Gustavo Franco era o economista mais jovem na equipe que formulou o Plano Real. Filho único de pai banqueiro, fez doutorado na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Aos 37 anos, foi chamado para trabalhar no Ministério da Fazenda, sob o comando de Fernando Henrique Cardoso.
Real teve êxito, mas ficou devendo ao não propor reformas ambiciosas
Franco conta que o otimismo não era grande quando começaram a discutir o plano, mas assim que a Unidade Real de Valor (URV) ganhou as ruas, em março de 1994, teve certeza de que "daria certo". Ele foi presidente do Banco Central de 1997 a 1999.
Ao sair do governo, tornou-se sócio-fundador da Rio Bravo Investimentos, onde permanece até hoje. Nesta entrevista, Franco fala sobre o processo de formulação da moeda, o que deveria ter sido feito de forma mais eficiente e sobre sua preocupação com a inflação atual, que beira os 6,5% ao ano, batendo no teto da meta.
Como foi o período de formulação do Plano Real?
A equipe juntava gente jovem, como eu, mas que havia estudado bastante o tema na academia, com outras pessoas de experiência em pacotes anteriores. Era preciso que houvesse uma janela de oportunidade e um estrategista político que soubesse explorar as janelas e apontar os caminhos, os momentos corretos de implementar as ideias e de que jeito. Esse foi o papel que coube a Fernando Henrique Cardoso.
Acreditava-se desde o princípio que iriam encontrar uma solução?
Nosso otimismo não era grande no momento que a coisa começou. Não que a gente não acreditasse em nossa capacidade, mas é que no passado outros planos inteligentes haviam sido feitos, ou pelo menos eram inteligentes até determinado momento, até que vem um elemento externo que muda a equação do plano, tem uma interferência política. Às vezes não basta, precisa conquistar a legitimidade.
Um dos planos foi o Cruzado, eficiente em reduzir a inflação em um primeiro momento. Havia a preocupação que isso acontecesse com o Real?
A gente aprendeu as lições de outros planos. Sabíamos exatamente o que deveria imitar e o que a gente deveria evitar. Dos anteriores, o Plano Cruzado era talvez o mais inovador, mas também foi o mais estragado por influências políticas externas, em particular o congelamento e os "fiscais do Sarney". A política fiscal do Plano Cruzado era tudo de ruim, tudo de errado. Então a construção inteligente acabou destruída por interferências. Na medida do possível, tentamos manter a integridade técnica do que estávamos fazendo e protegê-la de palpites e coisas que agradam aos políticos, mas que economicamente são desastrosas. Como controle de preços e políticas salariais generosas. Os políticos ficam com a sensação de que, no momento em que você vai combater a inflação, vai terminar com a miséria e fazer redenção econômica, e não é assim.
Qual foi o momento mais emblemático da formulação do Plano Real?
Quando a URV foi para as ruas, porque esse mecanismo foi uma surpresa total para a sociedade. Era uma fórmula de terminar com a inflação, era como um convite para as pessoas aderirem a uma nova maneira de fazer conta. Ou seja, parecia inofensivo, parecia inconsequente e vantajoso e todo mundo aderiu sem saber que, fazendo algo absolutamente consistente com seus próprios interesses, ia acabar fazendo funcionar o plano de estabilização. Essa era a "mágica" da URV e a maior inovação que o Real trouxe. Demorou quatro meses para transformar URV em real (a nova moeda), mas naquela primeira semana eu diria que a gente já tinha certeza de que iria funcionar.
Na primeira entrevista que o senhor concedeu sobre o Plano Real afirmou que iriam "entregar um cadáver a cada 24 horas". Conseguiram isso?
(Risos) Eu usei a expressão para designar a expectativa que se tinha de nós. Estávamos no começo de 1993 e havia uma expectativa curiosa, porque o Brasil estava traumatizado com pacotes e não queria nenhum pacotão que viesse mexer no bolso. Ao mesmo tempo, queriam que a gente tomasse providência com relação à inflação. Era uma expectativa meio estranha e parecia que queriam isso mesmo, que se consertasse tudo e que todo dia tinha de ter uma novidade. Não era assim. Fomos devagarzinho, trabalhando um dia de cada vez e aí passou um pouco menos de um ano até a URV ir para a rua, em março de 1994. Não foi todo o dia, mas depois de um ano a gente entregou (um cadáver).
Depois de 20 anos, algo poderia ter sido feito diferente?
Poderíamos ter sido mais ambiciosos nas reformas. Acho que perdemos uma enorme oportunidade com a revisão constitucional, que acabou praticamente não acontecendo. Depois deu muito trabalho para passar as emendas constitucionais, para alterar regras de previdência ou monopólio de petróleo. As reformas, no fundo, eram a parte fundamental do combate à inflação, que nunca tinham sido tratadas antes do Real. Tivemos muito cuidado.
Voltamos a conviver com a inflação perto do teto da meta. O índice de 6,5% ao ano preocupa?
Claro que é preocupante, porque o nosso passado deixou marcas no organismo econômico da nação. As pessoas reagem com muita velocidade à sensação de inflação e a torna um negócio vicioso, mais perigoso. A experiência de nossos vizinhos, Argentina e Venezuela, é ilustrativa do modo como se comportam algumas economias que têm tradição inflacionária: quando começam a provocar a "doença" ela vem de uma forma muito violenta. A atual é uma inflação muito mais baixa do que no passado, mas as defesas também estão muito mais baixas, então dói. Porque 6,5% representa 15% para alguns itens e 1% para outros.
O que seria preciso fazer?
O descaminho principal ocorreu na política fiscal. É o que acaba destruindo a credibilidade da política monetária, que tem de trabalhar dobrado para compensar a coisa mal feita. Eu adoraria que o Banco Central não tivesse de subir o juro de novo. O ideal seria se a gente pudesse ter criado uma política fiscal consistente com juro baixo, isso seria o sonho. Mas não, nós fizemos a política fiscal ao contrário do que deveríamos fazer, expansionista, quase irresponsável. Com isso, o BC foi forçado a reverter a política monetária. A definição do nível de juro nunca é feita isoladamente da política fiscal, é o reflexo dela. Então a culpa do juro alto é da política fiscal.
E reduzir a taxa de juro (de agosto de 2011 a outubro de 2012, quando chegou ao mínimo de 7,5%) foi prematuro?
Não foi. O que houve foi que o BC tomou a iniciativa de reduzir o juro, acreditando que a política fiscal viria socorrê-lo, mas não veio. A cavalaria não apareceu para ajudar, aí o BC teve de recuar.
Em uma eventual vitória tucana, o senhor aceitaria um convite para voltar ao BC ou assumir a Fazenda?
Estou muito feliz onde estou, tem muita gente boa assessorando o candidato Aécio Neves. O Armínio (Fraga) é um nome excelente e (o cargo) estaria em boas mãos.