A 10 semanas das prévias do PSDB à Presidência da República, cresce a tensão entre os grupos do governador de São Paulo, João Doria, e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite. Polarizando a disputa, eles evitam ataques diretos entre si, mas fazem questão de ressaltar as diferenças que os separam.
O cuidado tem por objetivo não aprofundar ainda mais a divisão interna e assegurar o apoio do rival ao final da eleição interna, marcada para 21 de novembro. Com a corrida ao Palácio do Planalto até aqui antagonizada por Jair Bolsonaro (sem partido) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o tucano que emergir das prévias sabe que precisará de robusta estrutura partidária para se consolidar como candidato competitivo em 2022.
Aos 63 anos e considerado favorito, Doria raramente faz comentários negativos sobre Leite. Entretanto, jamais esquece de qualificar o adversário de "jovem governador", numa tentativa sutil de demonstrar mais preparo e experiência do que o gaúcho de 36 anos. Nas viagens que fez por oito Estados, sempre repete que a eleição do próximo ano não será para candidatos "bonzinhos".
Precisando ganhar terreno, Leite tem não só viajado mais que o oponente, como também faz discursos mais incisivos. Em cada compromisso nos 11 Estados que percorreu, o gaúcho procura enfatizar o estilo beligerante de Doria fazer política e assegura ter maior capacidade de aglutinação, tanto interna quanto externa.
Dentro do PSDB, Doria é visto como o candidato mais viável, sobretudo por governar o Estado mais importante e de maior orçamento do país. Foi esse sentimento que levou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso a declarar apoio, num movimento que surpreendeu as hostes de Leite. Todavia, é quase unanimidade no partido o personalismo exacerbado de Doria.
Como exemplos, próceres tucanos citam o comportamento do governador paulista na eleição de 2018, quando ignorou a candidatura presidencial de seu padrinho no PSDB, Geraldo Alckmin, e tentou aproveitar a popularidade de Bolsonaro com o slogan BolsoDoria. Agora, muitos reclamam do forte viés oposicionista que ele imprime na relação com o presidente, afastando do partido muitos eleitores que ainda apoiam Bolsonaro.
Leite capitaliza esse sentimento dizendo que Doria repele eventuais aliados que flertam com o bolsonarismo, como o DEM, o Podemos e o Republicanos, partidos com os quais garante ter boa relação. É uma condução delicada. Ao mesmo tempo em que manifesta claramente suas divergências com Bolsonaro, o gaúcho tenta não melindrar correligionários que temem perder votos de simpatizantes do presidente.
Foi por isso, por exemplo, que Leite deixou os dois deputados federais do PSDB gaúcho votarem a favor do voto impresso, enquanto os sete paulistas votaram contra. Na cúpula tucana, tal posição foi vista como falta de liderança do governo do RS sobre a própria bancada.
Estratégia
Para amainar essa desconfiança, o gaúcho conta com um aliado de peso nas manobras internas: o senador Tasso Jereissati (CE). Um dos políticos mais respeitados do PSDB, Tasso é amigo de Leite e está disposto a abrir mão da prévia em favor do inquilino do Palácio Piratini. Um ato formalizando a desistência estaria sendo organizado para acontecer em Fortaleza, ainda em setembro.
Em busca de unidade contra Doria, Leite esperava contar também que Arthur Virgílio (AM) abandonasse a disputa, mas o ex-prefeito de Manaus quer aproveitar a ocasião para apregoar valores históricos do PSDB que julga abandonados.
Leite precisa desse impulso porque Doria larga já com clara vantagem. São Paulo, sua fortaleza eleitoral, concentra um terço das cerca de 600 prefeituras do PSDB no país. Há duas semanas, numa exibição de força, o paulista reuniu 200 prefeitos em um evento no Palácio dos Bandeirantes.
Enquanto o Rio Grande do Sul tem peso de 5,6% na contabilidade eleitoral, São Paulo tem quase cinco vezes mais (24,2%). Para compensar tamanha desvantagem, Leite conta com Minas Gerais (12,4%), onde Aécio Neves segue influente e se tornou inimigo de Doria.
Ao mesmo tempo em que disputam votos, Doria e Leite trabalham para reforçar os laços com o mercado. O gaúcho conta com a ajuda do ex-secretário estadual da Fazenda Aod Cunha, membro do conselho de administração de ao menos quatro grandes grupos empresariais. Já Doria tem no seu secretariado o ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia, hoje um dos políticos com maior interlocução junto ao setor financeiro. Ambos consideram fundamental o apoio de parte relevante do PIB, sobretudo diante da degradação do cenário econômico e da resistência crescente do mercado a Lula e a Bolsonaro.