Secretário-executivo do Ministério da Justiça e da Segurança Pública, Ricardo Cappelli foi nomeado interventor na Segurança Pública do Distrito Federal às 17h30min de domingo (8), quando golpistas bolsonaristas haviam destruído as dependências do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). Uma hora depois, Cappelli, jornalista nascido há 50 anos no Rio de Janeiro, estava na Esplanada dos Ministérios comandando tropas do Batalhão de Choque.
— Vamos para o QG do Exército retirar as pessoas do acampamento — informou Cappelli à GZH, por volta das 22h de domingo.
A desocupação ocorreria apenas no dia seguinte, com a anuência do Comando do Exército, contrariando a ideia original de Cappelli.
Pós-graduado em Administração Pública pela Fundação Getulio Vargas (FGV), Cappelli presidiu a União Nacional dos Estudantes (UNE) entre 1997 e 1999, época em que militava no PCdoB. Nos governos Lula e Dilma, o interventor atuou no Ministério do Esporte.
O braço direito do ministro da Justiça e da Segurança Pública, Flávio Dino, mede cada palavra dita aos jornalistas. Nesta conversa, ele conta um pouco dos bastidores do dia em que a democracia foi atacada e detalha passos da investigação.
O senhor estava no Eixo Monumental na noite de domingo, comandando as tropas na rua, horas após a sua nomeação. Poderia descrever como foi aquela operação?
Fui nomeado por volta das 17h30min. Fui para a Secretaria da Segurança Pública, reuni o comando que estava aqui e convoquei todos para comandar as tropas que estavam na Esplanada. Perguntei quantos homens havia, dei orientação para mobilizar todo efetivo possível e mandar todos para a Esplanada. A minha função começou de forma operacional. Eu vim arrastando a tropa, que estava em uma linha defensiva, na altura do Ministério da Justiça.
Não havia comando?
Encontrei muita fragilidade no comando. Os policiais não tinham uma linha clara de comando. A impressão é que muitos estavam meio atordoados com o que estava acontecendo. Era uma linha meio defensiva, sem muita estratégia para frente. Encontrei um vácuo de comando.
Os policiais não tinham uma linha clara de comando. A impressão é que muitos estavam meio atordoados com o que estava acontecendo.
E onde estava o comandante da Polícia Militar do Distrito Federal?
Estava no campo, mas a impressão que eu tinha é que ele estava com baixa capacidade de comando. Talvez pelas suas fragilidades, talvez por alguma conspiração. Mas a gente está apurando. Ficava claramente visível a baixa capacidade de comando.
Naquele momento, o senhor disse que as tropas estavam indo desfazer o acampamento. Mas o Exército impediu a operação à noite e colocou blindados e soldados para impedir a ação da Força Nacional. Houve risco de confronto entre polícias e soldados do Exército?
O Exército ponderou que não seria adequado entrar à noite no Setor Militar Urbano para desmontar o acampamento. Seria melhor e mais prudente fazer isso no outro dia, às 6h30min.
Mas por que havia soldados do Exército e três blindados nas imediações do acampamento?
(O interventor faz cinco segundos de pausa, abre um pequeno sorriso e repete a resposta anterior). O Exército ponderou que seria mais prudente fazer a operação às 6h30min do dia seguinte.
Em algum momento houve risco institucional naquela operação?
Não creio. Tudo foi feito de forma integrada entre a Polícia Militar e o Exército. Acho que os manifestantes acreditavam que aqueles atos de vandalismo iriam gerar um levante popular, o que não aconteceu. Confio nas instituições e elas, como a vida mostrou, seguem sólidas.
O senhor já disse que havia indícios de sabotagem do ex-secretário da Segurança Pública Anderson Torres e da antiga cúpula da Segurança. Estes indícios se confirmaram? Os senhores já identificaram a responsabilidade de cada um na cúpula da Segurança?
Estamos identificando, mas sabotagem não é simples de encontrar materialidade. A Polícia Federal fez busca e apreensão na casa do secretário Anderson Torres e apreendeu um farto material. E esta operação está em curso. É o que eu tenho dito: operação exemplar no dia 1º, Anderson assume no dia 2, exonera a direção da secretaria, viaja e acontece um desastre no dia 8. Isso é coincidência? Não me parece. Não por acaso, o ministro Alexandre de Moraes decretou a prisão do senhor Anderson Torres.
Se foi negligência ou planejado, sabotagem, que é a hipótese que eu considero mais provável, a investigação vai confirmar.
O comando anterior da Polícia Militar na tarde de domingo foi omisso ou criminoso?
A investigação vai dizer. Se foi negligência ou planejado, sabotagem, que é a hipótese que eu considero mais provável, a investigação vai confirmar.
Os senhores já identificaram agentes públicos de alguma forma envolvidos nos protestos?
A Polícia Militar vai abrir um inquérito policial militar para apurar as condutas de policiais que atuaram naquele dia.
Os senhores já encontraram conexões entre líderes das manifestações e políticos/autoridades?
Não tenho conhecimento.
Os senhores já identificaram as principais lideranças?
Várias foram identificadas e continuam sendo identificadas. Ninguém ficará impune.
Até que ponto o acampamento no QG do Exército foi usado para articular os ataques aos três poderes?
O acampamento funcionou como uma incubadora de planos contra a democracia brasileira. O acampamento funcionou como um QG de atitudes terroristas, contra o Estado democrático de direito.
Os senhores mudaram a cúpula da segurança. Mas qual o grau de contaminação golpista dos comandos intermediários? Dos comandantes de batalhão e dos oficiais?
Mudamos ontem (quarta-feira) quatro ou cinco comandantes. Eu tenho plena confiança na polícia do Distrito Federal.
Há uma discussão no campo da segurança sobre a desmilitarização da Polícia Militar no país. Este tema está na agenda do ministério?
Não. Hoje, não. A Polícia Militar cumpre um papel importante na segurança pública.
O acampamento funcionou como um QG de atitudes terroristas, contra o Estado democrático de direito.
Em recente entrevista ao portal Poder360, o ministro Flávio Dino disse que pretende aumentar o poder federal sobre a área da segurança. O senhor poderia explicar melhor essa ideia?
Não estou acompanhando de perto esta conversa, mas este é um debate recorrente. É difícil até explicar para pessoas de fora que quem faz segurança da capital federal é um ente federativo e não a União. No dia 8, se você ligasse para o ministro Flávio Dino e falasse: “Ministro, coloque as tropas para defender a Esplanada”. Não tem tropas. Porque a tropa é do governo do Distrito Federal. Por isso, foi feita a intervenção. Precisa ter? Este é um debate. A questão é um debate sobre a capacidade do governo federal de ter força direta de segurança.