Por 33 votos a 32, a maioria dos deputados da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados decidiu rejeitar proposta que estabelecia a possibilidade de impeachment de ministros do Supremo Federal Tribunal (STF) que usurpassem competência de outros poderes.
O parecer derrotado foi apresentado pela relatora e deputada Chris Tonietto (PSL-RJ) ao Projeto de Lei 4.754/2016, de autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) e outros. O texto era um substitutivo ao original, e estabelecia, na lei que define os crimes de responsabilidade (Lei 1.079/1950), que “usurpar competência do Congresso Nacional” seria crime de responsabilidade dos ministros do STF. O texto original também previa como crime a usurpação de competência do Executivo.
O PL, apresentado há cinco anos pela bancada evangélica em reação a derrotas em julgamentos sobre pautas de costumes, como a união homoafetiva, foi desengavetado na esteira da crise recente aberta com o Judiciário.
Desde o início da pandemia, a Suprema Corte vem sendo chamada a arbitrar conflitos entre o presidente Jair Bolsonaro, governadores e prefeitos. A decisão de dar autonomia aos governantes locais para determinar medidas de isolamento social, levando em conta o contexto de cada região, entrou na mira dos apoiadores do governo, que acusam os ministros de ativismo judicial. Na sequência, a ordem para o Senado instalar a CPI da Covid, que investiga ações e possíveis omissões da gestão bolsonarista na condução da pandemia, inflamou o discurso. A prisão do deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ), após ataques aos integrantes do STF e defesa da ditadura militar, também alimentou a discussão.
Em seu parecer, Tonietto afirma que o Estado brasileiro sofre um sério problema com o que ela considera uma “hipertrofia” do STF, que estaria “esvaziando completamente o sentido objetivo das palavras da Constituição, substituindo-o pelo programa ideológico de seus 11 ministros”.
Entre os exemplos citados pela deputada estão a decisão do Supremo que descriminalizou o aborto no caso de fetos anencéfalos, a que liberou pesquisas com células-tronco e a que reconheceu a união estável homoafetiva.
Segundo Chris Tonietto, nos dois primeiros casos, a decisão do STF violaria cláusulas expressas da Constituição que garantem a inviolabilidade do direito à vida. No caso da união homoafetiva, a parlamentar afirma que as palavras “homem e mulher” foram colocadas na Constituição “com o objetivo deliberado de impedir o reconhecimento dos mesmos direitos às uniões homossexuais”.
Para a deputada, esses são exemplos de “ativismo judicial”.
— O papel de legislar é do parlamento brasileiro, a quem cabe discutir matérias e realizar o debate democrático. Não é o Supremo Tribunal Federal o ambiente propício para discutir temas tão sensíveis ao povo brasileiro. Na medida em que o STF se agiganta e invade a esfera legislativa, usurpando a nossa competência, aí nós temos o famigerado ativismo judicial — afirma Tonietto.
Minorias
Por outro lado, segundo a deputada Margarete Coelho (PP-PI), cabe ao STF exercer seu papel contramajoritário para garantir direitos das minorias.
— A nossa Constituição não se descuidou da proteção dos direitos das minorias. E é esse papel que nós não podemos aqui mitigar, porque não estaremos mitigando garantias do Supremo, nós estaremos mitigando garantias das minorias, ganhos sociais. Seria um retrocesso — defendeu.
A presidente da CCJ, deputada Bia Kicis (PSL-DF), autora de projeto de teor semelhante anexado à proposta principal, argumentou que o STF também usurpa suas atribuições ao abrir determinados inquéritos contra deputados.
— Aqui temos ouvido certos absurdos que nos chocam ouvir de parlamentares, que queremos fazer isso porque somos investigados. Deveríamos ter, sim, a solidariedade dos parlamentares quando veem colegas sendo injustamente investigados em inquéritos que não têm fundamento jurídico e que afrontam todos os direitos e garantias individuais e do devido processo legal — afirmou Kicis.
Para o deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS), o que se queria, com a proposta, era amordaçar o tribunal.
— Da forma que está esse projeto, a impressão que passa, de forma muito transparente, é que ele tem cabeça de jacaré, rabo de jacaré, couro de jacaré, dente de jacaré, boca de jacaré, que bicho que é? É jacaré. Ou seja, ele vem para amordaçar o Poder Judiciário, amordaçar o STF. Nós precisamos é de independência e harmonia. Se a Câmara não faz, o STF, demandado, responde — argumentou.
Pompeo de Mattos foi designado pelo deputado Darci de Matos (PSD-SC), que presidia a reunião, como novo relator da proposta. Ele deverá, na próxima reunião da CCJ, apresentar o parecer vencedor.