A Polícia Federal (PF) realizou, nesta terça-feira (26), uma operação no Palácio Laranjeiras, residência oficial do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel. Batizada de Placebo, a ofensiva está relacionada com a investigação sobre possíveis fraudes na construção de hospitais de campanha no Estado. Witzel nega participação nos desvios e sugeriu a interferência do presidente Jair Bolsonaro na ação.
O gestor estadual é ex-aliado do presidente, que recentemente mudou a cúpula da PF. O gesto motivou a saída do governo do então ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro, que acusou o presidente de querer interferir no órgão.
Entenda o caso
A operação
A Operação Placebo ocorreu na manhã desta terça-feira (26). A ação, comandada por agentes da Polícia Federal (PF) de Brasília, foi autorizada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Foram 12 mandados de busca e apreensão sendo cumpridos no Rio e em São Paulo.
As investigações indicam a existência de um esquema de corrupção envolvendo uma organização social contratada para a instalação de hospitais de campanha, para enfrentamento da pandemia de coronavírus, e servidores da cúpula da gestão do sistema de saúde do Estado do Rio. A PF apura gasto de R$ 1 bilhão na construção de hospitais de campanha e aquisição de equipamentos durante a pandemia. A Placebo mira compras sem licitação de respiradores, máscaras e testes rápidos, com envolvimento da Organização Social (OS) Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde (Iabas).
Comprovantes de pagamento para o escritório da primeira-dama do Rio de Janeiro, Helena Witzel, estão entre os elementos de prova que embasaram o pedido de busca e apreensão na residência oficial do governador. O Ministério Público Federal (MPF) afirma que provas provenientes da Justiça Federal demonstram vínculo bastante estreito e suspeito entre a primeira-dama e as empresas de Mário Peixoto, fornecedoras do Estado.
A operação se baseia em apurações iniciadas no Rio de Janeiro pela Polícia Civil, pelo Ministério Público e pelo MPF. Os dados obtidos foram compartilhados com a Procuradoria-Geral da República, que conduz a investigação perante o Superior Tribunal de Justiça.
A ação foi deflagrada um dia após ser nomeado o novo superintendente da corporação no Rio, Tácio Muzzi. A representação da PF no Estado está no centro de uma investigação autorizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que apura se o presidente buscava interferir politicamente em investigações da corporação.
A resposta de Witzel
O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, afirmou que não cometeu irregularidades e acusou Bolsonaro de intervir na investigação da PF. Ele apontou como evidência da interferência o fato de a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) ter mencionado na segunda (25), em entrevista à Rádio Gaúcha, ações iminentes da PF contra governadores.
"Não há absolutamente nenhuma participação ou autoria minha em nenhum tipo de irregularidade nas questões que envolvem as denúncias apresentadas pelo Ministério Público Federal. Estranha-me e indigna-me sobremaneira o fato absolutamente claro de que deputados bolsonaristas tenham anunciado em redes sociais nos últimos dias uma operação da Polícia Federal direcionada a mim, o que demonstra limpidamente que houve vazamento, com a construção de uma narrativa que jamais se confirmará. A interferência anunciada pelo presidente da República está devidamente oficializada. Estou à disposição da Justiça, meus sigilos abertos e estou tranquilo sobre o desdobramento dos fatos. Sigo em alinhamento com a Justiça para que se apure rapidamente os fatos. Não abandonarei meus princípios e muito menos o Estado do Rio de Janeiro", escreveu em nota.
Conhecimento prévio de Carla Zambelli
Na segunda-feira (25), a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), aliada de Bolsonaro, falou de um suposto represamento de operações contra governadores, que passariam a ser deflagradas a partir de agora.
— A gente já teve algumas operações da PF que estavam na agulha para sair, mas não saíam. A gente deve ter nos próximos meses o que a gente vai chamar de "covidão" ou não sei qual vai ser o nome que eles vão dar. Mas já tem alguns governadores sendo investigados pela PF — comentou.
Já nesta terça-feira, negou que tivesse informações prévias sobre operações da Polícia Federal contra governos estaduais. Em entrevista à CNN, a deputada afirmou que "não seria burra" de falar sobre operações da PF se tivesse conhecimento antecipado. E que sua fala no dia anterior foi uma "força de expressão", por saber que a corrupção é endêmica no país.
Reação na classe política
A operação da Polícia Federal gerou repercussão na classe política. Nesta-terça-feira, o presidente Jair Bolsonaro parabenizou a Polícia Federal pela investigação.
— Parabéns à Polícia Federal, fiquei sabendo agora. Parabéns à Polícia Federal — disse Bolsonaro, na saída do Palácio da Alvorada.
Para o governador de São Paulo, João Doria, a ofensiva indica uma escalada autoritária por parte do governo de Jair Bolsonaro.
— Independentemente da análise, e toda investigação necessária deve ser feita onde há suspeita, a operação que foi anunciada antecipadamente por uma deputada aliada, e comemorada pelo presidente, insinua a escalada autoritária e isso é preocupante. A utilização da PF para intimidar adversários, seja na política ou fora dela, deve ser condenada pela sociedade — afirmou.
O governador do Maranhão, Flavio Dino, enfatizou o aspecto da antecipação —tendo em vista a suspeita de que Carla já sabia da ação— e da comemoração da operação como algo que compromete a lisura da investigação.
O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), por sua vez, afirmou em live na sua rede social que a suposição de interferência na ação da PF contra Witzel é absurda.
— Não tem nada a ver com Polícia Federal isso. Isso um ministro do STJ autoriza a busca e apreensão na sua casa, todo o processo legal cumprido. E aí você quer colocar a culpa na Polícia Federal, que apenas executou uma ordem de um ministro do STJ? — falou o senador, referindo-se ao governador do Rio.
— Vão descobrir mais coisas a seu respeito. E não é só isso, não. Não é informação privilegiada. Isso é assunto de botequim, mesa de bar — disse Flávio — O que falam, governador, é que o senhor está extorquindo empresários e fazendo acordo para extorquir empresário, cobrando porcentagem do empresário para liberar dinheiro que ele tem direito. Tem tanta coisa errada no seu governo — acrescentou.