Nós sempre acalentamos a esperança de que uma nova eleição resolverá nossos problemas, nós, brasileiros. Parece fé excessiva na democracia. Errado. Na verdade, é o contrário: esse é o resultado da nossa tradição totalitária.
Vimos a multidão e sorrimos: seria mesmo um lindo futuro esse que esperava pelo Brasil. Qual o quê.
Desde que os portugueses chegaram a Porto Seguro, passamos a maior parte da nossa história sob regimes autoritários. Tivemos reis, tivemos ditadores. Em 1984, depois de 20 anos de regime militar, estávamos mais do que angustiados, estávamos desesperados para votar para presidente. Toda aquela campanha. Todos aqueles comícios. Velhos líderes políticos de mãos dadas. A democracia corintiana. Sócrates prometendo que não sairia do Brasil se a emenda Dante de Oliveira fosse aprovada. O povo nas ruas.
Numa noite de abril, eu e o Sérgio Lüdtke vestimos camisetas amarelas de mangas compridas e saímos da sede da Livraria Sulina, nos baixos da Borges de Medeiros, em direção à Praça XV. Íamos conversando animadamente sobre o futuro do Brasil, um lindo futuro do Brasil. Chegamos à altura do Cine Victoria e vimos a multidão e sorrimos: seria mesmo um lindo futuro esse que esperava pelo Brasil.
Qual o quê. As eleições diretas foram adiadas, uma tristeza, mas logo surgiu novo alento: um presidente civil assumiria. Finalmente, um presidente civil. Tancredo Neves, a velha raposa mineira, costurou um pacto nacional por um governo de luminares. E então, um dia antes da posse, Tancredo adoeceu. E veio outro abril, exatamente um ano depois de eu e o Sérgio vestirmos nossas camisetas amarelas, e Tancredo morreu.
O salvador morreu.
Um ficcionista não tramaria uma tragédia como essa. Era demais. Era difícil de acreditar. Mas aconteceu: o país inteiro chorou enquanto aquele caixão desfilava em carro de bombeiros pelas ruas, sob a trilha de Coração de Estudante, do Milton.
Mais um ano se passou e veio o Plano Cruzado. Se você não viveu aquela época, não vai acreditar: Sarney se tornou um ídolo. Por Deus. O povo se ergueu para lutar ombro a ombro com seu presidente. Havia os fiscais do Sarney. Lembro de um homem que fechou um supermercado em Curitiba "em nome do povo brasileiro"; da economista petista Maria da Conceição Tavares aos prantos na TV, dizendo que sentia orgulho da sua profissão por causa do plano; de Aloízio Mercadante, economista da CUT, fazendo uma gravação entre gôndolas de enlatados, elogiando o governo.
O Cruzado havia congelado os preços numa época em que a inflação era o pior pesadelo dos brasileiros – o comércio corrigia os preços diariamente. Havia aumento de salário de 15 em 15 dias, mas não adiantava. O que você ganhava ia sendo comido aos poucos pela inflação. Para tentar fugir da desvalorização, depositávamos todo o nosso dinheiro em fundos que pagavam juros a cada noite. Quem tinha dinheiro no bolso era considerado imprudente – dinheiro fora do banco perdia valor em questão de horas.
Era horrível, e o Cruzado chegou para consertar isso.
Só que não.
O único que se opôs ao Cruzado foi Roberto Campos. O único que estava certo. Em três meses, começaram a aparecer os vazamentos no plano. Você ia ao supermercado e não encontrava carne ou azeite porque, como os preços estavam congelados aqui e liberados no Exterior, não compensava produzir para o mercado interno. Você ia a um restaurante e só podia pedir uma cerveja se pedisse também um prato de batatas fritas. Uma vez, contei, numa mesa de bar, 12 pratos de batatas fritas intocadas e frias como cadáveres.
O Plano Cruzado falhou e Sarney deixou de ser ídolo para ser visto como uma figura ridícula.
Tudo parecia perdido, quando surgiu mais uma esperança. Qual? Conto na próxima coluna.