A vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições para presidência da República, com 50,9% dos votos, desencadeou uma série de protestos de caminhoneiros e apoiadores de Jair Bolsonaro (PL). Ao contrário do presidente, que não se manifestou publicamente sobre a derrota nas urnas, grupos de apoiadores do candidato à reeleição iniciaram, já na noite de domingo (30), uma série de manifestações com bloqueios de rodovias e queima de pneus. De acordo com dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF), os protestos foram registrados em pelo menos 300 pontos em 21 Estados.
Natural de Santa Maria e morador de Florianópolis, em Santa Catarina, o designer gráfico Alexandre Martins Vidor, 25 anos, viajou até a região central do RS para votar no domingo (30). O que ele não sabia era que a viagem de volta para casa seria interrompida pelos protestos. Alexandre saiu de Santa Maria às 19h de domingo com a previsão de chegar à capital catarinense entre 5h e 6h desta segunda-feira (31).
Contudo, às 2h30min, o ônibus em que ele viaja estacionou em um paradouro na cidade de São João do Sul, município a 22km de distância de Torres, no litoral norte gaúcho, onde ele permanecia até a noite desta segunda, sem previsão de saída.
— No início, eu estava bem incrédulo de que fosse desse nível. Perdi um dia de trabalho. Eu não posso reclamar, tenho onde me abrigar, dormir, ir ao banheiro, enquanto tem muita gente presa no trânsito, mas é uma situação bem revoltante — comenta.
Assim como ele, o ouvinte da Rádio Gaúcha Demétrio Benites contou em entrevista ao Gaúcha+ como foram as últimas 17h dentro de um ônibus da empresa Santo Anjo. Ele deixou a rodoviária da Capital às 22h do domingo e ainda estava parado na rodoviária de Criciúma até por volta das 16h30min desta segunda.
No Rio Grande do Sul, mais de 70 rodovias tiveram protestos ou bloqueios ao longo dessa segunda-feira. Até as 23h, a PRF contabilizava 40 rodovias federais do Estado com manifestações, em pontos que vão desde a Fronteira Oeste, como na BR-158, em Santana do Livramento, onde ocorreu bloqueio parcial com liberações a cada 30 minutos, se estendendo até o Norte, onde houve bloqueio total na BR-153, em Erechim.
Conforme levantamento divulgado às 22h25min pelo Comando Rodoviário da Brigada Militar (CRBM), nas rodovias estaduais eram pelo menos 39 pontos de manifestações e bloqueios. Na RS-446, na Serra, focos de queima de pneus foram registrados ainda na noite de domingo, em Carlos Barbosa, no Km 11, trecho em direção a Bento Gonçalves. Na RS-122, os bloqueios também iniciaram em diferentes trechos na noite de domingo.
Até as 19h20min desta segunda-feira, eram 300 pontos de protestos no país, conforme levantamento g1, nos seguintes Estados: Bahia, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraná, Rio de Janeiro, Rondônia, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Tocantins, Amazonas, Acre, Roraima, Maranhão, Amapá, Paraíba e Pernambuco.
Entre os que tiveram maior número de casos, Santa Catarina registrou 42 bloqueios, Mato Grosso do Sul, 32 interdições, Paraná teve 18 interdições e 6 bloqueios, Pará teve 17 interdições, mesmo número de Rondônia. Goiás registrou 10 interdições, Rio de Janeiro, 9 interdições, São Paulo teve 7 bloqueios.
Em nota, a PRF disse que "segue atenta, monitorando todas as ocorrências e com efetivo empregado na tarefa de garantir fluxo viário normal a todos os cidadãos".
Decisões liminares
A PRF acionou a Advocacia-Geral da União (AGU) em todo o país para garantir, via liminar, a livre circulação nos trechos. Em pelo menos seis Estados as liminares foram concedidas durante a noite, sendo eles: Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná, Mato Grosso do Sul, Goiás e Pará.
Na noite desta segunda-feira, a PRF no Rio Grande do Sul emitiu uma nota informando que obteve uma liminar determinando a liberação das rodovias federais por pessoas e veículos de carga, sendo obrigatório o imediato cumprimento por parte dos manifestantes.
De acordo com a PRF gaúcha, a decisão prevê multa pecuniária no valor de R$ 10 mil por pessoa física e de R$ 100 mil por pessoa jurídica participante, sendo automaticamente duplicada a cada hora de permanência da conduta ilegal.
Intervenção do STF
Ainda durante a noite, o ministro Alexandre Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que a PRF e as polícias militares dos Estados (no Rio Grande do Sul, no caso, a Brigada Militar) liberem imediatamente as rodovias bloqueadas por apoiadores de Bolsonaro.
A decisão deixa expresso que, se a PRF não agir “imediatamente”, o diretor-geral, Silvinei Vasques, poderá ser afastado do cargo e preso em flagrante por crime desobediência e omissão. Além disso, fixa multa de R$ 100 mil a cada hora de descumprimento da determinação, a contar do início desta terça-feira (1º), a ser paga por Vasques.
Moraes ordenou que a PRF e as Polícias Militares tomem “todas as medidas necessárias e suficientes” para desmobilizar os manifestantes, inclusive nos acostamentos. Ele também determinou a identificação dos caminhões envolvidos nos bloqueios para aplicação de multas.
Autoria dos protestos
A Polícia Federal (PF) investiga se as manifestações foram organizadas de forma espontânea por apoiadores de Jair Bolsonaro ou se foram orquestradas por grupos vinculados ao presidente. Um dos casos investigados é de um dono de transportadora em Santa Catarina, que fala em vídeo em convocar mais de 300 bloqueios no país, para livrar o Brasil "da ameaça comunista" pós-vitória de Lula. A preocupação dos policiais é checar se isso caracteriza locaute (greve patronal).
O presidente da Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam), José da Fonseca Lopes, diz ser contrário aos bloqueios nas rodovias. Segundo o dirigente, é preciso respeitar o resultado das urnas e sentar com o novo governo para negociar antes de apelar para os protestos.
A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes e Logística (CNTTL) garantiu, em nota enviada à imprensa, "defender a democracia" e "respeitar o resultado soberano das urnas".
— Vivenciamos uma ação antidemocrática de alguns segmentos que não representam a categoria dos caminhoneiros autônomos de não aceitação do resultado das urnas. Precisamos respeitar o que o povo decidiu nas urnas: a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva. Esse projeto que está foi derrotado ontem (domingo, 30) — ressaltou o diretor da CNTTL, o caminhoneiro autônomo de Ijuí Carlos Alberto Litti Dahmer.
Manifestações oficiais
Em nota, o presidente da Frente Parlamentar dos Caminhoneiros, Nereu Crispim (PSD-RS), afirma que os caminhoneiros que estão bloqueando as vias nesta segunda-feira são um "grupo de baderneiros" e não representam a categoria.
Reeleito ao governo do RS com 57,12% dos votos, Eduardo Leite (PSDB) condenou o bloqueio de estradas e defende ação policial para coibir as manifestações.
—Lamento profundamente que estejamos assistindo a esse tipo de manifestação. A democracia teve o seu momento mais alto a partir da decisão do voto popular. Tem de ser repudiado e combatido pelas forças policiais para fazer valer a força do voto. Manifestação de irresignação é até descabido, mas é legítimo em uma democracia que as pessoas manifestem sua tristeza. Mas bloqueando as estradas, jamais — disse Leite, no início da tarde.
No fim da tarde, o governador do RS, Ranolfo Vieira Júnior, instalou um gabinete de crise, por meio de decreto, para gerenciar a situação dos protestos. O governador disse que a desobstrução será feita com diálogo, de forma pacífica.
— O gabinete tem como objetivo monitorar e gerenciar a situação. Neste primeiro momento, estamos fazendo a desobstrução das vias com diálogo e negociação, de forma pacífica, para proteger a sociedade e evitar maiores prejuízos — afirmou.
Segundo o secretário estadual da Segurança Pública, Vanius Cesar Santarosa, as forças de segurança já estão atuando nas rodovias do RS.
— Na maioria dos pontos, com a negociação, houve um recuo e uma sensibilização do movimento e a permissão de passagem dos veículos, sendo mantidas interdições parciais ou liberações de 10 em 10 minutos — afirmou.