX, um tipo de bicicleta para esportes radicais.
— A gente se identifica muito com aqui. Viemos direto, meu marido para andar, e eu para filmá-lo, para incentivá-lo — conta Andela, que atualmente está desempregada.
O trecho 1 da Orla, da GAM3 Parks, concessionária responsável pelo espaço, também ainda não tem estimativa de prejuízos. Em nota, a empresa afirmou, no entanto, que houve a destruição completa de quatro estabelecimentos comerciais, do posto da Guarda Municipal, das quadras esportivas, das estruturas de lazer, dos sanitários públicos, dos pontos de alimentação e do paisagismo. Prazos e valores, continua a GAM3 Parks, só serão informados "após avaliação detalhada pela equipe operacional junto com a engenharia da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade".
Outros parques
No Parque Marinha do Brasil, que também foi inundado, os resquícios da enchente estavam em parte do jardim, com vegetações mortas e amarronzadas. De resto, o clima era de um sábado de sol na Capital. A família de Paulo Soares, que é instrutor de tênis, foi uma das que visitou o espaço à tarde "depois de 20 e tantos dias de chuva".
— A gente só ficava dentro de casa. Hoje, decidimos passar o dia aqui, eu, minha mãe, minha irmã e a minha sobrinha. Aproveitar em família — conta Paulo.
No Parque Farroupilha, a Redenção, poças de água e parte da grama alagada foi o que restou da chuva forte do dia 23 de maio. A água do Guaíba não chegou no local e, por isso, não houve danos estruturais como em outros espaços. Várias pessoas também circulavam, passeando pelo brique, fazendo exercícios ou simplesmente descansando sob o sol.
Acompanhada de um pacote de pipoca doce, a funcionária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Ana Carolina Aguilhera era uma delas.
— Fazia muito tempo que eu não vinha (à Redenção). Tu vê... Precisa acontecer tanta coisa para tu perceber: "Cara, a gente precisa sair, a gente precisa ir para a rua" — disse, olhando para as pessoas do parque.
Inter e Grêmio seguem com áreas submersas
Na Capital, os prejuízos também são milionários nos clubes gaúchos. No primeiro final de semana de maio, a água avançou e tomou conta tanto do Beira-Rio quanto da Arena, além dos centros de treinamento dos times.
A direção do Inter estima perdas ao redor de R$ 35 milhões para reconstrução do estádio Beira-Rio e do Centro de Treinamento Parque Gigante. Já a empresa gestora do estádio do Grêmio, Arena Porto-Alegrense, ainda calcula o tamanho do rombo.
Situado no bairro Praia de Belas, o Beira-Rio foi o primeiro estádio da dupla Gre-Nal a secar, ainda na metade de maio. No entanto, a previsão de retomada da operação de todo o complexo está prevista apenas para agosto.
De acordo com a assessoria do clube, o espaço está passando por uma limpeza, que deve ser totalmente concluída até o final de junho. Segue, ao mesmo tempo, no local o trabalho de tentar reestabelecer o abastecimento de água e luz para a próxima semana. Também já ocorre o replantio do gramado, que de verde deu o lugar ao marrom nos últimos dias. A expectativa do clube é de que o plantio seja finalizado entre 45 e 90 dias. No entanto, advertiu em nota, "o prazo pode variar conforme as condições climáticas do período".
Também no Praia de Belas, o Centro de Treinamento Parque Gigante, no entanto, segue com água no pátio. A limpeza dos prédios começou na quinta-feira (30), e a previsão de recuperação de todo o espaço é 120 dias.
Já a Arena do Grêmio, localizada no bairro Humaitá, ficou inundada por mais dias e também está em processo de recuperação. De acordo com o presidente da Arena Porto-Alegrense, Mauro Araújo, foram instaladas torres de iluminação e geradores para que as equipes possam trabalhar sem interrupções no processo de limpeza e reconstrução. Com relação ao gramado, a assessoria do estádio informou que já está sendo avaliado pela empresa responsável. Por enquanto, não foi divulgado um prazo de recuperação.
O Centro de Treinamento Luiz Carvalho foi reativado pelo Grêmio na quinta-feira (30), de forma parcial. A liberação do CT é restrita à academia, ao departamento médico e ao setor de fisiologia, que não foram seriamente afetados pela inundação. As áreas administrativas e, especialmente, os gramados seguem interditados por pelo menos mais um mês.