O bate-cabeças no Palácio do Planalto tem causado desconforto até na base aliada do governo. O deputado delegado Waldir (PSL), chegou a dizer que nem mesmo o PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, está convencido sobre o texto enviado pelo Executivo com mudanças nas regras para a aposentadoria.
Líderes com experiência no Congresso dizem que o tratamento precisa mudar e será preciso calçar "sandálias da humildade". Em meio a rusgas com Câmara dos Deputados, Ministério Público Federal, Defensoria Pública da União e Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, o capital político do governo vai se perdendo. Relembre os principais conflitos em que o Executivo esteve envolvido com outros poderes nestes três primeiros meses do ano:
Câmara reduz poder do Executivo sobre Orçamento
A Câmara dos Deputados aprovou, a terça-feira (26), a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que obriga o governo a executar todo o Orçamento de investimentos e emendas de bancadas estaduais. A aprovação, em ampla maioria, representa nova derrota ao governo de Jair Bolsonaro. O agora texto segue para o Senado. A PEC torna o Orçamento mais engessado, pois classifica como obrigatório o pagamento de despesas que hoje podem ser adiadas, principalmente investimentos.
Apesar de articulação de líderes da Câmara ter o objetivo de mandar um recado para o Palácio do Planalto, o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que participou desde o começo da tratativa, negou que os deputados tenham imposto uma derrota ao governo, com quem Maia travou um embate nos últimos dias.
— Essa PEC reafirma a independência da Câmara. É um gesto importante do governo querer sinalizar pelo fortalecimento do Parlamento. Acho que é um momento histórico — ressaltou.
Comemoração do golpe militar
A Defensoria Pública da União (DPU) entrou na Justiça Federal de Brasília, terça-feira (26), com uma petição para proibir o governo federal de levar adiante eventos comemorativos do golpe militar de 31 de março de 1964. A medida é em resposta à determinação do presidente Jair Bolsonaro, divulgada na segunda-feira (25), que pediu "comemorações devidas" do 31 de março, de acordo com o porta-voz da Presidência, Otávio Rêgo Barros.
A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal afirmou que o apoio presidencial aos festejos pode ser considerado crime de responsabilidade. Segundo o órgão, utilizar a estrutura pública para defender e celebrar crimes "atenta contra os mais básicos princípios da administração pública, o que pode caracterizar ato de improbidade administrativa, nos termos do artigo 11 da Lei n° 8.429, de 1992."
Embate entre Maia, Moro e Bolsonaro
Em 20 de março, uma troca de mensagens deu início à série de declarações que abalaram o apoio ao governo Bolsonaro na Câmara dos Deputados, colocando em xeque a aprovação de pautas prioritárias, como a Reforma da Previdência. As afirmações e alfinetadas entre os presidentes da República, Jair Bolsonaro, e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ganhou ares de crise e preocupa o país.
Embate começou quando Maia determinou, em 14 de março, a criação de um grupo de trabalho para analisar o projeto de lei enviado por Sergio Moro para combater o crime organizado — o chamado pacote anticrime. Como o grupo de trabalho tem o prazo de 90 dias para debater as matérias, na prática, Maia suspendeu momentaneamente a tramitação da maior parte do pacote legislativo do ministro da Justiça. Moro cobrou celeridade no pacote anticrime, o que irritou Maia. O deputado disse que o projeto "não tem nenhuma novidade". Moro rebateu ao afirmar que, para alguns, combate ao crime pode ser adiado.
Depois de algumas alfinetadas de ambos os lados, um dos filhos do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro, provocou: "Por que o presidente da Câmara anda tão nervoso?". Ao saber da ligação de Maia para o ministro da economia Paulo Guedes dizendo que deixaria as negociações políticas da reforma, o presidente Jair Bolsonaro disse que não deu motivos para o parlamentar sair e comparou a relação com o líder da Câmara a um namoro.
— Você nunca teve uma namorada? E quando ela quis ir embora, o que você fez para ela voltar, não conversou? Estou à disposição para conversar com o Rodrigo Maia, sem problema nenhum — afirmou.
Decreto sobre sigilo a documentos públicos
Insatisfeitos com a falta de interlocução com o Palácio do Planalto, deputados impuseram a primeira derrota ao governo na Câmara em 19 de fevereiro. O plenário da Câmara aprovou um projeto que suspende os efeitos do decreto editado pelo vice-presidente Hamilton Mourão em janeiro, que ampliou a funcionários comissionados e de segundo escalão o poder de impor sigilo a documentos públicos. Antes, essa classificação era exclusiva presidente da República, vice-presidente, ministros de Estado, comandantes das Forças Armadas e chefes de missões diplomáticas ou consulares permanentes no Exterior.
A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão que integra o Ministério Público Federal (MPF), disse que o decreto violava a Constituição, pois afrontava "princípios legais de participação, transparência e controle da gestão pública, entre outros aspectos". Após revés, o presidente Jair Bolsonaro revogou o decreto. Mourão minimizou a situação e desconsiderou que a votação tenha sido indicativo de relação ruim entre Executivo e Legislativo e que a derrota fazia parte da democracia:
— Perdi. Perdeu, playboy. O pessoal do Congresso não gosta de mim. Se fosse o presidente, ia passar — disse, acrescentando depois: — Falei de brincadeira. Derrubaram porque, sei lá, queriam mostrar a posição deles. Isso é uma democracia.