O juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, autorizou as quebras de sigilos bancário e fiscal de mais oito pessoas apontadas pelo Ministério Público como ex-funcionários do então deputado estadual e atual senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). O magistrado aproveitou a nova decisão, proferida no dia 14 de junho, para aprofundar sua fundamentação para as quebras dos sigilos de 86 pessoas e 9 empresas.
As defesas dos investigados pediram a suspensão da medida, afirmando que o juiz não expôs seus argumentos ao deferir o pedido da Promotoria do Rio. A nova decisão, apurada pela reportagem, é mantida sob segredo de Justiça. Ela atendeu a pedido do Ministério Público, que apontou mais oito pessoas ligadas a Flávio na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), identificadas após nova pesquisa.
Fazem parte do rol de novos investigados ocupantes de cargos comissionados nomeados no gabinete, comissões e outros órgãos da Casa vinculados hierarquicamente ao então deputado estadual. Os nomes são mantidos sob sigilo.
Entenda o caso
A investigação foi aberta após relatório do Conselho de Controle das Atividades Financeiras (Coaf) apontar uma movimentação atípica de R$ 1,2 milhão nas contas de seu ex-assessor Fabrício Queiroz de janeiro de 2016 a janeiro de 2017.
Além do volume movimentado, chamou a atenção a forma com que as operações se davam: depósitos e saques em dinheiro vivo. As transações ocorriam em data próxima do pagamento de servidores da Assembleia, onde Flávio exerceu o mandato de deputado por 16 anos (2003-2018) até ser eleito senador.
Queiroz afirmou que recebia parte dos valores dos salários dos colegas de gabinete, e que usava esse dinheiro para remunerar assessores informais de Flávio, sem o conhecimento do então deputado. O posicionamento da defesa de Queiroz é a base para o pedido de quebra de sigilo de todos os funcionários de Flávio que passaram pelo gabinete nesse período.
A Promotoria, contudo, desconfia da versão. Afirma haver indícios de prática de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa no gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio.
Decisão judicial
A primeira decisão de Itabaiana foi atacada por advogados do caso por não ter apresentado os fundamentos de sua decisão. A justificativa do magistrado em abril toma um parágrafo do documento, adotando as razões expostas pelo Ministério Público em 87 páginas.
Ao deferir o pedido da quebra dos oito novos alvos, Itabaiana agora se estende para justificar sua decisão anterior. O juiz faz um relatório sobre os indícios colhidos pelo Ministério Público sobre o caso e aponta que o "afastamento dos sigilos bancário e fiscal dos ocupantes de cargos comissionados mencionados é imprescindível para o prosseguimento das investigações, pois somente seguindo o caminho do dinheiro é possível apurar os fatos".
Neste ponto, cita decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para fundamentar o argumento. Itabaiana, contudo, mantém a posição de que sua primeira decisão é legal. Menciona julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) em que aceita a adoção dos argumentos da Promotoria como razões para decidir.
Ele também faz referência à decisão do desembargador Antônio Amado, da 3ª Câmara Criminal, que negou liminar da defesa de Queiroz apontando a falta de fundamentação. O magistrado da segunda instância considerou que o juiz fez "expressa referência à documentação trazida pelo Ministério Público".
O mérito do habeas corpus de Queiroz ainda será julgado pela 3ª Câmara Criminal, assim como o de Flávio, que também teve liminar negada por Amado.
O desembargador deferiu, contudo, liminar para suspender as quebras de sigilos da MCA Exportação e Participações e seus dois sócios: Marcelo Cattaneo Adorno e Délio Thompson de Carvalho Filho.
A empresa adquiriu de Flávio Bolsonaro 12 salas comerciais em construção 45 dias depois do senador ter firmado escritura para obter os direitos sobre sete desses imóveis. Na operação, o filho do presidente Jair Bolsonaro lucrou R$ 504 mil, segundo o Ministério Público.
A MCA tem como um de seus sócios a Listel, empresa com sede no Panamá. As condições das transações e o envolvimento de uma offshore sediada num paraíso fiscal dão indícios, para o Ministério Público, da prática de lavagem de dinheiro.
Inconsistências no pedido do MP-RJ
Pessoas não nomeadas por Flávio Bolsonaro
Há três casos de pessoas sem vínculo político com Flávio que foram alvo de quebra de sigilo. Elas estavam nomeadas no gabinete da liderança do PSL na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro quando o senador assumiu o cargo e, em seguida, as demitiu.
Remuneração de Queiroz
Ao comparar gastos com vencimentos de Fabrício Queiroz, o Ministério Público considera apenas salário da Assembleia e ignora remuneração que ele recebe da Polícia Militar.
Saques
Há erro na indicação do volume de saques feitos por Queiroz em dois dos três períodos apontados.
Laranja potencial
Promotoria atribui ao gabinete de Flávio servidora da TV Alerj que acumulava cargo com outro emprego externo.
Patrimônio
Ao falar sobre um negócio que envolve 12 salas comerciais, os promotores do Ministério Público do Rio escreveram que Flávio adquiriu os imóveis por mais de R$ 2,6 milhões, quando, na verdade, ele deteve apenas os direitos sobre os imóveis, que ainda não estavam quitados e continuaram sendo pagos em prestações por outra empresa que assumiu a dívida.