"Eu não sabia que o brasileiro era assim", disse o escritor angolano José Eduardo Agualusa, ao visitar o estúdio do Timeline, nesta semana. Referia-se ao brasileiro feroz e intolerante, que não suporta quem pensa diferente dele e que rompe com amigos por causa da política.
Eu também não sabia que o brasileiro era assim. Estou tão surpreso quanto qualquer escritor angolano. Para Agualusa, talvez o brasileiro sempre tenha sido assim, só que sua agressividade estava latente e explodiu com o momento político.
Bem, é claro que o brasileiro nunca foi santo, mas as pessoas não são de um jeito ou de outro porque nasceram neste ou naquele lugar. É a cultura do lugar que as molda, e a cultura do brasileiro foi se transformando nos últimos tempos. Pela forma e pelo conteúdo.
A forma é a facilidade que as pessoas têm, hoje, de externar suas opiniões. A internet propiciou a todo mundo a possibilidade de divulgar opiniões a respeito de tudo a toda hora, o que é muito irritante. Antes a gente não sabia o que as outras pessoas pensavam. Essa ignorância era uma bênção.
Já o conteúdo é discussão política propriamente dita. A política, no Brasil, mudou. É uma política diferente. O PT conseguiu a façanha de se constituir em um partido que tem seguidores autênticos. Isso nunca havia acontecido, apesar de o Brasil ser historicamente afeito ao populismo. Getúlio foi ídolo de muitos, Brizola também, mas eles eram indivíduos, não entidades. O PT uniu essa devoção ao líder de massas pretensamente iluminado, Lula, a um sentimento de corpo inédito no país, tratando-se de política. Os petistas são como torcedores de futebol, como crentes religiosos, eles amam aquela bandeira, aquelas cores e a ideia de pertencimento a um grupo moralmente superior.
Agualusa disse que não sabia que o brasileiro era assim. Não poderia saber. Porque o brasileiro não era assim.
Essa postura excludente jogou parte da sociedade para o outro lado. Natural que isso acontecesse. É humano. É a Terceira Lei de Newton: "A uma ação corresponde uma reação de módulo igual, porém em sentido contrário". Assim, criou-se uma oposição ao PT tão incondicional quanto o amor dos petistas ao PT. O brasileiro belicoso que espantou Agualusa são dois, com uma única motivação: os petistas e os antipetistas. O PT, portanto, está no centro da política brasileira, e isso acontece já há 18 anos.
Tenho criticado todos os partidos brasileiros. Dos grandes, não livrei nenhum. Mas só sou atacado pessoalmente quando falo do PT ou do anti-PT por excelência, o Bolsonaro. Foi por isso que escrevi um livro sob o título A Graça de Falar do PT. Porque falar dos outros não tem graça. Ninguém se importa. A não ser os admiradores de Bolsonaro, um político que, a rigor, não expressa nenhuma ideia, salvo o ódio ao PT e ao politicamente correto.
Hoje penso que errei ao conceber o título. Não tem nenhuma graça falar do PT ou do anti-PT, porque não leva a lugar algum. É um debate pastoso, que vai escurecendo o ambiente e que sempre se transformará em agressão pessoal. Resta apenas o que antigos escritores chamariam de travo amargo na boca. E toda essa amargura foi construída, foi formada, não estava sempre lá.
Agualusa disse que não sabia que o brasileiro era assim. Não poderia saber. Porque o brasileiro não era assim. Tornou-se assim.