O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, suspendeu investigações criminais que envolvam relatórios que especifiquem dados bancários detalhados sem que tenha havido autorização da Justiça.
A medida afeta o caso do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro. Ele é alvo de apuração que investiga um suposto esquema em seu gabinete quando era deputado estadual do Rio de Janeiro. Seu ex-assessor, Fabrício Queiroz, também é investigado.
A decisão de Toffoli também pode afetar inquéritos da Operação Lava-Jato. Procuradores demonstraram preocupação com a medida, mas seu impacto ainda é incerto.
Abaixo, entenda o que foi decidido pelo ministro e o que pode mudar a partir disso.
O que Toffoli decidiu?
O presidente do Supremo, Dias Toffoli, decidiu suspender, a nível nacional, investigações criminais que envolvam relatórios que especifiquem dados bancários detalhados sem que tenha havido autorização da Justiça para tal — ainda que o inquérito tenha outros elementos que o embasem.
A decisão atinge inquéritos e procedimentos de investigação criminal (tipo de apuração preliminar), de todas as instâncias da Justiça, baseados em informações de órgãos de controle — como Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Receita Federal e Banco Central. A determinação tem potencial de afetar desde casos de corrupção e lavagem de dinheiro, como os da Lava-Jato, aos de tráfico de drogas.
O que seriam "dados detalhados"?
O STF já havia autorizado o acesso a operações bancárias sem autorização judicial, mas, no entendimento de Toffoli, o plenário da Corte decidiu que as informações deveriam se limitar à identificação dos titulares e do valor movimentado. Se envolvesse mais que isso, portanto, exigiria decisão da Justiça.
Até quando as investigações estão suspensas?
Até que o plenário do STF decida se é legal que dados bancários e fiscais obtidos pela Receita Federal e órgãos de controle sejam enviados ao Ministério Público para fins penais sem necessidade de autorização da Justiça.
Como esse caso foi parar no STF?
A Corte analisa o recurso do Ministério Público Federal (MPF) contra uma decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) que anulou uma ação porque esta envolvia dados obtidos pela Receita e compartilhados com o Ministério Público sem prévia autorização judicial — o que o MPF alega ser legal. O julgamento, a princípio, está marcado para o dia 21 de novembro.
O que isso tem a ver com Flávio Bolsonaro?
A decisão de Toffoli, embora abranja outros casos, deu-se no âmbito de uma ação da defesa do senador. O ministro decidiu pela paralisação da apuração que está sendo realizada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro e que envolve Flávio e seu ex-assessor Fabrício Queiroz. Isso porque a investigação começou com o compartilhamento de informações do Coaf e só depois a Justiça fluminense autorizou a quebra de sigilo bancário.
Quais os argumentos de Flávio?
A defesa do senador alegou ao STF que, por solicitação do Ministério Público, o Coaf se comunicou diretamente com as instituições financeiras a fim de detalhar informações enviadas pelos bancos. A medida foi vista como um "atalho" à necessidade de autorização judicial para quebra de sigilo bancário.
Em outras oportunidades, Flávio já havia tentado anular a investigação, tanto no Supremo como na Justiça do Rio, mas teve os pedidos negados. Agora, a defesa do senador pegou carona em um processo que já tramitava na Corte e que debate a questão do sigilo das movimentações financeiras de modo mais amplo — apesar de também ter nascido de um recurso relativo a um caso concreto, de relatoria de Toffoli, que está em segredo de Justiça no STF.
Se a decisão está relacionada ao processo de Flávio, quais as justificativas de Toffoli para suspender os inquéritos em âmbito nacional, e não apenas o do senador?
Toffoli alega a necessidade de evitar insegurança jurídica. Ele afirmou que a medida tem o objetivo de evitar que, no futuro, quando o STF decidir sobre a questão, processos venham a ser anulados.
Qual o impacto da decisão de Toffoli? Pode paralisar a Lava-Jato?
O coordenador da Lava-Jato no Ministério Público Federal do Rio de Janeiro, Eduardo El Hage, disse que a decisão pode suspender "praticamente todas as investigações de lavagem de dinheiro no Brasil". Contudo, outros especialistas em direito veem essa afirmação com ressalvas.
A decisão atinge inquéritos e procedimentos de investigação criminal (tipo de apuração preliminar), de todas as instâncias da Justiça, baseados em informações de órgãos de controle. Não é possível calcular de imediato o impacto porque será preciso que as autoridades analisem caso a caso. Se a defesa de um investigado entender que houve compartilhamento dos dados de seu cliente fora dos parâmetros descritos por Toffoli, poderá requerer a suspensão.
É comum na Lava-Jato do Paraná, por exemplo, que os relatórios do Coaf sejam anexados após a ordem judicial de quebra de sigilo, o que deixaria os processos de fora do escopo da decisão de Toffoli.
O que está sendo investigado sobre Flávio?
O Ministério Público apura a "rachadinha" no gabinete de Flávio Bolsonaro quando ele exercia o mandato de deputado estadual na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Nesse tipo de esquema, servidores devem devolver parte do salário para os deputados. O MP-RJ ainda não identificou o possível destino do dinheiro, apenas levantou suspeitas de que ele era repassado para as lideranças do gabinete.
Qual a origem dessa investigação?
A apuração começou há mais de um ano e meio, com o envio ao MP-RJ de um relatório do Coaf apontando movimentações atípicas de R$ 1,2 milhão na conta bancária de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio na Alerj. Além do volume movimentado na conta de Queiroz, que era apresentado como motorista de Flávio, chamou a atenção a forma com que as operações se davam: depósitos e saques em dinheiro vivo, em data próxima do pagamento de servidores da Assembleia.
Quais os possíveis crimes apontados pelo MP-RJ?
Peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Há três núcleos investigados, segundo a Promotoria: um que nomeava os assessores, outro que recolhia e distribuía parte dos salários dos servidores e o terceiro, composto por aqueles que aceitavam o compromisso de entregar parte de suas remunerações.
O que é o Coaf e como ele atua?
O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) é um órgão de inteligência, subordinado ao Ministério da Economia, que atua contra a lavagem de dinheiro. Ele recebe informações de instituições financeiras sobre operações consideradas atípicas, como transações de quantias significativas por meio de conta até então pouco movimentada ou mudança repentina e injustificada na forma de movimentação de recursos.