Aos 37 anos, Eduardo Leite (PSDB) quebrou dois tabus de uma tacada só neste domingo (30) e tornou-se o primeiro governador a conquistar a reeleição desde que esse instituto foi criado. Leite é também o primeiro político assumidamente gay a conquistar o Palácio Piratini — em 2018, apenas a família, os amigos e parte dos eleitores de Pelotas sabiam de sua orientação sexual.
A tentativa de desqualificá-lo por não ter "uma primeira-dama de verdade", feita por Onyx Lorenzoni (PL) no primeiro programa do horário eleitoral no segundo turno acabou marcando a segunda fase da campanha e colando no adversário a pecha de homofóbico. Em 2018, houve uma tentativa de desqualificá-lo por ser homossexual, com o uso de mensagens anônimas. Uma foto do então candidato com o irmão segurando a mãe em uma praia de Punta del Este foi usada como se o rapaz fosse seu namorado.
À época, Leite dizia que sua sexualidade era um "não assunto", mas em 2021, então candidato à prévia do PSDB tornou público em uma entrevista ao jornalista Pedro Bial que era gay e tinha namorado, o médico Thalis Bolzan. Furou a bolha para a campanha da reeleição conseguiu focar o debate no que interessava: os erros e acertos de seu governo e as propostas para um segundo mandato.
Depois de passar para o segundo turno com vantagem de apenas 2.441 votos sobre Edegar Pretto (PT), Leite só conseguiu se reeleger graças ao apoio dos líderes petistas e aos votos dos eleitores de esquerda. Não deixa de ser uma ironia: ele, que em 2018 abriu voto para Jair Bolsonaro (PL) com o argumento de que o fazia, mesmo tendo ressalvas ao candidato, para não votar no PT, virou a opção dos petistas para impedir a ascensão de Onyx, um dos homens mais próximos de Bolsonaro.
Para que o PT passasse da neutralidade anti-Onyx à recomendação de voto em Leite foi preciso que dois dos seus principais líderes, os ex-governadores Tarso Genro e Olívio Dutra tomassem a frente. O apoio não implica oferta de cargos, mas deixa o governador reeleito com uma eterna dívida de gratidão. O PT não exigiu nem mesmo o que seria uma contrapartida natural, o apoio de Leite ao ex-presidente Lula, porque entendeu que poderia significar a vitória do bolsonarismo por linhas tortas.
Criticado por ficar em cima do muro na eleição presidencial, Leite deu sinais inequívocos de que votaria em Lula, mas fez um cálculo político: se abrisse o voto, correria o risco de perder os mais de 400 mil eleitores que no primeiro turno combinaram seu nome com o de Bolsonaro na urna. Foi o segundo movimento aparentemente errado que se revelou um acerto do ponto de vista pragmático.
O primeiro havia sido a renúncia, no final de março deste ano. Depois de perder a prévia para João Doria, em novembro de 2021, Leite começou a construir o caminho para o recuo da promessa feita em 2018 e reiterada ao longo do mandato, de que não disputaria a reeleição. No dia em que deixou o Palácio Piratini, depois de decidir continuar no PSDB, declarou:
— A renúncia me abre muitas possibilidades, mas não me tira nenhuma.
Quando percebeu que o projeto eleitoral nacional não prosperaria, porque João Doria demorou para desistir da candidatura, Leite fez uma curva e passou a trabalhar pela reeleição, caminho dificultado pela mágoa do MDB e pela existência de outros candidatos cujos partidos haviam participado do governo.
Desafios ao quadrado
Além de precisar recompor a base aliada, Eduardo Leite enfrentará desafios ainda maiores do que quando assumiu o governo em 2019.
Ainda que as contas estejam em dia e comece o ano com o 13º pago, a arrecadação sofrerá um baque com a perda de receita decorrente da redução do ICMS de energia, combustíveis e telecomunicações.
O governo também terá de encontrar um jeito de pagar os professores aposentados sem usar o dinheiro do Fundeb, problema apontado reiteradas vezes por Onyx Lorenzoni durante a campanha.
Retribuição democrática
Reeleito com o apoio do PT, o mínimo que Eduardo Leite poderá fazer para retribuir é convencer seus aliados a não permitirem que prospere a tese de excluir a maior bancada do comando da Mesa Diretora.
O argumento passa longe do toma lá, dá cá: é questão de respeito à democracia e à tradição consolidada nos últimos anos.
PT/PCdoB, PP e MDB são as três maiores bancadas. O quarto ano terá de ser negociado entre PSDB, PL e Republicanos, que fizeram cinco cadeiras.
Quem sobe e quem desce com a vitória de Leite
SOBEM
— Gabriel Souza: Candidato à revelia dos caciques do MDB, o vice-governador eleito passa a ser o principal líder do partido no Estado. Como o PSDB terá uma dívida com o MDB, passa a ser o candidato natural ao Piratini em 2026.
— Ranolfo Vieira Júnior: O governador era vice de Leite e teria sido o candidato se prosperasse o projeto nacional do titular. Quando Leite decidiu concorrer à reeleição, Ranolfo abriu mão da candidatura sem pestanejar. Secretário da Segurança, será o que quiser, segundo Leite.
— Aod Cunha: Amigo e conselheiro, o ex-secretário da Fazenda foi uma das figuras mais importantes nos bastidores da campanha. No primeiro governo, não foi secretário porque não quis. Agora, só não será se não quiser.
— Juvir Costella: O ex-secretário de Infraestrutura foi o primeiro deputado do MDB a assumir a defesa da aliança com Eduardo Leite. Deputado mais votado da legenda, poderá ser o líder do governo ou retornar ao secretariado.
— Nadine Anflor: Ex-chefe de Polícia, a delegada se elegeu deputada estadual e é um nome em ascensão no PSDB.
— Valdir Bonatto: Ex-prefeito de Viamão, deputado mais votado do PSDB, é forte candidato a um cargo no primeiro escalão, o que garantiria uma vaga para o suplente Jesse Sangali, do Cidadania, partido que formou uma federação com o PSDB.
— Frederico Antunes: Como líder do PP, foi decisivo para a aprovação dos projetos complexos. Seu sonho é ser conselheiro do Tribunal de Contas. A participação no governo depende de o PP entrar ou não na base. Foi um dos dois deputados que anunciaram apoio a Leite no segundo turno.
— Família Covatti: Ex-secretários da Agricultura, o deputado federal Covatti Filho e sua mãe, Silvana, deputada estadual, integram o grupo de dissidentes do PP que apoiaram Leite no segundo turno.
— Márcio Biolchi: Deputado federal, trabalhou ao lado de Giovani Feltes pela aliança com o PSDB e sempre esteve ao lado de Gabriel Souza. Se for para o secretariado, abre vaga para Feltes na Câmara.
— Paula Mascarenhas: Prefeita de Pelotas, foi vice de Leite e sempre esteve ao seu lado. A partir de 2025 deverá ocupar uma secretaria, pela competência demonstrada como prefeita e pela proximidade com o governador, de quem é amiga e confidente.
— Nelson Marchezan Júnior: Primeiro suplente do PSDB, o ex-prefeito de Porto Alegre tanto pode ser secretário como assumir a cadeira na Câmara se Lucas Redecker ou Daniel Trzeciak ocupar um cargo no primeiro escalão.
DESCEM
— Sebastião Melo: Ao se omitir no primeiro turno e aderir a Onyx Lorenzoni no segundo, o prefeito de Porto Alegre queimou as pontes que poderiam fazer dele o candidato do MDB a governador em 2026. Poderá migrar para outro partido por falta de clima no MDB.
— Osmar Terra: Com a derrota de Onyx Lorenzoni, a quem apoiou desde o primeiro turno, o deputado deverá deixar o MDB na janela de 2026 ou antes, em caso de reestruturação partidária.
— Onyx Lorenzoni: Sem mandato pelos próximos quatro anos e sem o presidente Jair Bolsonaro para lhe dar guarida, Onyx deve se aposentar aos 68 anos, depois de sete mandatos de deputado federal e estadual. A prefeitura de Porto Alegre, que já foi seu projeto político, sai do horizonte, seja porque seria uma espécie de Segunda Divisão, seja porque na Capital ficou em terceiro lugar no primeiro turno e perdeu de goleada no segundo. Onyx fez 31,02% dos votos na Capital contra 68,98% de Leite.
— Tiago Simon: Derrotado na eleição de 2 de outubro, o filho do senador Pedro Simon trabalhou contra a aliança com o MDB e escolheu Onyx Lorenzoni no segundo turno. Como é o terceiro suplente, só assumirá uma cadeira na Assembleia se Leite chamar três deputados do MDB para o secretariado, o que é improvável. Deve ocupar um cargo na prefeitura.
— Nádia Gerhard: Presença certa no secretariado se Onyx vencesse a eleição, restará à vereadora concluir o mandato e tentar a reeleição em 2024 ou a prefeitura.
— Marco Alba: Segundo suplente do MDB, assumiu ao lado da esposa Patrícia, deputada estadual, a frente de apoio a Onyx, de quem provavelmente seria secretário se o candidato do PL tivesse sido eleito.
Deus não quis
Na campanha, Onyx Lorenzoni usou e abusou da frase "se Deus quiser e os gaúchos me escolherem".
Os gaúchos não o escolheram. Entre outros motivos, por entenderem que estava usando o nome de Deus em vão.
No último debate, na RBS TV, sua esposa, Denise, ficou no estúdio. Nos intervalos, os dois rezavam juntos e foi possível ouvir pelo menos um dos conselhos dela para o marido:
— Não é você que está falando. É Deus.