A Constituição de 1988 seria a nossa redenção. Tinha lógica. A lei acima de todos e todos iguais perante a lei. Um novo corpo de regras para consertar tudo o que estivesse torto na sociedade brasileira. Parecia uma ótima ideia. Roberto Campos, mais uma vez, foi pessimista. Durante a Assembleia Nacional Constituinte, ele desdenhou:
– Enquanto o Plano Cruzado queria acabar com a inflação por decreto, a Constituição quer acabar com a pobreza pela lei.
O tempo mostrou que Collor não podia fazer os milagres que prometia. Seu malogro foi outra derrota do Brasil.
Mais uma vez, estava certo. A Constituição, escrita sob o trauma da ditadura, não se tornou libertária, tornou-se permissiva. A ponto de ministros do Supremo considerarem muito natural que ricos e poderosos jamais sejam punidos por seus crimes, tamanha a quantidade de recursos que a lei permite aos condenados que tenham dinheiro para pagar advogados caros.
Mas naquela época ainda não sabíamos que sociedade manca a Constituição produziria. Nada disso: estávamos entusiasmados, até porque, no ano seguinte, 1989, enfim votaríamos para presidente. Assim, aquela eleição foi mais do que a escolha de um chefe do Executivo: foi a escolha de um salvador.
E um salvador foi escolhido. Ou, pelo menos, aquele que mais se assemelhava a uma espécie de Super-Homem. Assisti a comícios de Collor. Entrevistei-o. Era uma figura que impressionava, um homem grande, cheio de vigor, com uma mão do tamanho de uma raquete. Ele falava com convicção e energia, os olhos esbugalhados, os dentes rilhados, o português perfeito.
Uma noite, depois de um discurso, em Criciúma, Collor simplesmente pulou do palanque e saiu caminhando a passo militar em meio à massa, abrindo o povo perplexo como se fosse um Moisés dividindo as águas do Mar Vermelho. Para desespero de seus assessores, marchou sem o acompanhamento de seguranças, vestindo uma jaqueta de couro, que, dizem, estava posta sobre um colete à prova de balas. Collor evoluía pelo meio da rua em tal velocidade, que era difícil acompanhá-lo. Tive de correr para não ficar para trás. Foi uma cena de destemor que deixou todos embasbacados.
Era o próprio messias de terno e gravata.
Empossado, seu comportamento não mudou. Collor usava a Presidência como uma espingarda de marketing. Nos domingos, vestia uma camiseta branca no peito da qual mandava imprimir a mensagem que queria passar aos brasileiros. E saía a fazer jogging ou a pilotar o seu jet ski pelos lagos artificiais de Brasília. As cenas eram reproduzidas fartamente pelos programas domingueiros das TVs. Uma das últimas camisetas que usou, já perto do impeachment, dizia: "O tempo é o senhor da razão".
É mesmo. O tempo mostrou que Collor não podia fazer os milagres que prometia. Seu malogro foi outra derrota do Brasil. Aí, ironicamente, assumiu o anti-herói: um homem sem nenhum charme, sem nenhum carisma, sem nenhuma graça e sem nenhuma façanha estrondosa a lhe dourar o passado. Mas, a despeito disso, ou talvez por causa disso, Itamar Franco realizou a maior façanha da história da República: venceu a inflação, estabilizou a economia e propiciou um clima de normalidade democrática ao Brasil.
A partir deste momento, aconteceu algo único na história brasileira. Algo em que qualquer um, hoje, custaria a acreditar.
O que foi?
Conto na próxima coluna.