Nós éramos muito duros, na nossa época de guris, lá no IAPI. Para ir à praia, por exemplo, tínhamos de pegar carona – naquele tempo, dava para pegar carona, era uma vida diferente, um mundo diferente.
Nas manhãs de sábado de verão, saíamos em grupos de 10, às vezes 20 amigos ondulando até a Assis Brasil, onde tomávamos o Sarandi mais radical, aquele que passava da Vila Santa Rosa. Descíamos perto da Fiergs e caminhávamos em direção à freeway. Lá, nos dividíamos em grupos de dois, porque ninguém daria carona para um bando. Cada parelha ficava a uma distância de uns 200 metros da outra. Nos reuníamos na entrada de Tramandaí e marchávamos ruidosamente para o mar, como se estivéssemos tomando a cidade. Os moradores nos olhavam e comentavam à sorrelfa:
– Os mochileiros...
Nós adorávamos ser "os mochileiros". Era algo meio revolucionário.
Assim como não tínhamos nenhum para o ônibus, não tínhamos para hotel, pensão ou similares. Dormíamos amontoados em alguma barraca que alguém porventura conseguisse e armasse na areia ou, em último caso, nos bancos da Emancipação, enrolados no cobertor, a mochila de travesseiro e as estrelas como teto. Na volta, era mais difícil pegar carona. Por algum motivo, os motoristas não gostavam de acolher caroneiros quando iam da praia para Porto Alegre.
Houve uma temporada em que começamos a namorar as meninas que trabalhavam num trailer de xis perto do Centrinho. Confesso que foram namoros por interesse – queríamos comer xis de graça. Tecnicamente, pode-se dizer que vendemos os nossos corpos em troca de xis galinha com ovo e xis estrogonofe, o meu preferido. Cabe ressaltar, porém, que não estou falando de qualquer xis. Tratava-se do famoso "LP", porque o pão ficava do tamanho de um long-play, depois de prensado. Uma delícia, sobretudo porque nossas namoradas caprichavam no tempero.
– Bota mais queijo! – eu pedia. – Mais queijo! Muito mais queijo!
As meninas eram quatro, uma delas bem bonitinha. Todos nos jogamos para cima da bonitinha, é claro. Mas ela preferiu o Plisnou, é claro. Os outros três, eu, o Jorge Barnabé e o Fernando, ficamos com as não tão bonitinhas. Tudo pela boa alimentação... Desconfio que elas sabiam que nós não as amávamos e meio que se divertiam com a gente. Seja. De qualquer forma, foi uma temporada bem nutrida.
Mas minha intenção era contar sobre semanas como esta, que vivemos agora – a semana Gre-Nal. Para nós, uma semana importantíssima. Não apenas porque ficávamos ansiosos com o resultado do clássico. É que também promovíamos o nosso Grenalzinho, às vezes antes, às vezes depois do Grenalzão.
Evidentemente, também não tínhamos um níquel sequer para o aluguel da quadra da Amovi, a associação dos moradores. A saída era a clandestinidade – como a quadra era aberta, pulávamos o muro e jogávamos sem pagar, até que o vigia percebesse e corresse para nos expulsar. O muro era alto, uns três metros, acho. Mas nada nos detinha. Colocávamos escoras e, em dois segundos, estávamos do outro lado.
O único que tinha problema em pular o muro era o goleiro Languiça. Ele não gostava de alturas e precisava ser ajudado por dois amigos: um em cima do muro, puxando, outro embaixo, empurrando. Por isso, ele era o único que não buscava a bola quando alguém a chutava para o lado de fora da quadra. Até o dia em que o guardinha arranjou uns cachorros para ajudar na vigilância. Todo mundo falava disso: "O guardinha agora tem cachorro, o guardinha agora tem cachorro". Num joguinho, ouvimos os cachorros latindo furiosamente.
– Aí vêm eles! – alguém gritou.
A cena seguinte foi o Languiça encarapitado no topo do muro, antes de qualquer um de nós. Escalou o muro à unha. Tinha mais medo de cachorro do que de altura. Um dia, num desses clássicos de arrabalde, houve uma cena de sangue. Mas só posso contar amanhã.