José Eduardo Agualusa levou otimismo e confiança na literatura para o palco do Fronteiras do Pensamento, na noite desta segunda-feira. Com o Salão de Atos da UFRGS lotado, o escritor angolano proferiu uma palestra que definiu como um "elogio à leitura".
– Acredito que a leitura pode mudar o mundo. A leitura da grande ficção universal tem o poder de nos tornar melhores e de aproximar as pessoas – afirmou o autor, que tem mais de duas dezenas de livros publicados.
Agualusa ressaltou a importância das manifestações culturais e literárias para a criação de um movimento nacionalista na Angola dos anos 1940 e 1950. Escritores como Viriato da Cruz, Ernesto Lara e António Jacinto seriam personalidades que ilustram esse processo.
Mais recentemente, em 2015, a leitura também ganhou destaque no processo de democratização do país, quando um grupo de jovens ativistas foi preso por ler e discutir um livro sobre métodos pacíficos de protesto, sob acusação de preparem um golpe de estado. Fotos dos detidos lendo romances de Agualusa e de mais autores locais circularam pelo país. Além disso, um dos principais líderes do grupo, o rapper Luaty Beirão, já era conhecido por escrever versos e músicas.
– A literatura tem um papel importante nesse processo recente em Angola, desenvolvendo a empatia, promovendo o debate, ajudando cada um a se encontrar no coração do outro – avaliou Agualusa.
O conferencista não se restringiu a tratar da importância da leitura em sua terra natal. Ao citar o presidente americano Donald Trump, apontou que ler ficção é um exercício de alteridade, capaz de "criar pontes" em uma sociedade que está cada vez mais marcada pela "construção de muros".
– Trump é um homem que se vê a si próprio como um construtor de muros. É difícil imaginar Trump lendo o que quer que seja, a não ser os tuítes que ele mesmo escreve. Não consigo vê-lo, por exemplo, lendo Cem Anos de Solidão. Não acho que pessoas como Donald Trump sejam irrecuperáveis para a humanidade. Na verdade, não acho que alguém seja irrecuperável. Mas acredito muitos precisam ir para campos de reeducação literária. No caso de Trump, antes disso, seria preciso ir à escola primária – provocou Agualusa, arrancando risos da plateia.
Questionado sobre o momento de polarização política do Brasil, Agualusa afirmou estar preocupado com o destino do país. Para ele, semelhante falta de diálogo entre polos opostos de pensamento marcou os momentos que antecederam a guerra civil que viu ocorrer em Angola. No entanto, o escritor afirmou não haver espaço para recair na melancolia ou no pessimismo:
– Países como Angola ou Brasil, como democracias ainda não consolidadas, ou com democracias ameaçadas, socialmente divididos, precisam investir no diálogo, no debate, em tudo o que facilite e promova o reconhecimento do outro. A literatura, como venho insistindo, pode ajudar nesse processo. O grande desafio de nossos países é levar os livros à maioria da população.