O julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) que pode descriminalizar o porte de drogas para consumo no Brasil não foi concluído nesta quarta-feira (2). A análise estava interrompida desde 2015, por um pedido de vista do ministro Teori Zavascki – morto em 2017. Na sessão em que foi retomada, nesta quarta, foi registrado apenas o voto do ministro Alexandre de Moraes, que ocupou a vaga deixada por Zavascki. Depois disso, houve um pedido do relator do caso, ministro Gilmar Mendes, pelo adiamento da decisão, para reanálise do posicionamento dele, proferido há mais de sete anos.
Em seu voto, Moraes fez uma longa explanação, ressaltando um estudo que demonstra distorções geradas pela legislação atual, que não estabelece um critério objetivo para diferenciar o usuário do traficante de drogas.
— Hoje não temos, infelizmente, uma aplicação igualitária da lei a situações idênticas — lamentou, ao votar (saiba mais sobre o voto abaixo).
A ação em julgamento no Supremo pede que seja declarada a inconstitucionalidade do artigo 28 da chamada Lei de Drogas, de 2006, que estabelece penas para quem "adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas".
Os quatro votos proferidos até agora no julgamento são para que o trecho da lei seja considerado, ao menos parcialmente, inconstitucional. Moraes, nesta quarta, votou para que deixem de ser aplicadas penas aos que detêm maconha para consumo, mas defendeu que sejam estabelecidos critérios mais claros para diferenciar o usuário do traficante. Com base em estudo feito sobre as prisões por posse de narcóticos em São Paulo, o ministro propôs que o limite fique entre 25 gramas e 60 gramas de maconha, ou seis plantas fêmeas.
Assim como fizeram, ainda em 2015, os ministros Luís Roberto Barroso e Luiz Edson Fachin, Alexandre de Moraes limitou seu voto à posse de maconha, porque é a substância em questão no caso tratado: um recurso contra a condenação de um homem que portava esta droga.
Em seu voto, Barroso também havia proposto o limite em 25 gramas de maconha ou seis plantas, ao menos até que o Congresso legisle a respeito. O ministro-relator Gilmar Mendes, também na primeira parte do julgamento, antes do pedido de vista de Teori Zavascki, votou pela descriminalização do porte de quaisquer drogas, mas com manutenção de sanções administrativas, como multa.
Nesta quarta, no entanto, Mendes elogiou os dados trazidos no voto de Moraes e pediu que o julgamento seja novamente adiado, para que o voto dele seja reavaliado. A presidente do STF, ministra Rosa Weber, concordou com a suspensão, mas disse que aguardará um posicionamento do relator para marcar nova sessão para análise do caso. Portanto, não há data para a retomada.
O voto de Moraes
No longo voto apresentado nesta quarta, Alexandre de Moraes ressaltou várias vezes que a interpretação e aplicação da Lei de Drogas, de 2006, gerou discriminação.
— É muito importante: quem despenalizou o porte para consumo próprio foi o Congresso Nacional, em 2006, não foi o Supremo Tribunal Federal, seja lá atrás, seja agora — ressaltou.
Segundo ele, todo o sistema de persecução penal — polícias, promotorias e tribunais — tentou compensar a despenalização do porte para uso pessoal, enquadrando mais suspeitos por tráfico. No entanto, como não havia critério objetivo para este enquadramento, houve distorções.
— Triplicamos em seis anos o número de presos por tráfico de drogas, mas não triplicamos o número de presos por tráfico de drogas brancos, maiores de 30 anos, com curso superior. Triplicamos com pretos e pardos, sem instrução e jovens — alegou Alexandre de Moraes, citando números de um estudo realizado no Estado de São Paulo.
— O sistema de persecução penal vem gerando discriminação — acrescentou.
Ele propôs que haja uma "presunção relativa" da inocência do portador de pequenas quantidades de drogas. Apesar da fixação do limite de quantidade de maconha para que o suspeito seja enquadrado por tráfico, a polícia pode prender em flagrante alguém com porções menores. No entanto, precisaria comprovar e fundamentar outros critérios. O mesmo valeria para a autoridade judicial que, em audiência de custódia, determinasse a prisão preventiva de suspeito. Por outro lado, Moraes propôs que mesmo o suspeito preso com quantias maiores tenha oportunidade de provar que é usuário e não traficante.
— O mais importante, me parece, é que esta Suprema Corte tem o dever de exigir que a lei seja aplicada de maneira idêntica a todos, independentemente de classe social, de idade, a questão de ser analfabeto ou ter curso superior também, a aplicação da lei se dá de forma totalmente diferente — afirmou o ministro.