O ambiente de tranquilidade e o placar elástico vistos durante a aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), nesta terça-feira (9), na Assembleia Legislativa, contrastam com a guerra jurídica que se avizinha. A vitória contundente do governador Eduardo Leite, por 37 votos a 13, congelou os gastos do Estado em 2020 e expôs oficialmente, pela primeira vez na LDO, um rombo bilionário nas contas públicas. A reação foi imediata: como já era esperado, o Ministério Público (MP) irá ajuizar ação buscando aumento no repasse de verbas.
Pelos cálculos do Piratini, as despesas irão superar em R$ 4,3 bilhões o montante a ser arrecadado em 2020. Déficits fiscais são rotina no Estado há 10 anos - o último superávit foi obtido em 2009, na gestão Yeda Crusius. A novidade é que desta vez o Piratini não recorreu às chamadas receitas extraordinárias para tapar o buraco, tampouco previu qualquer aumento nos gastos. Nos últimos exercícios, além de conter um aumento de arrecadação que nunca se concretizava, o orçamento crescia 3% ao ano para cobrir o crescimento vegetativo da folha com promoções e avanços nas carreiras.
A medida foi tomada por Leite para tentar convencer técnicos da Secretaria de Tesouro Nacional que o Estado está empenhado em conduzir um duro ajuste para ingressar no regime de recuperação fiscal. Os reflexos imediatos são a suspensão no pagamento da dívida com a União e aval para obter empréstimos. Em audiência marcada para esta quarta-feira (1), em Brasília, com o ministro da Economia, Paulo Guedes, Leite pretende apresentar a aprovação da LDO como um trunfo do realismo orçamentário. No plano doméstico, porém, o governador se indispôs com os demais poderes.
Revoltados com a iniciativa do Piratini, agora os chefes do MP e do Tribunal de Justiça devem requerer judicialmente não só os 3% do crescimento da folha, mas também os 4,06% da inflação do período. Defensoria Pública, Tribunal de Contas e a própria Assembleia acompanham o movimento do MP mas não ingressarão na Justiça.
O MP chegou a cogitar desistir da judicialização. Na sexta-feira (5), os procuradores sugeriram uma última investida sobre os deputados que seria realizada durante a reunião de líderes na manhã desta terça. A iniciativa esbarrou na resistência dos desembargadores do TJ. Como até mesmo os coordenadores das bancadas estavam resistindo ao lobby, a ordem foi esperar a votação e deflagrar a disputa judicial.
Conscientes da derrota, os principais líderes dos poderes nem sequer foram à Assembleia nesta terça. Preferiram delegar a auxiliares do segundo escalão a última tentativa de convencimento dos deputados. Não deu certo. Com as galerias praticamente vazias e diante de uma matéria de escasso apelo popular, poucos parlamentares se revezaram na tribuna. Na base governista, a ordem era derrubar qualquer emenda, seja da oposição ou de aliados.
Há pelo menos uma semana um assessor da liderança do governo liderava a fila às portas do plenário para ser o primeiro a protocolar um requerimento que dava preferência ao texto original do Piratini. Assim foi feito e, sem maiores dificuldades, Leite colheu sua terceira vitória política de impacto este ano, após a manutenção do tarifaço nas alíquotas de ICMS e o aval para privatizar estatais de energia.
Vencida mais esta etapa, agora o governador prepara a defesa do Estado para a disputa judicial. Leite sabe que na Justiça estadual a derrota é certa, mas nutre esperanças de que sua política de realismo fiscal encontre guarida nos tribunais superiores, a exemplo da liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) que desde agosto de 2017 suspendeu o pagamento da dívida com a União.