O Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) solicitou junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que possa atuar no processo em que o ministro Dias Toffoli determinou a suspensão de investigações criminais pelo país que usem dados detalhados de órgãos de controle —como Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Receita Federal e Banco Central — sem autorização judicial.
A decisão do ministro foi tomada após pedido do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), alvo de duas investigações na Promotoria fluminense — uma criminal e outra cível. O Ministério Público fluminense afirma que o caso "pode impactar processos e investigações em curso no Parquet Fluminense, ao suspender os procedimentos em tramitação com dados compartilhados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras, o Coaf".
A reportagem apurou que a Promotoria decidiu aguardar nova manifestação do STF para seguir com a investigação contra Flávio e outros políticos mencionados no relatório do Coaf. Além do senador, outros oito deputados tiveram as quebras de sigilos bancário e fiscal quebrados em razão do documento.
O relatório do Coaf foi produzido no âmbito da Operação Furna da Onça, que prendeu em dezembro 10 deputados estaduais. Ele foi elaborado a pedido do Ministério Público Federal (MPF), que solicitou todas as comunicações de movimentações atípicas envolvendo pessoas nomeadas na Assembleia Legislativa do Rio.
O órgão federal fez comunicações sobre 85 funcionários de 21 gabinetes da Assembleia, boa parte sem relação com o caso de Sergio Cabral, incluindo o de Flávio, filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro.
Essas informações foram enviadas pelo Coaf também ao Ministério Público estadual em janeiro de 2018, para que apurasse eventuais crimes sem relação com o ex-governador.
Estão entre os investigados o presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, André Ceciliano (PT), e o líder do governo Wilson Witzel (PSC), Márcio Pacheco (PSC). Há ainda políticos do PSOL, PSB, DEM e PDT.
A decisão de Toffoli é de segunda-feira (15). Nela, o ministro determina a suspensão dos inquéritos iniciados a partir de relatório do Coaf que não se limite "à identificação dos titulares das operações e dos montantes globais mensalmente movimentados, ou seja, dados genéricos e cadastrais dos correntistas, vedada a inclusão de qualquer elemento que permita identificar sua origem ou natureza dos gastos a partir deles efetuados".
O relatório produzido a pedido da Furna da Onça já trazia informações detalhadas sobre a movimentação financeira de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio e pivô da investigação.
Indicando a movimentação considerada atípica de R$ 1,2 milhão entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017 de Queiroz, o documento detalhava hora, data e agência bancária das dezenas de saques e depósitos realizados nas contas de Queiroz. Os dados diferem da decisão do ministro, que fala em "montantes globais mensalmente movimentados".
Após esse primeiro relatório recebido pelo Ministério Público estadual, o Coaf produziu outros a pedido de promotores. Um deles detalhava hora e data de 48 depósitos de R$ 2.000 entre junho e julho de 2017.
A defesa de Flávio alegava que, na prática, seu sigilo já havia sido quebrado antes da decisão judicial, pelo fato de a Promotoria ter obtido dados detalhados do Coaf.
Os advogados do senador alegaram ao Supremo que havia, em discussão na corte, um tema de repercussão geral tratando justamente da possibilidade, ou não, de compartilhamento de dados detalhados por órgãos de controle sem prévia autorização judicial. A defesa do filho de Bolsonaro disse que o Ministério Público do Rio utilizou-se do Coaf para criar "atalho" e se furtar ao controle da Justiça.
— Sem autorização do Judiciário, foi realizada devassa, de mais de uma década, nas movimentações bancárias e financeiras do requerente (Flávio) em flagrante burla às regras constitucionais garantidoras do sigilo bancário e fiscal — afirmou.
Para a defesa, todos os casos que têm essa controvérsia deveriam estar suspensos até a decisão final sobre o assunto de repercussão geral. Toffoli concordou com a argumentação, sob a justificativa de evitar que, no futuro, quando o STF decidir a respeito, os processos venham a ser anulados. O debate sobre o tema está previsto para ser realizado no plenário em 21 de novembro.
Em outras oportunidades, Flávio já havia tentado anular a investigação referente a si, tanto no Supremo como na Justiça do Rio, mas teve os pedidos negados.
Agora, a defesa do senador pegou carona em um processo que já tramitava na corte e que debate a questão do sigilo de modo mais amplo — apesar de também ter nascido de um recurso relativo a um caso concreto, de relatoria de Toffoli, que está em segredo de justiça no STF.
Trata-se do tema 990 da repercussão geral, que debate a "possibilidade de compartilhamento com o Ministério Público, para fins penais, dos dados bancários e fiscais do contribuinte, obtidos pela Receita Federal no legítimo exercício de seu dever de fiscalizar, sem autorização prévia do Poder Judiciário".
Em sua decisão, Toffoli citou a "higidez constitucional da intimidade e do sigilo de dados". Disse que os fundamentos apresentados pela defesa de Flávio eram "relevantes" e que a situação se repete em outros casos em que órgãos de fiscalização e controle, como Fisco, Coaf e Banco Central, possam ter transferido automaticamente ao Ministério Público, para fins penais, informações sobre movimentação bancária e fiscal dos contribuintes em geral.