Quando acordo, ainda é noite. Faz frio, é inverno no norte do mundo. Quarenta graus Celsius e 8 mil quilômetros nos separam, amigos brasileiros. Olho pela porta de vidro da sacada e vejo a cidade imóvel. É diferente do meio da noite, em que a luz azul da TV ondula no fundo de todas as janelas. Agora, as pessoas não estão acordadas. Estão debaixo do calor de seus cobertores e ressonam. Então, me vem o pensamento confortador de que, naquele momento, ninguém está dando opinião sobre coisa alguma.
Estou tomando café e olhando para o horizonte azul-marinho e digo para mim mesmo que há milhares de pessoas naquelas casas e apartamentos que vejo e elas estão apenas existindo. Não estão se considerando certas, nem erradas, não estão acusando ninguém de nada, nem querendo coisa alguma. Isso é a paz.
Antes das redes sociais, só algumas pessoas públicas e jornalistas expunham sua tolice. A maioria se perfumava com o bálsamo do silêncio.
Talvez você já tenha conhecido essas mulheres belíssimas que pouco falam. Elas olham para as coisas do mundo e respiram e fazem gestos lânguidos e cruzam as pernas de vez em quando. Só. É o que basta para perturbar os homens. Porque há algo misterioso nelas, uma aragem de superioridade, de um ser que compreende a vida, que está acima das paixões mesquinhas e das ambições mundanas, que trata os pequenos mortais com benevolência por entender suas minúsculas, comezinhas, ridículas necessidades. São imperatrizes. São semideusas. Mas algumas delas, quando falam, põem tudo a perder. Você fica lamentando: por que ela tinha de dar sua opinião? Por quê? O mundo deixou de ter um pouco de magia, depois disso...
O silêncio, se não serve de feitiço também para os homens, esses seres inferiores, pelo menos faz com que não percam pontos. Tinha um colega que era um cara bonitão, as mulheres o viam e se encantavam. No entanto, assim que abria a boca, elas saíam correndo. Um dia, ele me perguntou o que devia fazer. Respondi que ele devia NÃO fazer.
– É fundamental que tu nunca mais tentes contar uma piada – aconselhei. – Nunca mais. Em nenhum ambiente. Com nenhuma pessoa. Nem pra ti mesmo, sozinho, tu deves contar piada.
Não estava sendo irônico; estava realmente tentando ajudar.
Eles não são ninguém, suas vidas passarão em branco debaixo do sol, mas ao menos conseguiram destruir algumas pessoas que achavam importantes. É uma realização
As redes sociais violaram o silêncio. Todo mundo dá a sua opinião. É uma democracia ensurdecedora. O povo se mostrou e o fez sem pudor. Antes, calado, o povo era reverenciado. Falava-se em "sabedoria popular". Agora, as pessoas contam quem são. E contam que são, mais do que tudo, ressentidas. É um vasto, incomensurável e, principalmente, poderoso recalque com a insignificância de sua própria vida. Toda essa frustração represada os torna grandes. Porque eles vão para a internet como crianças que descobrem o revólver escondido em cima do guarda-roupa dos pais e descarregam suas mágoas em cima do primeiro incauto e, assim, se aliviam. Eles não são ninguém, suas vidas passarão em branco debaixo do sol, mas ao menos conseguiram destruir algumas pessoas que achavam importantes. É uma realização.
Olho para a cidade que começa a despertar. Luzes se acendem aqui e ali. Decerto, muitos já estão com os dedos em seus celulares ou diante da tela do computador. Estão julgando, condenando, assacando, insultando, molestando. Estão sendo felizes. Que delícia. Que vitória. Que bem que a internet fez para as almas miseráveis.