O julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) que trata, na prática, da descriminalização do porte de drogas para consumo foi, mais uma vez, suspenso por um pedido de vista. Nesta quinta-feira (24), o ministro André Mendonça pediu mais tempo para analisar o caso. Ele tem 90 dias para devolver a ação. Se não o fizer, o processo será liberado automaticamente para ser incluído novamente na pauta. O placar está em cinco a um.
Quando Mendonça teve a palavra e solicitou a interrupção do julgamento, o placar estava em quatro votos pela descriminalização do porte especificamente de maconha e um voto pela constitucionalidade da lei atual. No início da sessão desta quinta, o placar era quatro a zero. A divergência foi aberta pelo ministro Cristiano Zanin, que foi contra qualquer revisão da Lei de Drogas, mas concordou em estabelecer uma quantidade objetiva para diferenciar usuários de traficantes.
Diante do pedido de vista de Mendonça, a presidente do STF, Rosa Weber, questionou os ministros que ainda não votaram se gostariam de adiantar suas posições. Todos preferiram aguardar a vista. A própria Rosa, então, anunciou que anteciparia seu voto. Ela se aposenta no fim de setembro. O voto de Rosa acompanhou a maioria até agora, ampliando para cinco os votos pela descriminalização do porte de maconha.
Os seis ministros que se manifestaram até agora concordaram em delimitar a sentença à maconha — droga em questão no recurso julgado, contra a condenação de um homem que portava esta substância — e em determinar que se estabeleça uma quantidade mínima de droga que diferencie um usuário de maconha e um traficante. Apesar disso, há divergências entre os ministros sobre quem fará a definição e qual será essa quantidade.
Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Rosa Weber defenderam que seja até 60 gramas e caso não haja outros indícios de que seja traficante. Luís Roberto Barroso inicialmente propôs 25 gramas, mas depois aumentou para 100 gramas. Cristiano Zanin defendeu 25 gramas. Edson Fachin foi o único a não sugerir uma quantidade específica. O ministro considera que deve haver um critério objetivo, mas que o número precisa ser estabelecido pelo Congresso.
Atualmente, a lei não prevê esta medida, deixando que a polícia e o Judiciário avaliem diversos fatores, além da quantidade de drogas apreendidas, como o contexto da apreensão e presença de outros indícios da comercialização de narcóticos.
Estudos citados pelo ministro Alexandre de Moraes, ao votar no julgamento, no entanto, mostram que esta falta de objetividade gerou distorções e até discriminação, com pessoas negras, jovens e de pouca instrução sendo presas por tráfico em proporções maiores do que brancas, com mais idade e formação superior, mesmo quando flagradas com quantidades semelhantes de drogas.
Este julgamento foi iniciado no Supremo ainda em 2015, mas interrompido por um pedido de vista do ministro Teori Zavascki. O magistrado morreu em 2017, sem ter devolvido a ação. O voto ficou, então, para Alexandre de Moraes, que assumiu a cadeira de Zavascki na Corte. A retomada, com a manifestação de Moraes, ocorreu em 2 de agosto. Houve nova interrupção porque o relator do caso, ministro Gilmar Mendes, pediu para revisar o voto que havia proferido em 2015.
Mendes rebate críticas por mudança de posição
Nesta quinta-feira, Mendes ajustou sua posição. Há oito anos, ele havia votado para que o artigo da lei que é alvo do recurso em votação fosse considerado inconstitucional, o que descriminalizaria a posse de qualquer droga para consumo. Agora, ele acompanhou os colegas e restringiu o posicionamento à maconha.
O posicionamento gerou forte reação entre parlamentares da bancada evangélica, líderes religiosos e bolsonaristas.
— O evento foi objeto de muita desinformação, potencializada pelas disputas ideológicas e moralismos que orbitam esta delicada controvérsia — disse o ministro ao responder às críticas e acrescentar que elas são "absolutamente infundadas".
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), também chegou a se manifestar publicamente contra o julgamento. O senador defende que a regulação das drogas cabe ao Congresso e não deveria estar sendo discutida no STF.
Antes da retomada da votação, Gilmar defendeu o "diálogo institucional" e negou uma invasão de competências do Legislativo:
— Não houve, em nenhum momento, um gesto do tribunal em direção à liberação de entorpecentes, nem mesmo qualquer espécie de avanço indevido sobre as competência do Congresso Nacional quanto ao reconhecimento do caráter ilícito do porte drogas, ainda que para consumo próprio.
O ministro também afirmou que o julgamento tem sido alvo de fake news.
— Como se a proposta apresentada representasse um aceno do Poder Judiciário à liberação das drogas ou um salvo-conduto para o uso indiscriminado em vias públicas de substância psicotrópicas — reagiu. — Não há um direito a drogar-se e permanecer drogado.
O decano também voltou a defender que os esforços no combate às drogas drogas sejam deslocados do campo penal para o da saúde pública.
— É necessário conjugar esforços para, sem moralismos ou preconceitos, arquitetar uma solução multi-disciplinar que reconheça a interdependência e a natureza complementar das atividades de prevenção ao uso de drogas, atenção especializada e reinserção social — sugeriu. — O que se busca é uma solução eficaz e constitucionalmente adequada desse grave drama social.
O placar voto a voto
Até o momento, os votos a favor da descriminalização são dos ministros:
- Gilmar Mendes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes e Rosa Weber.
Até esta quinta-feira (24), o único voto pela constitucionalidade da lei atual era do ministro:
- Cristiano Zanin.