A mulher de um dos líderes do Comando Vermelho no Amazonas realizou duas visitas ao Ministério da Justiça neste ano. Luciane Barbosa Farias esteve em audiências com dois secretários e dois diretores da pasta em um período de três meses. O ministério afirma que não foi possível detectar a presença nos eventos, pois ela integrava uma comitiva (confira a nota abaixo). As informações são do Estadão.
Luciane Barbosa é casada com Clemilson dos Santos Farias, o Tio Patinhas, um dos líderes do Comando Vermelho. Condenado a 31 anos de prisão, o traficante é tido pela inteligência da Polícia Civil como um indivíduo de altíssima periculosidade e responde por uma série de assassinatos em Manaus.
Condenada a 10 anos de prisão por organização criminosa, lavagem de dinheiro e associação para o tráfico, a mulher se encontrou com Elias Vaz, secretário de Assuntos Legislativos; Rafael Velasco Brandani, titular da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen); Paula Cristina da Silva Godoy, Ouvidora Nacional de Serviços Penais (Onasp); e Sandro Abel Sousa Barradas, que é diretor de Inteligência Penitenciária da Senappen. As audiências ocorreram em março e maio deste ano.
O nome dela foi omitido das agendas oficiais das autoridades. Nas reuniões, ela se apresentava como presidente da Associação Instituto Liberdade do Amazonas (ILA), uma ONG de defesa dos direitos dos presos. Segundo a Polícia Civil do Amazonas, a organização atua em prol dos detentos ligados à facção.
Em uma postagem no Instagram, Luciane disse ter levado às autoridades do ministério um “dossiê” sobre “violações de direitos fundamentais e humanos” supostamente cometidas pelas empresas que atuam nas prisões do Estado.
Repercussão
O senador e ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro (União Brasil-PR) comentou o caso e afirmou considerar "muito estranho" que pessoas ligadas a organizações criminosas se sintam confortáveis em visitar o atual Ministério da Justiça.
— Gera alguma preocupação pessoas ligadas a organizações criminosas se sentirem à vontade para fazer visitas ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. Normalmente isso não é usual — disse Moro.
O senador pontuou ainda que, quando foi ministro da Justiça, a pasta costumava fazer o controle de quem ingressava no prédio.
O ministro da Justiça, Flávio Dino, afirmou nesta segunda-feira (13) que não tinha conhecimento das reuniões realizadas na pasta entre seus secretários e uma integrante do Comando Vermelho. Em uma publicação na rede social, Dino jogou a responsabilidade para o secretário de Assuntos Legislativos, Elias Vaz.
"Nunca recebi, em audiência no Ministério da Justiça, líder de facção criminosa, ou esposa, ou parente, ou vizinho", escreveu Flávio Dino no X (antigo Twitter). "De modo absurdo, simplesmente inventam a minha presença em uma audiência que não se realizou em meu gabinete. Sobre a audiência, em outro local, sem o meu conhecimento ou presença, vejam a história verdadeira no Twitter do Elias Vaz. Lendo lá, verificarão que não é o que estão dizendo por conta de vil politicagem", acrescentou.
Elias Vaz disse que foi pego de surpresa e assumiu o "erro" por não ter verificado os convidados da reunião. Vaz alegou que ela foi levada como acompanhante e falou sobre violações de direitos no sistema penitenciário.
— Se teve algum erro, esse erro foi de minha parte por não ter feito uma verificação mais profunda das pessoas que eu iria receber, porque eu poderia ter exigido que cada pessoa que entre na minha sala eu pudesse verificar — disse Vaz nesta segunda-feira, em coletiva no Palácio da Justiça.
Refael Velasco, chefe da Senappen, ainda não se manifestou sobre o encontro. Por sua vez, o Ministério da Justiça divulgou uma nota sobre o caso.
Confira na íntegra:
“No dia 16 de março, a Secretaria de Assuntos Legislativos (SAL) atendeu solicitação de agenda da ANACRIM (Associação Nacional da Advocacia Criminal), com a presença de várias advogadas.
A cidadã mencionada no pedido de nota não foi a requerente da audiência, e sim uma entidade de advogados. A presença de acompanhantes é de responsabilidade exclusiva da entidade requerente e das advogadas que se apresentaram como suas dirigentes.
Por não se tratar de assunto da pasta, a ANACRIM, que solicitou a agenda, foi orientada a pedir reunião na Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen).
A agenda na Senappen e da ANACRIM aconteceu no dia 2 de maio, quando foram apresentadas reivindicações da ANACRIM.
Não houve qualquer outro andamento do tema.
Sobre atuação do Setor de Inteligência, era impossível a detecção prévia da situação de uma acompanhante, uma vez que a solicitante da audiência era uma entidades de advogados, e não a cidadã mencionada no pedido de nota.
Todas as pessoas que entram no MJSP passam por cadastro na recepção e detector de metais.”