Prestes a fazer sua nona indicação de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva estuda as conveniências e eventuais dificuldades de transformar o próprio advogado pessoal em integrante da mais alta Corte do país. Responsável pelo encerramento de 26 processos nos quais Lula era investigado, Cristiano Zanin conquistou a confiança do presidente, mas enfrenta resistências no Congresso e mesmo no PT. Seu maior rival na disputa pela vaga de Ricardo Lewandowski é o advogado Manoel Carlos de Almeida Neto.
Ciente das rejeições a Zanin, Lula tem evitado tocar no assunto nos últimos dias. Ele pretendia aproveitar a estadia na China para deixar a sucessão no STF em segundo plano, mas o adiamento da viagem e a intensa movimentação dos candidatos à vaga alimentam as conversas em seu entorno.
A decisão de Lewandowski de antecipar sua aposentadoria – de maio, quando completa 75 anos, para 11 de abril – também precipitou o debate. Os dois chegaram a conversar na semana passada, no Recife, mas não houve avanços.
Lewandowski é o principal apoiador de Almeida Neto. O advogado foi assessor do seu gabinete e ocupou a secretaria-geral da Corte durante sua gestão na presidência, entre 2014 e 2016. Outro aliado importante é o ex-presidente José Sarney, ainda muito influente em Brasília. Contudo, o próprio currículo de Almeida Neto atrapalha suas pretensões. A experiência na Corte, que poderia facilitar sua indicação, na verdade é malvista pelos demais ministros. Para os magistrados, não cairia bem ter como membro do colegiado um “ex-assessor”.
Além de Zanin e Almeida Neto, surgem como cotados os ministros Luís Felipe Salomão e Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça, e Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União (veja quadro). Nenhum deles, porém, ameaça o favoritismo da dupla.
Nas outras ocasiões em que indicou ministros à Corte, Lula ouviu muita gente. Desta vez, o presidente não parece disposto a compartilhar a escolha. Vários fatores contribuem para essa postura. A mais fundamental é o próprio processo decisório de Lula, cada vez mais individual.
Diferentemente dos outros mandatos, quando tinha ao seu redor ministros influentes como José Dirceu, Antonio Palocci, Luiz Dulci e Dilma Rousseff, agora o petista trabalha com auxiliares de menor envergadura política, a quem dá menos ouvidos.
Lula também parece mais desconfiado, reflexo da sucessão de investidas que sofreu na Justiça e dos 580 dias em que esteve preso. Essa cisma constante, aliada aos dissabores colhidos em indicações anteriores – sobretudo com Joaquim Barbosa, algoz do PT no julgamento do mensalão, e Dias Toffoli, que o impediu de sair da cadeia para ir ao funeral do irmão – o levam a pensar que não poderá errar na escolha do nome. Após deixar o governo, por mais de uma vez Lula disse ter aprendido que só se deve levar ao Supremo alguém com trajetória consolidada no universo jurídico, e não quem espera fazer da Corte um trampolim, como ele acredita ter ocorrido com Toffoli.
Empossado em 2006, Lewandowski foi uma sugestão da então primeira-dama Marisa Letícia. Na perspectiva pessoal do presidente, nenhum dos 13 ministros indicados nos governos do PT lhe foi mais fiel. Embora saiba que, após vestir a toga preta pela primeira vez, quase todos dispensam qualquer sentimento de dívida, Lula deseja colocar alguém de confiança pessoal. Para a próxima vaga, em outubro, daí sim estaria aberto a indicações impessoais, como a de uma mulher negra. Movimentos sociais lutam por essa ideia.
Todas essas circunstâncias pesam a favor de Zanin. Todavia, aliados e auxiliares próximos do presidente têm dito que a indicação do advogado pessoal não só causaria prejuízos à sua imagem como dificultaria a articulação no Senado. A todo momento, lembram da demora para a aprovação de André Mendonça, que amargou cinco meses após a indicação de Jair Bolsonaro.
Além da letargia para chancelar uma indicação, em geral usada para a base de apoio barganhar benesses junto ao governo, os interlocutores do Planalto citam a escassa margem de vantagem governista. Na Comissão de Constituição e Justiça, palco da sabatina e da primeira votação, o governo tem, em tese, apenas 13 votos entre os 27 integrantes. No plenário, onde ocorre a votação derradeira, com exigência de maioria absoluta, a base é composta por 42 dos 81 senadores. Ou seja, duas defecções bastam para um fracasso.
Além do temor ante eventual rejeição do indicado – algo que só ocorreu em 1894, durante a presidência do marechal Floriano Peixoto –, assusta o governo o custo da aprovação. Com inúmeros cargos ainda em negociação e parte da base exigindo espaços em estatais e nos escalões inferiores da Esplanada, os articuladores do Planalto sabem que a pressão será enorme. Já se fala na possibilidade de os cinco ministros que têm mandato de senador se licenciarem temporariamente para votar a indicação.
Veja quem são os cotados
Cristiano Zanin
Aos 47 anos, é considerado o favorito à vaga. Tem bom trânsito entre os ministros do STF e prestígio junto a membros aposentados da Corte, como Celso de Mello. Advogado pessoal de Lula e responsável pelas vitórias do presidente em 26 processos criminais, goza de absoluta confiança do petista. Seu maior trunfo também é considerado o maior empecilho à indicação. Além da resistência por ser um nome muito próximo do presidente, há temor pelo desgaste junto à opinião pública e pela arriscada negociação política que a aprovação irá exigir.
Manoel Carlos de Almeida Neto
Aos 43 anos, é advogado e diretor-jurídico da Companhia Siderúrgica Nacional. Ex-secretário-geral do STF, é uma indicação pessoal de Ricardo Lewandowski. Considerado leal e com pleno domínio do funcionamento da Corte, conta ainda com a simpatia do ex-presidente José Sarney. Todavia, seu círculo de apoio é bem mais restrito e não é benquisto entre os membros do tribunal, que rejeitam a ideia de ter um ex-assessor como colega de toga. Ainda assim, é tido como o único capaz de vencer Zanin.
Benedito Gonçalves
Aos 69 anos, é ministro do Superior Tribunal de Justiça. Com carreira jurídica consolidada, seria o segundo negro a compor o STF. Porém, também atua como corregedor no Tribunal Superior Eleitoral e está à frente de vários processos que podem tornar inelegível o ex-presidente Jair Bolsonaro. Em cálculos petistas, é melhor tê-lo no TSE do que no STF.
Bruno Dantas
Aos 45 anos, é presidente do Tribunal de Contas da União. Circula com desenvoltura pelos círculos políticos de Brasília e tem o apoio do ministro Gilmar Mendes. Tem boa relação com Lula e eventual indicação também agradaria ao Senado, por abrir vaga no TCU. Porém, é considerado mais útil ao governo no tribunal de Contas do que no STF.
Luís Felipe Salomão
Aos 60 anos, é ministro do Superior Tribunal de Justiça. Um dos mais respeitados ministros de tribunais superiores, sempre teve o nome lembrado nas recentes indicações ao STF. Todavia, desfruta de poder incomum junto aos pares no STJ e se aproximou demasiadamente do então presidente Jair Bolsonaro, o que lhe causou resistência no PT.
Os ministros indicados por Lula
- Cezar Peluso (06/2003 - 08/2012)
- Ayres Britto (06/2003 - 11/2012)
- Joaquim Barbosa (06/2003 - 07/2014)
- Eros Grau (06/2004 - 08/2010)
- Ricardo Lewandowski (03/2006 - até agora)
- Cármen Lúcia (06/2006 - até agora)
- Menezes Direito (09/2007 - 09/2009)
- Dias Toffoli (10/2009 - até agora)