Já não sinto mais frio em Porto Alegre. Tudo é uma questão de parâmetros: em Boston, a temperatura não raro se atira para 20 ou 30 abaixo de zero. Houve um inverno em que atravessamos dois meses inteiros sem que houvesse um único dia de termômetro no positivo. Pior: nesses meses, anoitece às quatro e meia da tarde. Pior ainda: o frio se esparrama por meio ano, sem dar uma trégua que pudesse ser chamada de "veranico de janeiro".
Então, quando faz 11 graus positivos, como fez ontem, dá-me vontade de beber chopes gelados, cremosos e dourados como as pernas da minha vizinha Gisele.
Hoje, olho para os candidatos e penso numa palavra: parâmetros. Onde foram parar os nossos parâmetros?
Parâmetros.
Quando tinha 12 anos de idade, minha mãe largou-me na mão um romance de Agatha Christie. O Assassinato de Roger Ackroyd, acho. O certo é que o protagonista era o detetive belga Hercule Poirot, com aqueles seus bigodes de pontas enceradas. Fiquei viciado. Li todos os livros da velha Agatha, uns 80, e outros livros de detetive e mais outros que não tinham detetive e, de repente, deparei com A Sangue Frio, de Truman Capote.
Oh, Deus.
Em meio à leitura, já nas primeiras páginas, balancei a cabeça e disse para mim mesmo: "Isso aqui é outra categoria, sim, senhor". Então, passei a buscar livros do nível de Capote, o escritor que melhor definiu como se deve escrever. Assim:
"A frase perfeita é a que é maleável e resistente como uma rede de pescar".
Muitos anos depois, pensei outra vez em Agatha. Tomei da estante um de seus melhores romances, O Caso dos Dez Negrinhos, e comecei a ler. Fui só até a esquina. Aquela trama que me comovera aos 12 anos de idade agora me enfarava como se eu estivesse lendo a lista telefônica.
Parâmetros.
Vi Rivellino jogar, senhores. O Patada Atômica. Quebrou os quatro dedos da mão de um goleiro com um canhotaço. Vi Zidane assenhorear-se de um meio-campo, dar um chapéu em Ronaldo e uma cabeçada no peito de Materazzi. Sim, eu estava lá. Vi, também, o jeito como Ronaldinho transformava uma bola de futebol em balão de festa de criança. E, claro, vi Laerte, o Urso, que vocês, tristemente, não viram. Portanto, sei o que é um craque, não me venham com esses meiazinhos de bola na trave.
Na política, você não vai acreditar, mas entrevistei Luiz Carlos Prestes. Estava já bem velhinho, era pequeno, magro e falava com convicção na voz levemente rouca. Era o grande homem do Partidão. O Brasil já teve outros líderes dessa dimensão, à direita e à esquerda: Roberto Campos e José Dirceu, Ulysses Guimarães e Delfim Netto, Covas e Simonsen, Palocci e Brizola. Você podia não concordar com nenhum deles, mas sempre lhes reconhecia a inteligência.
É por isso que, hoje, olho para os candidatos e penso numa palavra: parâmetros. Onde foram parar os nossos parâmetros?