Até então aliado na agenda do presidente Jair Bolsonaro (PSL), o deputado federal Rodrigo Maia (DEM) dá sinais de que pode deixar as trincheiras do governo. Após fogo amigo com ministros e, principalmente, com Carlos Bolsonaro, vereador no Rio de Janeiro e filho do mandatário da nação, o presidente da Câmara mostra insatisfação para batalhar pela aprovação de propostas do executivo na Casa.
Inclusive, já declarou a interlocutores seu afastamento da articulação pela principal bandeira do Planalto no momento: a reforma da Previdência. Em entrevista ao jornal O Globo, Maia disse que vai continuar defendendo a reforma, mas que só vai colocar em pauta quando Bolsonaro tiver os votos necessários para aprová-la.
— Vou pautar (a reforma) quando o presidente disser que tem votos para votar. A responsabilidade do diálogo com os deputados daqui para frente passa a ser do governo. É ele que vai negociar com os deputados. A reforma da Previdência continua sendo a minha prioridade, mas essa responsabilidade de articular com os deputados para construir uma base sólida é do presidente da República, não do presidente da Câmara. Ele tem que articular diretamente, chamar os presidentes dos partidos, as bancadas, ou chamar e ver no que dá — disse Maia.
Em Santiago do Chile, Bolsonaro disse que está "disposto a conversar" com Maia.
— Queria saber o motivo pelo qual o Rodrigo Maia está saindo, estou aberto a diálogo, qual o motivo? Eu não dei motivo para ele sair — afirmou Bolsonaro, que está em Santiago, no Chile.
Questionado sobre como tentaria convencê-lo a voltar, o presidente comparou a relação com o líder da Câmara a um namoro.
— Só conversando. Você nunca teve uma namorada? E quando ela quis ir embora o que você fez para ela voltar, não conversou? Estou à disposição para conversar com o Rodrigo Maia, sem problema nenhum.
Fogo cruzado com Carlos Bolsonaro e Sergio Moro
O gatilho mais recente para a insatisfação do democrata foi o disparo de tuítes do herdeiro "zero dois" no clã bolsonariano. Carlos foi às redes sociais defender Sergio Moro, com quem Maia vinha travando pequenos embates desde o início da semana. Isso porque o ministro da Justiça e Segurança veio a público cobrar celeridade no andamento de seu pacote anticrime na Câmara, o que Maia considera uma barricada para o andamento da reforma da Previdência.
Foi então, que, desde a última quarta-feira (20), as investidas de um contra outro tomaram contornos de um conflito mais acirrado. Depois de ficar com cara de poucos amigos durante entrega do projeto da reforma da Previdência para os militares — por defender a proposta sem contrapartida efetiva do Planalto até o momento —, Maia se referiu a Moro como "funcionário do presidente". O deputado disse que o pacote de medidas para segurança era cópia de um texto já apresentado pelo ministro Alexandre de Moraes.
— O funcionário do presidente Bolsonaro? Ele conversa com o presidente Bolsonaro e, se o presidente Bolsonaro quiser, ele conversa comigo. Eu fiz aquilo que eu acho correto (sobre a proposta de Moro). O projeto é importante, aliás, ele está copiando o projeto direto do ministro Alexandre de Moraes. É um "copia e cola". Não tem nenhuma novidade, poucas novidades no projeto dele — descarregou Maia.
Não demorou para o ex-juiz da Lava-Jato contra-atacar, ainda no mesmo dia. "Talvez alguns entendam que o combate ao crime pode ser adiado indefinidamente, mas o povo brasileiro não aguenta mais. Essas questões sempre foram tratadas com respeito e cordialidade com o presidente da Câmara, e espero que o mesmo possa ocorrer com o projeto e com quem o propôs. Não por questões pessoais, mas por respeito ao cargo e ao amplo desejo do povo brasileiro de viver em um país menos corrupto e mais seguro", declarou Moro, em um comunicado enviado pelo Ministério da Justiça.
Na quinta-feira (21), Carlos Bolsonaro, saiu em apoio ao ministro da Justiça publicando na rede de 140 caracteres: "Há algo bem errado que não está certo!". No instagram, seguiram as alfinetadas: "Por que o presidente da Câmara está tão nervoso?".
Estava instalado o clima de guerra fria.
Irritado, o deputado telefonou para o ministro da Economia Paulo Guedes e disse que, se é para ser atacado nas redes sociais por filhos e aliados de Bolsonaro, o governo não precisa de sua ajuda.
Para colocar mais lenha na fogueira, deputados e senadores do PSL — partido de Bolsonaro — comemoraram na quinta-feira a prisão do ex-presidente Michel Temer e do ex-ministro de Minas e Energia Moreira Franco, padrasto da mulher de Maia. O presidente da Câmara suspendeu sua agenda de trabalho ao saber das detenções.
Nesta sexta-feira (22), no entanto, houve um aceno de paz. O senador Flávio Bolsonaro, "zero um" da família, afirmou no twitter que Maia é " fundamental na articulação para aprovar a Nova Previdência e projetos de combate ao crime. "
Na semana que vem, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados receberá o ministro Paulo Guedes, para uma explanação sobre as propostas de reforma da Previdência geral e a dos militares. A reunião será a partir das 14h.
A participação de Guedes na CCJ é considerada atípica e resultado da desarticulação do governo, uma vez que a comissão não analisa o mérito da proposta, apenas sua admissibilidade.