A bancária aposentada Marisa Ramos, 68 anos, mora a um quilômetro da frenética Avenida Assis Brasil. Também está a quatro quarteirões dos edifícios modernos da Plínio Brasil Milano — assistiu a alguns espigões da zona norte de Porto Alegre despontando sobre o topo das árvores. O tempo, porém, passa de outra forma na rua de paralelepípedos dela. Concentrando-se nos detalhes — e usando um pouquinho de imaginação, é claro — dá para se sentir nos anos 1950.
Foi a década em que o governo federal inaugurou a Vila do IAPI, uma obra sem precedentes no Rio Grande do Sul. Em uma área de tambo de leite, afastada da região central e do trauma da enchente de 1941, foram erguidas cerca de 2,5 mil casas e apartamentos para famílias de industriários. Com comércio, escolas, biblioteca, posto de saúde, delegacia e parque, trata-se de uma pequena cidade planejada dentro de Porto Alegre.
Os trabalhos começaram durante a ditadura do Estado Novo, atravessaram o período de governo de Eurico Gaspar Dutra e foram concluídos na nova gestão de Getúlio Vargas, reconduzido à presidência. Sorrindo para as câmeras, ambos os presidentes estiveram em Porto Alegre para entregar pedaços da obra.
Foi ali que cresceu Elis Regina, no número 21 da Rua Rio Pardo. O IAPI foi também berço de uma cena de rock, com Fughetti Luz e a banda Bixo de Seda, e desperta um saudosismo fascinado de quem já foi embora.
O colunista David Coimbra citou mais de 200 vezes o IAPI nas páginas de ZH. Volta e meia rememora o futebol na chuva e as goleiras de madeira do Parque Alim Pedro, a cor de areia dos prédios, os desfiles de escola de samba no Carnaval e detalhes de tardes vadias da infância que viveu ali. Ele já se referiu à vila como "a Liverpool de Porto Alegre".
— É uma ilha cercada de Porto Alegre por todos os lados — afirma o colunista.
O IAPI é também um marco do urbanismo em Porto Alegre. O engenheiro Edmundo Gardolinski, com o auxílio de Marcos Kruter, providenciou uma variedade considerável de tipos de habitações: há casas geminadas, casas individuais, prédios com quatro apartamentos, prédios "em fita", extensos — mas nenhum com mais de quatro andares.
São sequências de edificações sem muita ornamentação, iguais entre elas e diferentes das outras vias da vila. Arquiteta da prefeitura, que pesquisou a fundo a vila para a elaboração de um manual de orientações para conservação, Manuela Franco Lopes da Costa fala ainda das similaridades do IAPI às cidades-jardim europeias, conceito que surgiu na Inglaterra no final do século 19. Fica evidente no contato com a natureza — foram plantadas centenas de árvores —, na integração entre o campo e a cidade — as unidades tinham espaço até para horta e galinheiro — e no traçado orgânico da vila.
— Não se passou a régua, foi se aproveitando o desenho que tinha e os desníveis — relata a arquiteta, explicando que movimentações de terra foram evitadas.
Na Praça Chopin, que leva esse nome em homenagem ao pianista polonês, aproveitou-se o banhado para fazer um lago. O engenheiro Gardolinski mesmo doou patos e gansos que habitaram a área.
Vinda há poucos meses de Jundiaí, em São Paulo, Flavia Mesquita Vieira, 37 anos, está apaixonada pelo lado verde do IAPI.
— Minhas filhas brincam que tem um parque em cada esquina.
Conta, feliz, que consegue fazer tudo a pé no bairro. Ela só se dá conta que está em uma "cidade grande" quando checa a seção policial do noticiário.
— Não me sinto mesmo morando numa capital.
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