Em novo capítulo do embate entre Legislativo e Judiciário, o Senado prepara reação ao julgamento sobre a descriminalização do porte de pequenas quantidades de drogas, como a maconha, para uso pessoal, que será retomado no Supremo Tribunal Federal (STF) na quarta-feira (6). Desde setembro na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que criminaliza o porte de qualquer quantidade de drogas poderá ser votada pelos senadores.
Com um discurso comum aos parlamentares nos últimos anos, o senador Efraim Filho (União-PB), relator da PEC, afirma que é papel do Congresso uma definição sobre o assunto.
— A competência para legislar sobre o tema é do Poder Legislativo e, por diversas oportunidades nos últimos anos, o parlamento votou a favor de manter a atual legislação — afirmou o relator da PEC.
Para o senador, não houve omissão ou inércia do Congresso que justifique o que chamou de "ativismo judicial" por parte dos tribunais.
Pela norma em vigor, aprovada pelo Congresso em 2006, o porte de drogas para uso pessoal é considerado crime, mas não leva à prisão. Entre as penas aplicadas, estão a prestação de serviços à comunidade e o cumprimento de medidas socioeducativas por até 10 meses.
A proposta do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), reafirma a posição do Legislativo e acrescenta um inciso ao artigo quinto da Constituição, que trata dos direitos e garantias fundamentais, criminalizando a posse e o porte de qualquer quantidade de entorpecentes e drogas sem autorização para tal.
A expectativa do senador Efraim Filho era votar a proposta na CCJ também na quarta-feira —mesmo dia do retorno do julgamento no Supremo. A PEC não está na pauta do colegiado até o momento e não há uma definição se será incluída pelo presidente da comissão, senador Davi Alcolumbre (União-AP). Efraim acredita que a análise da proposta ficará para a reunião da próxima semana, no dia 13.
Falta apenas um voto para o Supremo formar maioria pela liberação do porte de droga para consumo próprio. Os ministros ainda precisam definir critérios específicos, como a quantidade de maconha que diferenciará o usuário do traficante de drogas.
O STF discute o assunto desde 2015, quando três dos 11 ministros votaram pela descriminalização do porte de maconha para consumo próprio, mantendo como crime a comercialização dessa e de outras drogas.
PEC é reação ao julgamento sobre drogas no STF
A PEC das Drogas, como o texto vem sendo chamado, de autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, foi apresentada em setembro do ano passado, após o julgamento no Supremo chegar a cinco votos pela liberação do porte de maconha para consumo pessoal. A análise na Corte foi paralisada no fim de agosto por um pedido de vista do ministro André Mendonça.
Pacheco afirmou em diversas ocasiões que decisões do Supremo não podem criar uma nova legislação e considerou um "equívoco grave" e "uma invasão da competência do Poder Legislativo" pautas que foram discutidas pelo STF — entre elas, a própria descriminalização do porte de drogas para uso pessoal.
— A lei quem tem de criar somos nós. Não pode o Supremo Tribunal Federal dizer que 20 gramas de maconha é ilícito ou lícito. A lei não diz isso — disse Pacheco, em 2023.
Outro assunto considerado por Pacheco como "invasão de competência" foi a discussão sobre o piso nacional da enfermagem. Em 2022, o ministro Luís Roberto Barroso suspendeu a lei que determinou o valor nacional. No fim do ano passado, o STF decidiu que a implementação do piso deve ocorrer de forma regionalizada, por negociação coletiva.
Estratégia de pautar tema no Senado foi usada no marco temporal
Em outro caso recente de embate entre os dois poderes, em que o Senado acusava o STF de "legislar", a estratégia adotada pelos senadores também foi de pautar o assunto que a Corte estava julgando.
Em 27 de setembro de 2023, no mesmo dia em que o STF fixou a tese de repercussão geral rejeitando o marco temporal de 1988 para definir a ocupação de terras por comunidades indígenas, o Senado aprovou um projeto de lei que dizia o contrário. Uma semana antes, no dia 21, o STF já havia decidido que a tese era inconstitucional.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou o principal trecho da lei aprovada, se ancorando na decisão do Supremo. O Congresso derrubou o veto de Lula.
O julgamento do marco temporal no STF foi o estopim para uma crise entre os poderes. Pacheco passou a defender publicamente a definição de mandatos com prazo fixo para os integrantes da Corte. Hoje, não há um período determinado para permanência no Supremo e os ministros se aposentam compulsoriamente aos 75 anos.
O Senado também aprovou uma PEC que limita as decisões monocráticas dos magistrados em novembro do ano passado. Por 52 votos a 18, a Casa estabeleceu que os ministros ficam impedidos de suspender, por meio de decisões individuais, a vigência de leis aprovadas pelo Legislativo. Ou seja, pelo menos seis dos 11 ministros precisam votar juntos para suspender as leis criadas pelo Congresso, caso a PEC, que agora tramita na Câmara e também trata de mudanças nos pedidos de vista, se torne lei.
Em outra frente para "frear" a atuação dos ministros, a Câmara começou a discutir uma proposta que autoriza o Legislativo a anular decisões definitivas do STF, que, na avaliação dos deputados e senadores, "extrapolem os limites constitucionais".
Descriminalização do aborto
O julgamento envolvendo a descriminalização do aborto voluntário até o terceiro mês de gestação é outro tema que, por mobilizar a opinião pública e provocar discordância entre setores conservadores e progressistas, resultou em um "contra-ataque" do Congresso.
Em reação ao julgamento iniciado por Rosa Weber, 10 dias antes de a ministra se aposentar, a bancada conservadora da Câmara articulou a votação de um projeto que impede a interrupção da gravidez e estabelece "personalidade civil" ao feto.
No STF, a arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) 442 pede que o aborto seja permitido em quaisquer circunstâncias até a 12ª semana de gestação, mesmo modelo adotado na Alemanha. Segundo o presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, o assunto "ainda precisa de mais debate na sociedade" e, por isso, o julgamento não tem data para ocorrer.
Desde que assumiu o comando do Supremo, em setembro, o ministro tem um discurso baseado em desarmar ânimos e pacificar a relação institucional.
— Pretendo dialogar com o Congresso de uma forma respeitosa e institucional, como deve ser. Sinceramente, eu diria que não há crise. O que existe, como em qualquer democracia, é a necessidade de relações institucionais fundadas no diálogo — afirmou, após assumir a presidência da Corte no ano passado.