Eduardo Leite (PSDB) está rouco. O que restou da voz após os discursos e a cantoria na festa da vitória, sob a chuva que caiu na noite de domingo na Capital, foi consumido nessa segunda-feira (31), em sucessivas entrevistas à imprensa. A disposição do tucano, porém, segue intacta. Primeiro governador reeleito do Rio Grande do Sul, Leite não quer perder tempo. Já na transição, pretende agilizar uma das prioridades do segundo mandato, integrando as pastas de Educação e de Obras para acelerar a reformas de escolas.
Ciente dos desafios impostos pela conquista inédita, o tucano fala em conversar com a oposição à esquerda e à direita, para imprimir um governo de conciliação. Não à toa, a palavra mais repetida na entrevista a GZH foi convergência. Leite quer fazer da melhora da performance do Estado a marca da nova gestão. Para tanto, pretende renovar o secretariado, mas conta com o retorno do secretário da Fazenda, Marco Aurélio Cardoso, um dos responsáveis pelo equilíbrio das contas públicas nos últimos quatro anos.
— É um profissional da melhor qualidade, não apenas do ponto de vista técnico, mas também do ponto de vista político. Se ele tiver disponibilidade e interesse de participar novamente é um nome considerado — comentou.
Confira a seguir a entrevista:
O senhor quebrou o dogma da reeleição no RS após privatizar estatais, descumprir promessas de campanha, como a venda da Corsan e não disputar um novo mandato, renunciou na expectativa de concorrer à presidência, se assumiu gay e não revelou posição na eleição nacional. Não é pouca coisa num Estado tão conservador. Ainda assim virou a eleição com quase 15 pontos de vantagem. A que o senhor atribui uma vitória tão ampla e histórica?
Boa pergunta. Na verdade, posso ter até mudado posições a respeito da Corsan e da reeleição, mas nunca mudei de princípios. Acho que isso foi percebido pela população. E um dos princípios se revelou especialmente relevante nesse contexto que a gente está vivenciando no Brasil, que é o respeito, a capacidade de ouvir as pessoas. No momento em que tentaram fazer da política uma guerra entre o bem e o mal, nós apresentamos um caminho que tem agenda, tem visão clara sobre como o Estado deve se organizar, com reformas que muitas vezes geram conflitos, mas que levamos adiante sem passar por cima de ninguém. Embora tenhamos tido divergências e enfrentamentos, foi sempre respeitando o contraditório.
O que o senhor acha que foi preponderante para a vitória?
Seguramente o que me possibilitou foi ter capacidade de diálogo e respeito
As razões do voto são diversas. Mas nós produzimos resultados. As pessoas perceberam isso, as obras, investimentos, novos serviços que o Estado passou a fazer a partir dessa retomada de capacidade de investimentos. A população também entendeu que a reeleição pode ser um fator importante para o Estado, uma continuidade de governo. E há também aqueles que votaram mesmo com divergência programática, mas entendendo que do nosso lado há diálogo, há respeito, especialmente em contraste com o nosso adversário. Há uma série de razões que nos trouxeram até aqui, mas seguramente o que me possibilitou foi ter capacidade de diálogo e respeito, podendo ter convergência com e quem estava votando num ou no outro candidato na guerra política nacional.
O senhor governou com uma base de 40 deputados, por vezes 42. Agora a Assembleia terá 19 deputados de esquerda e 16 de partidos que apoiaram seu adversário. A sua base, os aliados e contando defecções do PP, somam 18 votos. Como governar neste cenário?
Na eleição passada, eu disputei o segundo turno com o MDB e isso não obstaculizou a parceria que construímos. Eleição é momento de divergência, de ressaltarmos onde somos diferentes. Passado o processo eleitoral, é hora de diálogo com os partidos para construirmos uma base consistente na Assembleia.
O senhor vai atrás do PL, do Republicano e do PP, que estavam com Onyx Lorenzoni?
Seguramente. Já participaram do meu governo. Vamos conversar e também manter o bom diálogo. Inclusive com o PDT e o PT, para que mesmo que estejam na oposição, possamos ter uma oposição pela lógica republicana, respeitosa.
O voto dos petistas foi fundamental para sua vitória, assim como o voto da bancada do PT havia sido fundamental para o senhor na manutenção das alíquotas majoradas do ICMS, em 2018 e 2020. O senhor já fez um aceno no segundo turno, ao deixar claro que não irá privatizar o Banrisul. Que outras pautas caras à esquerda o senhor pretende incorporar?
Nós nunca negociamos apoio. A declaração do voto, ainda que dentro de um apoio crítico, veio na convergência à democracia. Isso reforça o ambiente de diálogo. Tenho confiança que encontraremos novos pontos de convergência, principalmente na área social. Vamos conversar para ver quais pautas que estão na agenda deles e possam ser incorporadas não apenas como retribuição, mas como convergência. Além da preocupação com o combate à pobreza, Edegar Pretto trouxe ao debate a agricultura familiar.
O PSB fez parte do seu governo. Pode voltar? E o PDT, o senhor pretende convidar para se incorporar à gestão?
É prematuro dizer. No segundo turno, quando os dois partidos decidiram nos apoiar, nunca conversamos sobre participação do governo. Nem eles pediram, nem nós oferecemos. O apoio veio pela convicção de que o caminho alternativo não era bom para o Estado. Do nosso lado, haverá. Agora vamos conversar e identificar se é o caso de avançarmos uma composição do governo.
O senhor disse na campanha que não vai tentar uma nova reforma tributária, mas há um desafio enorme pela frente que é a recomposição das receitas do ICMS. Há algum plano para isso sem depender do governo federal?
O caminho a se buscar é na relação com o governo federal. Confio muito nessa direção
O caminho a se buscar é na relação com o governo federal. Confio muito nessa direção na medida em que não é um problema apenas do Rio Grande do Sul, é um problema nacional, dos Estados e municípios. Senão o Estado vai ser forçado a fazer forte redução de despesas, o que vai comprometer os serviços. Não existe dinheiro do governo ou do governador, existe o dinheiro que financia a saúde, a educação, as obras. Tudo isso acabará sendo impactado.
O senhor enfatizou a educação como prioridade de seu novo mandato, algo que nenhum outro governador conseguiu fazer nas últimas décadas. Que mudança objetiva o senhor quer implantar e que resultado espera repassar ao sucessor daqui a quatro anos?
Do ponto de vista pedagógico, já há um esforço sendo feito e que produzirá resultados. No programa Aprende Mais, há os testes de fluência para identificar a proficiência dos alunos, temos material pedagógico, capacitação dos professores, inclusive com bolsa-formação. O que vamos precisar agir fortemente é na infraestrutura das escolas, onde estamos deficientes.
Como o senhor pretende acelerar os avanços nessa área?
Vamos reorganizar internamente a Secretaria de Educação e a Secretaria de Obras. É uma das primeiras coisas que já quero tocar na transição, identificando junto a equipe do governo as ações para reestruturar a máquina no sentido de dar fôlego e agilidade para a elaboração de projetos e contratação de reformas. Elas serão essenciais pra avançarmos na meta de 50% das escolas de ensino médio com tempo integral. Vamos precisar ter refeitórios, quadras esportivas qualificadas e ambientes mais atraentes aos alunos.
Outro desafio histórico e promessa de campanha são as políticas de irrigação. Que modelo específico o senhor pretende implementar e em quanto tempo?
Você não aperta um botão e resolve tudo. A irrigação pressupõe você reservar água, que é inundar um território. Isso tem impacto ambiental e gera embaraço. Você pode reservar a água da chuva e de cursos d’água, mas é ambientalmente mais sensível, porque tem mata nativa e legislação federal para preservação. O Estado terá de avançar tanto quanto possa no seu ambiente regulatório local, com desburocratização de licenças e ampliação da competência dos municípios para licenciamento. No financiamento, o governo criou o programa Irriga Mais, mas não conseguiu avançar por conta do ano eleitoral. Vamos buscar avançar nessas duas frentes, mas não para fazer a qualquer custo.
No primeiro mandato, o senhor privatizou estatais e fez as reformas da previdência e administrativa. O que fica para o segundo mandato?
Do ponto de vista estrutural, a prioridade é ajustar a máquina para melhorar performance
Do ponto de vista de reforma, a que terá certa urgência é a do IPE Saúde. Vamos revisitar o modelo contributivo para garantir sustentabilidade, o que não necessariamente envolverá aumento de alíquotas. Queremos cobrança mais justa, o que pode significar aumento para alguns e redução para tantos outros. Do ponto de vista estrutural, a prioridade é ajustar a máquina para melhorar performance. O primeiro governo foi para equilíbrio de despesa e receita. Agora é muito mais para dentro do governo, com revisão de estruturas, formação de equipes para melhorar a capacidade de resposta, de entrega do governo.