Os desafetos de Roberto Campos o chamavam de "Bob Fields", numa alusão pejorativa ao seu, digamos, "americanismo".
Era americanista, de fato. Roberto Campos foi diplomata por muitos anos nos Estados Unidos, estudou na Universidade de Columbia e tornou-se um defensor do liberalismo. Mas não o liberalismo desregrado que alguns acham ser praticado nos países capitalistas desenvolvidos. Isso não seria liberalismo; seria anarquismo.
"Bob Fields" pregava um Estado que investisse de forma pesada na educação das crianças, em saneamento e serviços, em tecnologia e no estímulo ao desenvolvimento.
Roberto Campos sabia o valor da educação formal. Egresso de família pobre, estudou para ser padre, conhecia filosofia a fundo e falava latim, italiano, espanhol, alemão, inglês e francês.
Quando digo ter sido injustiçado, é porque o estigmatizaram durante a ditadura sem compreenderem o que dizia.
Foi ele o idealizador do BNDES, banco fundado com o objetivo de apoiar o desenvolvimento do país e usado prodigamente pelos últimos governantes, nem sempre com intenções abnegadas, como sabemos.
Em plena ditadura, Roberto Campos enfatizava que não existia capitalismo no Brasil, porque o capitalismo implica riscos. Segundo ele, o que havia era um criptossocialismo ou um capitalismo de Estado. E era assim e continua assim. O Estado brasileiro está sempre sendo usado em benefício dos governos e de seus apoiadores, em geral empreiteiras que se cevam nas obras públicas.
Uma frase de Roberto Campos explica bem como as coisas funcionam no Patropi:
"No Brasil, a empresa privada é aquela que é controlada pelo governo e a empresa pública é aquela que ninguém controla".
Faltam ao Brasil mais Robertos Campos. Não por seu posicionamento ideológico; por sua lucidez. Você podia não concordar com ele, mas, conhecendo-o, concordaria que Roberto Campos era honesto intelectualmente. Nenhum dos nossos novos liberais ou antigos socialistas tem a consistência que ele tinha.
A propósito: havia um antigo socialista que era, como Roberto Campos, honesto intelectualmente: Luiz Carlos Prestes, o "Cavaleiro da Esperança". Tive a sorte de entrevistá-lo, nos anos 1980. Era pequeninho e enrugado, mas, para mim, parecia um gigante. Confesso que fiquei algo emocionado por ter, bem na minha frente, parte da história viva do Brasil.
Em 1985, eles se enfrentaram, os dois titãs: Luiz Carlos Prestes versus Roberto Campos. Foi num programa de TV. Assisti a esse programa na época e, hoje, experimentei a alegria de descobrir que a gravação está disponível no YouTube, esse nosso amiguinho leal para todos os momentos.
Não vou pedir, vou IMPLORAR a você que use alguns minutos do seu dia para assistir a pelo menos uma fatia do programa. Não serão minutos gastos, serão investidos, sobretudo se você é um amado colega jornalista, tão cioso das suas ideias sobre o Brasil. Vá lá, digite os nomes dos dois e o programa explodirá na sua tela. Assista no mínimo a um pronunciamento de cada um e faça seu próprio julgamento. Depois me diga que tal.
Mas o que queria dizer era que ocorreu com Roberto Campos algo que tem muito a ver com o Brasil de hoje, com o impeachment, com o PT, com Dilma, com Temer, com tudo isso. Só que outra vez acabou o espaço. Vou ter de continuar amanhã. Até. De novo.