Flávio Dino era juiz federal havia 12 anos, em 2006, quando renunciou à toga para aventurar-se na política. Com carreira consolidada na magistratura, ele tinha sido presidente da Associação Nacional dos Juízes Federais, secretário-geral do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e assessor da presidência do Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão surpreendeu amigos e colegas, que viam nele um futuro integrante das mais altas Cortes do país.
— Não adianta, a política é a minha vocação. Se não der certo, eu faço concurso de novo e volto a ser juiz — respondia a quem tentava dissuadi-lo.
Deu certo. Desde então, Dino foi deputado federal, duas vezes governador do Maranhão, senador e hoje é o ministro de maior protagonismo do governo Luiz Inácio Lula da Silva. À frente do Ministério da Justiça, monopolizou as atenções em episódios marcantes de 2023, como a reação aos atos golpistas de 8 de janeiro, os ataques a escolas, a prisão de líderes do PCC e a regulamentação das redes sociais. E colecionou embates com o Congresso Nacional em 11 meses no comando da pasta. Agora, passará pelo crivo do Senado para assumir a cadeira no STF, indicado, nesta segunda-feira (27), pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para vaga.
No caso mais recente de conflito, parlamentares pediram o impeachment de Dino por reuniões entre secretários do ministério e uma integrante do Comando Vermelho dentro do Palácio da Justiça. No episódio, o ministro usou as redes sociais para tentar se desvincular do caso.
Tamanha visibilidade o fez suplantar aquele que seria a principal estrela da equipe de Lula, o titular da Fazenda, Fernando Haddad. Não à toa, Dino é hoje o ministro com maior popularidade digital entre os 37 inquilinos da Esplanada, com 1 milhão de seguidores no Twitter e mais 1 milhão no Instagram.
Militância
Flávio Dino de Castro e Costa nasceu em São Luís, no dia 30 de abril de 1968. Filho de um casal de advogados, formou-se em direito pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA) em 1991, e dois anos depois voltou à instituição como professor. No ano seguinte, passou em primeiro lugar no concurso para juiz federal.
A militância, porém, estava no sangue. Seu pai havia sido vereador, prefeito e deputado estadual. Já Dino presidiu o Diretório Central dos Estudantes da UFMA e, filiado ao PT, coordenou no Estado a equipe juvenil da campanha presidencial de Lula em 1989. Desligou-se do partido ao ingressar na magistratura, mas sempre manteve articulações políticas. O período passado em Brasília, exercendo cargos no CNJ e no STF no início dos anos 2000, foi decisivo para a virada na carreira.
Filiado ao PCdoB, Dino concorreu a deputado federal e foi o quarto mais votado pelo Maranhão. Na Câmara, logo se destacou pelo trânsito fácil em todos os partidos e a capacidade de produzir consensos, o que lhe valeu o posto de relator da reforma política. Em 2008, concorreu à prefeitura de São Luís (MA), mas acabou derrotado no segundo turno. Tentou o governo do Estado dois anos depois, mas perdeu para Roseana Sarney (MDB) numa eleição marcada por suspeitas de fraude.
Tragédia
Sem mandato, Dino foi nomeado pela então presidente Dilma Rousseff para a presidência da Embratur. Nesse período, vivenciou uma tragédia familiar que o marcou para sempre. Seu filho mais novo, Marcelo, 13 anos, morreu após sofrer uma crise de asma no colégio. Levado às pressas para o Hospital Santa Lúcia, o garoto faleceu na manhã seguinte, num episódio marcado por suspeitas de erro médico e negligência.
— Eu passei o dia anterior inteiro andando de bicicleta com ele. Ele se comportava bem, com saúde. O que ele teve na escola foi uma crise como tantas outras, uma asma leve que sempre foi contornada sem maiores problemas — desabafou Dino à época.
Após o primeiro atendimento, Marcelo dormiu bem, mas o quadro se agravou ao receber o que seria uma dose equivocada de broncodilatadores. Os batimentos cardíacos despencaram subitamente, bem como o fluxo de oxigênio. Dois médicos tentaram reanimá-lo com massagens cardíacas e 12 doses de adrenalina, mas o adolescente morreu na frente dos pais. Em 2017, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal condenou o hospital a pagar R$ 180 mil de indenização por danos morais. “Não cura nenhuma dor, mas talvez ensine profissionalismo e seriedade ao hospital”, comentou Dino em uma rede social, ao anunciar que doaria as indenizações.
— Ainda sinto a morte do Marcelo como se fosse naquele dia — costuma repetir Dino, cuja obesidade crescente foi reflexo imediato do luto.
Duas vitórias sobre o clã Sarney
Em 2014, Dino voltou às urnas, concorrendo novamente a governador. Sem o apoio do PT, que preferiu sustentar a candidatura de Lobão Filho (MDB), aliado do clã Sarney, Dino fez campanha ao lado dos então presidenciáveis Aécio Neves (PSDB) e Marina Silva (PSB). Venceu no primeiro turno, impondo a primeira derrota dos Sarney no Maranhão em 40 anos de vida pública. Primeiro governador eleito pelo PCdoB, obteve quase o dobro de votos do principal adversário (63,52% contra 33,69%).
No início do governo, Dino dispensava seguranças e dirigia pela cidade, recusando-se inclusive a morar no Palácio dos Leões. Com o passar dos meses, aceitou as exigências do cargo, embora às vezes fosse sozinho fazer compras em supermercados. O estilo impessoal o aproximou da população, com quem tinha fácil interlocução. As sucessivas recorrências a citações bíblicas, leitura contumaz após a perda de Marcelo, o levaram a ser chamado de populista pelos adversários, sobretudo por ser um ideólogo do partido comunista que levou os filhos a Cuba antes de levá-los à Disney "para que conhecessem a realidade da vida", mas as críticas naufragaram.
Com pesados investimentos em educação, saneamento básico e assistência social, Dino elevou o piso dos professores estaduais para R$ 6,3 mil, então o maior do país. Se reelegeu em 2018 enfrentando Roseana Sarney (MDB), vencendo mais uma vez no primeiro turno, agora com 59% dos votos ante 30% da adversária. No segundo mandato, se destacou ao obter bons resultados no combate à pandemia e ao fazer uma defesa do então ex-presidente Lula, preso em Curitiba. Mesmo liderando um Estado pequeno e pobre, logo se tornou o principal adversário do presidente Jair Bolsonaro na região.
Em 2021, num movimento de aproximação com o centro político, trocou o PCdoB pelo PSB. Na montagem da campanha eleitoral do ano passado, chegou a ser cotado para vice de Lula, mas trabalhou pelo nome de Geraldo Alckmin, aparando arestas e construindo alianças que aumentassem o escopo eleitoral da chapa. Ainda durante a corrida eleitoral, ao cabo da qual seria eleito com 62% dos votos, recebeu um recado de Lula:
— Esse Flávio Dino, ele que se prepare. Ele vai ser eleito senador, mas não será senador por muito tempo. Se prepare porque vai ter muita tarefa nesse país — disse Lula.
Vencida a eleição, Dino logo se tornou um dos principais expoentes do futuro governo. Em meio às especulações de formação da nova equipe e com Bolsonaro se recusando a reconhecer a derrota, concedia de quatro a seis entrevistas todos os dias, falando da porta do carro, até ingressar no QG da transição. Esse protagonismo cresceu com a nomeação para o Ministério da Justiça, onde recebeu como missões inaugurais reduzir a circulação de armas no país e desbolsonarizar as forças de segurança, sobretudo as polícias Federal e Rodoviária Federal.
Os atos golpistas de 8 de janeiro mudaram tudo. Ao liderar a resistência ao levante, ganhou prestígio junto a Lula e popularidade nas ruas, ofuscando ministros mais famosos ou de perfil combativo, como Rui Costa (PT), da Casa Civil, e Marina Silva (Rede), do Meio Ambiente, Simone Tebet (MDB), do Planejamento, e o próprio vice-presidente. Não tardou a se tornar o alvo da oposição e motivo de ciúmes dos demais colegas de governo.
Ciúme entre aliados, pulso firme com adversários
Na Esplanada, não raro ministros reclamam da agenda personalista de Dino, da ingerência de sua pasta em programas conexos de outros ministérios e da onipresença na mídia, ofuscando atos oficiais. Em um primeiro escalão desprovido de grandes estrelas petistas, à exceção de Haddad, é o ministro a ser conquistado por quem deseja se aproximar de Lula. No Judiciário, tornou- se o interlocutor mais cobiçado por quem busca apoio ou influência no governo.
Fã de MPB e amigo de Zeca Baleiro, Dino está no segundo casamento e é pai de três filhos. Temido e odiado, é considerado presunçoso e arrogante pelos adversários, a quem não costuma poupar no embate pessoal. Tem mais respeito e trânsito entre os senadores, cujo espírito de preservação evita os confrontos sucessivos promovidos pelos deputados. Com 62 convites aprovados para falar na Câmara, Dino é disparado o ministro mais requisitado pela oposição. Todavia, sua performance recheada de rigor e deboche tem tornado as inquirições palco de constrangimento para seus contendores, como o ocorrido na primeira audiência, no dia 28 de março:
Em 3 de maio, ao ser perguntado por que não estava preso por omissão nos atos de 8 de janeiro, respondeu:
— A regra é simples: quem comete crime é preso. Quem não comete, não é preso. Eu estou solto porque não sou criminoso — disse ao deputado Cabo Gilberto (PL-PB).
Ao senador Marcos do Val (Podemos-ES), já fez piada com vídeo gravado pelo parlamentar:
— Se o senhor é da Swat, eu sou dos Vingadores. O senhor conhece o Capitão América?
Com as respostas do ministro viralizando nas redes sociais, a oposição decidiu suspender os demais convites. Ainda assim, Dino deve ser um dos principais alvos da CPI do 8 de Janeiro, em fase de instalação no Congresso. Aos 55 anos, gozando da confiança de Lula e com mandato no Senado até 2030, não lhe falta ambição política, seja para aspirar a sucessão do petista ou um assento no STF. Para alcançar tais objetivos, não refuga ringue nem plateia.
— Venho todas as vezes, mas não me peçam que eu venha calado porque não posso renunciar ao meu direito de responder — tripudia.