Ganhei de presente um livreto que, para os outros 7 bilhões de colegas humanos que respiram por aí, talvez não tivesse a menor importância, mas, para mim, é uma pequena preciosidade. Trata-se de um exemplar antigo de Memória dos Bairros, sobre a Vila do IAPI. Foram os leitores Cesar e Carmem Seibert, ex-moradores da vila, que me deram essa joinha.
Aliás, antes de prosseguir, farei a ressalva que sempre faço a esse respeito: nas paredes cor de areia do IAPI, nos anos 1970, o pessoal pixava: "Vila, não: bairro!". Um protesto pela dignidade.
Esse roubo tornou-se mítico no bairro. Como eles tinham conseguido remover a estátua? Como a carregaram? E, sobretudo, para quê?
Então, "bairro IAPI".
Mas, como ia dizendo, o livrinho sobre o bairro é de pouco texto, muitos depoimentos e algumas fotos. Entre elas, uma raríssima, que flagrou uma lenda: o Discóbolo do Alim Pedro.
Esse Discóbolo, evidentemente, era uma réplica do famoso Discóbolo de Míron, escultor grego que viveu há 25 séculos. Míron consagrou-se em Atenas, mas ele era da Beócia, lugar que, suponho, devia ter muita gente abobada, ou seu gentílico não teria virado adjetivo pejorativo.
Míron, porém, não devia ser beócio no mau sentido, porque suas esculturas tornaram-se algumas das mais admiradas da história em todos os tempos. Diziam que um bezerro de bronze de sua autoria era tão perfeito, que as vacas, ao verem-no, mugiam para chamá-lo para o rebanho.
No entanto, a estátua mais famosa de Míron foi o Discóbolo, que mostra um atleta nu lançando um disco. Talvez você se espante em saber que o atleta estava nu, mas é que é quase certo que você não é um grego clássico: naquela época, os atletas disputavam as competições completamente pelados. Os competidores e os assistentes eram, todos, homens. Mulheres não podiam participar da festa. Mas muitas se disfarçavam, burlavam a vigilância e iam ver os jogos, as serelepes.
A foto em que aparece o Discóbolo do Alim Pedro tem o tamanho de uma caixa de fósforo e está meio apagada, mas pode-se divisar perfeitamente a estátua e o presidente da República, general Eurico Gaspar Dutra, na cerimônia de inauguração.
Era uma estátua grande, de uns dois metros, e branca de leite – na verdade, um molde de gesso ou de outro material assemelhado, porque a original, de bronze, ainda não ficara pronta. Estava plantada em cima de um pedestal de pedra de mais ou menos metro e meio de altura.
Certo.
Ocorre que a estátua, depois da inauguração… foi roubada!
Sério: uma noite, não muito depois da festa comandada pelo próprio presidente da República, gaiatos iapianos deram um jeito de descolar o Discóbolo do pedestal e o levaram embora.
Esse roubo tornou-se mítico no bairro. Como eles tinham conseguido remover a estátua? Como a carregaram? E, sobretudo, para quê? Ninguém iria comprar um discóbolo e ninguém iria se beneficiar com o material, já que ainda não era bronze; era gesso vulgar.
Por muitos anos, ouvi histórias a respeito de vizinhos que manteriam o Discóbolo na sala de casa e o mostravam para as visitas admiradas. Havia muitos suspeitos, mas nenhuma responsabilidade foi apurada. Nós, guris, sentávamos no pedestal vazio e ficávamos conjecturando. Agora, ao ver a foto da estátua, conjecturo ainda. E peço: você, amigo leitor, sabe algo sobre o Discóbolo? Se foi você que o levou, pode se apresentar para contar a história. O crime já prescreveu, não há mais perigo. Conte-me, por favor, qual foi o destino do Discóbolo do Alim Pedro! Preciso solucionar esse inquietante mistério do bairro IAPI.