— Nós estamos vendo o que está acontecendo. Vamos esperar o quê? — diz, exaltado, Jair Bolsonaro.
O então presidente da República falava aos ministros de seu governo sobre uma suposta fraude nas eleições presidenciais de 2022 para que o adversário dele no pleito, Luiz Inácio Lula da Silva fosse eleito. Lula realmente venceria, mas nenhuma prova de fraude foi encontrada no processo. Bolsonaro, no entanto, dizia ser capaz de comprovar suas suspeitas:
— Os caras estão preparando tudo pro Lula ganhar no primeiro turno, na fraude. Vou mostrar como e por quê.
A reunião em questão aconteceu no dia 5 de julho de 2022 e foi registrada em vídeo. As imagens foram encontradas pela Polícia Federal em um computador apreendido na casa do tenente-coronel Mauro César Cid, que era ajudante de ordens da Presidência na gestão bolsonarista. Este arquivo é um dos materiais que embasa uma investigação sobre um golpe de Estado que teria sido arquitetado para manter Bolsonaro no poder. Na quinta-feira (8), a Operação Tempus Veritatis cumpriu dezenas de ordens judiciais, tendo como alvos o próprio ex-presidente, que está impedido de deixar o Brasil, ex-ministros, ex-assessores e outros aliados.
O vídeo é citado no despacho do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes que autorizou a operação. Na manhã desta sexta-feira (9), o STF tornou o material público, na íntegra.
Segundo a decisão judicial, a reunião serviu para "reforçar aos presentes a ilícita desinformação contra a Justiça Eleitoral, apontando o argumento de que as Forças Armadas e os órgãos de inteligência do Governo Federal detinham ciência das fraudes e ratificavam a narrativa mentirosa apresentada pelo então presidente", além de "cobrar dos presentes conduta ativa na promoção da ilegal desinformação e ataques à Justiça Eleitoral".
Em um dos trechos, o então presidente sugere uma ruptura institucional antes do pleito, que aconteceria três meses depois:
— Nós sabemos que se a gente reagir depois das eleições, vai ter caos no Brasil. Vai virar uma grande guerrilha, uma fogueira o Brasil. Agora, alguém tem dúvida de que a esquerda, como está indo, vai ganhar as eleições? Não adianta eu ter 80% dos votos, eles vão ganhar as eleições.
Em várias das falas, Bolsonaro reforça ter certeza de que há uma fraude para impedi-lo de eleger-se:
— Alguém tem dúvida do que vai acontecer no dia 2 de outubro? Qual resultado que vai estar às 22h na televisão? Alguém tem dúvida disso? Aí a gente vai ter que entrar com um recurso no Supremo Tribunal Federal... Vai pra p*** que o pariu, p****orra. Ninguém quer virar a mesa, ninguém quer dar o golpe... Ninguém quer botar a tropa na rua, fechar isso, fechar aquilo... Nós estamos vendo o que está acontecendo. Vamos esperar o quê?
O próprio presidente externa aos ministros a avaliação de que a primeira eleição dele para o cargo foi um erro do "sistema" que ele acredita que o impediria de reeleger-se.
— Essa cadeira aqui é uma cagada, estar comigo é uma cagada. E vou explicar a cagada. Não vai ter outra cagada dessa no Brasil, cagada do bem, pra deixar bem claro. Como é que eu ganho uma eleição? Um fodido como eu — comenta.
O ministro Alexandre de Moraes, na decisão que autorizou a Operação Tempus Veritatis, avalia que, na reunião, "o então Presidente da República exige que seus ministros – em total desvio de finalidade das funções do cargo – deveriam promover e replicar, em cada uma de suas respectivas áreas, todas as desinformações e notícias fraudulentas quanto à lisura do sistema de votação, com uso da estrutura do Estado brasileiro para fins ilícitos e dissociados do interesse público".
O despacho cita uma transcrição feita pela PF do vídeo, para embasar esta avaliação:
— Daqui pra frente quero que todo ministro fale o que eu vou falar aqui, e vou mostrar. Se o ministro não quiser falar ele vai vim falar para mim por que que ele não quer falar. Se apresentar onde eu estou errado eu topo. Agora, se não tiver argumento pra me ti... demover do que eu vou mostrar, não vou querer papo com esse ministro. Tá no lugar errado. Se tá achando que eu vou ter 70% dos votos e vou ganhar como ganhei em 2018, e vou provar (como que eu ganhei), o cara tá no lugar errado — disse o então presidente no ato.
O encontro de julho de 2022, convocado por Bolsonaro, teve participação, segundo a Polícia Federal, de Anderson Torres, então Ministro da Justiça; Augusto Heleno, então Chefe do Gabinete de Segurança Institucional; Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, então Ministro da Defesa; Mário Fernandes, então chefe-substituto da Secretaria-Geral da Presidência da República; e Walter Souza Braga Netto, então ministro-chefe da Casa Civil. Todos eles são investigados na Tempus Veritatis.
Até o momento, apenas vídeos das falas de Jair Bolsonaro vieram à tona. A participação de outros convidados na reunião é descrita no relatório da PF, mas ainda não há imagens divulgadas.