Dentro da noite veloz quase ninguém se importa com quem mete o loco, afunda o pé na jaca ou perde a caixa-preta. Tanto faz se a droga é lícita ou ilícita. Se o consumo é acima ou muito acima do indicado. Entre o céu e o inferno é cada um por si. E o último a sair que feche a porta.
Apesar do iminente apocalipse zumbi, ainda sobrevive por aí uma espécime rara, como se ainda estivesse presa a um passado léguas distante, um tempo romântico (não como nas canções do rei Roberto), mas um tempo de gente sensível, gentil, que exala pureza e ingenuidade, de gente que sente arrepios de pegar na mão do enamorado. Uma rara espécime que sorri como se se esvaísse de prazer.
No Reffugio, numa dessas noites de verão, entram um cara e uma mina. Ele, calça preta e camisa preta adornada com flores em tom rosáceo e azul. Ela, blusinha preta e calça preta. Ele, com uma mecha loira na ponta dos fios cacheados. Ela, cabelo liso, castanho escuro, com mecha pink na franja. Vão até o balcão do bar e voltam com uma lata de Coca-Cola Zero, cada um.
Fitam a pista lotada e voltam ao salão de entrada do bar. Procuram por uma mesa vazia. Eles têm sorte. Acabam encontrando uma mesa para dois, num cantinho, à sombra de toda muvuca. Antes de sentarem-se, o cara puxa uma das cadeiras e, gentilmente, faz menção para que ela se sente. Um raro gesto gentil dentro da noite veloz. Uma espécime rara entre nós.
Entre um drink e outro de Negroni, observo o cara e a mina. Arrisco dizer que eles não têm sequer 20 anos. E pouco importa. Observava os dois, incrédulo, porque apesar de vivermos o futurista 2025, ainda habita entre nós uma gurizada que parece ter saído do Século 19.
Em certo momento, o cara desliza sua mão sobre a mesa, à procura da mão dela. Ambos se tocam, suavemente. Primeiro, a palma da mão direita dele toca as costas da mão esquerda dela. Depois, como se as mãos dançassem sobre a mesa, ela permite que a palma da mão dele sinta a maciez da palma da mão dela, numa carícia envolvente, que provoca um doce sorriso em ambos, inebriados de paixão e Coca-Cola Zero.
Trocam olhares e sorrisos na mesma intensidade. Por mais de uma hora repetem os doces gestos, entre goles de Coca-Cola e risos que se logo viram gargalhadas. Nenhum beijo. Nenhum abraço, mesmo que fugaz. Permanecem frente à frente, na mesma mesa à sombra da muvuca. Brindam com as mesmas latinhas de refrigerante. Não se levantam por nada, sequer para ir ao banheiro. Estão conectados, talvez os únicos da festa sem interesse algum no celular. Não baixam a guarda, não desviam o olhar um do outro.
Enfim, fui embora com a imagem deles cravada na retina. Dois seres, representantes únicos de uma espécime rara, gente que encara a noite veloz com a singeleza dos românticos. Talvez presos à pureza e à inocência? Talvez. Porém, autênticos, porque pareciam vidrados um no outro (mesmo que não tenha durado até a segunda-feira), como devotos do amor (mesmo que platônico).
Porque, como diz o poeta: “Que não seja imortal, posto que é chama. Mas que seja infinito enquanto dure”.