Com 77 pontes, 31 pontilhões e 17 viadutos em seu conjunto de 143 obras de arte viárias, Porto Alegre consegue realizar inspeções técnicas anuais em quase 20% destas estruturas. A limitação, também verificada em reportagem publicada por Zero Hora em 2018, quando o percentual era de 29%, persiste pela escassez de pessoal e equipamentos na prefeitura, mesmo fator indicado à época.
Conforme a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), a realização de inspeções em pontes, viadutos e passarelas de concreto, aço ou mistas (de aço e concreto) para a verificação de danos e manifestações patológicas devem ocorrer com periodicidade de dois anos.
O olhar se volta para o tema diante do desabamento de uma ponte entre os Estados do Tocantins e do Maranhão. O fato ocorreu no domingo (22), resultando em nove mortes confirmadas. Oito pessoas seguem desaparecidas. Apurações preliminares revelam problemas estruturais que poderiam ter sido corrigidos com manutenção preventiva.
— A NBR 9452 (norma técnica) também define que inspeções especiais, conduzidas de forma sistemática e organizada, de modo a garantir que todo elemento estrutural seja obrigatoriamente inspecionado, precisam ser feitas a cada cinco anos — aponta o engenheiro civil Marcelo Saldanha, conselheiro da Câmara Civil do Crea-RS e coordenador técnico do Programa Reconstruir, promovido pela entidade.
Na Capital, em 2024, a inspeção completa ocorreu sobre 28 obras de arte especiais. Sob tal taxa, de 19%, a cidade teria todas as estruturas da modalidade checadas em pouco mais de cinco anos, o que fica aquém do estabelecido na norma.
Contudo, por conta da enchente de maio, uma vistoria geral, porém sem aprofundamento em todos os parâmetros técnicos, foi realizada este ano em todas as pontes e viadutos da cidade.
— Por conta da necessidade provocada pela cheia, uma vistoria rápida, sem exames mais profundos, foi realizada em todas as estruturas. Não foi encontrado nenhum indício de dano que motivasse uma análise mais detalhada de forma urgente — relata o secretário de Obras e Infraestrutura, André Flores.
O secretário destaca que o único acesso viário interditado para reparos estruturais é a ponte de travessia da Avenida Ipiranga pela Rua Ramiro Barcelos, no bairro Santana. A intervenção está em etapa de finalização, embora não haja data específica para restabelecimento do tráfego sobre a ponte.
Perto dali, também em travessia da Ipiranga, a ponte da Rua Vicente da Fontoura passa por obras de recuperação estrutural.
Trinta pontes na Ipiranga
Os cruzamentos da Avenida Ipiranga, sobre o Arroio Dilúvio, são diversos ao longo de seus 10 quilômetros de extensão. A via traça um percurso longitudinal por quase a totalidade do território de Porto Alegre e possui 30 das 77 pontes de gestão municipal instaladas sobre seu leito.
— Ali na Ramiro havia sinais de desgaste, principalmente em vigas de sua estrutura. A reforma estava no planejamento e a enchente acelerou esta necessidade. As demais estruturas de passagem pela Ipiranga estão seguras. São as que recebem a maior demanda viária e, por isso, são prioridade entre as vistorias — destaca o secretário de Obras.
Vida útil
Pontes, assim como outras obras de arte da engenharia, não são indestrutíveis. Entretanto podem e devem durar décadas. Para o engenheiro civil e professor de Patologia das Construções na Unisinos, Bernardo Tutikian, há expectativa de que estruturas do tipo possam funcionar por até um século com suas concepções originais.
— Cada caso é um caso. Cada ponte é uma ponte. Aquela que caiu no Tocantins tinha cerca de 60 anos, mas havia sinais de desgaste notáveis até para leigos. Espera-se que uma ponte construída com materiais e tecnologia atuais possa durar mais de cem anos —descreve.
Tutikian cita o exemplo da nova ponte sobre o Guaíba como modelo de edificação com tal expectativa de longevidade. Também menciona a reforma no viaduto dos Açorianos como modelo de aplicação das tecnologias de conservação.
— O primeiro passo para que isso aconteça (que as pontes durem décadas) é a realização rotineira de inspeções, para identificar indícios de problemas e definir a forma de conservação das estruturas — conclui o pesquisador.
Falta recurso
O secretário de Obras da Capital afirma que está em seu planejamento acelerar o ritmo das inspeções. No entanto, para que o quantitativo progrida em relação aos últimos anos, Flores argumenta que será necessário contratar serviços externos, pois a prefeitura não dispõe de recursos próprios, humanos e materiais.
O Crea-RS, segundo o conselheiro, Marcelo Saldanha, celebrou recentemente um Termo de Cooperação Técnica com o Tribunal de Contas do Estado (TCE), com vista ao aperfeiçoamento da fiscalização das obras de artes especiais e dos serviços de manutenção periódica destas estruturas no Estado.
A ação propõe, ainda, que a fiscalização faça parte de um programa permanente, garantindo a atuação de profissionais legalmente habilitados nestes trabalhos.
— O Termo também prevê agilizar a troca de informações entre os órgãos sobre licitações, obras, serviços, profissionais, empresas, registros e das anotações de responsabilidade técnica relativas às obras e aos serviços de manutenção — informa.
Não há, por ora, apontamento sobre a cooperação estar sendo praticada em Porto Alegre, nem por parte da prefeitura e nem pelo Crea-RS.