Estava demorando para a homofobia latente nos bastidores ganhar protagonismo na campanha eleitoral. Na estreia da propaganda de rádio, o candidato Onyx Lorenzoni (PL) explicitou o que antes só insinuava: que seu diferencial competitivo na disputa com Eduardo Leite é ser casado com uma mulher. Como o Brasil inteiro sabe, porque o próprio tornou pública sua orientação sexual numa entrevista ao jornalista Pedro Bial, Leite é gay, tem um namorado, o médico Thalis Bolzan, e sua família toda lida muito bem com isso.
“Os gaúchos e as gaúchas entenderam que vão ter, se for da vontade de Deus e do povo gaúcho, um governador e uma primeira-dama de verdade, que são pessoas comuns e que têm uma missão de servir e transformar a vida dos gaúchos para melhor”, disse o candidato no programa.
Ao defender o voto em Onyx para que o Rio Grande do Sul tenha “uma primeira-dama de verdade” a campanha do candidato do PL rebaixa o debate eleitoral. Porque não está em discussão neste segundo turno se um é mais macho do que o outro, mas que propostas têm os que se classificaram para o segundo turno.
No primeiro, com 10 candidatos, a sexualidade só apareceu de forma dissimulada nos comentários públicos, embora se saiba que proliferaram comentários homofóbicos nas redes antissociais. Onyx sempre valorizou a figura da esposa, Denise, dizendo que se eleito os dois vão governar juntos. Tudo certo. Ela é a conselheira, a mulher que o transformou em evangélico fervoroso, a coordenadora informal do marketing da campanha.
Cada governador deu à primeira-dama o papel que achou mais conveniente — a maioria com atuação na área social. O fato de ser viúvo não fez de Pedro Simon (MDB) um governador melhor nem pior. Alceu Collares (PDT) deu protagonismo a Neuza Canabarro, Antônio Britto era casado à época com Wolia, que nunca se envolveu nos assuntos de governo. Olívio Dutra (PT) mudou-se para o Palácio Piratini e dona Judite teve atuação na área social. O mesmo fez Cláudia Rigotto, sem morar no Piratini.
Yeda Crusius (PSDB), primeira mulher a governar o Estado, não teve primeira-dama. O marido, Carlos, era uma espécie de conselheiro no início, mas depois os dois se separaram e nem por isso ela deixou de equilibrar as contas do Estado. Depois dela veio Tarso Genro, cuja esposa era médica e não se envolvia com as questões de governo. José Ivo Sartori (MDB) o sucedeu e dona Maria Helena ganhou status de secretária de Estado. Leite ganhou a eleição de 2018 sendo o primeiro governador solteiro. Vivia no Palácio Piratini com dois cachorros e isso não impediu de aprovar as reformas que os empresários elogiam e os servidores públicos criticam.
Que Onyx critique Leite pelas escolas sucateadas ou pela demora na execução de obras para as quais tem dinheiro. Que condene a proposta de investir R$ 500 milhões em rodovias federais que o governo de Jair Bolsonaro não investiu, é do jogo. Mas fazer campanha aberta ou dissimulada usando o fato de Leite ser gay é um desrespeito à pluralidade e aos direitos humanos. Dizer que se for eleito Denise será “uma primeira-dama de verdade” é desrespeitar as outras mulheres de ex-governadores e a mulher do atual, Ranolfo Vieira Júnior, dona Sônia.
O Rio Grande do Sul merece uma campanha propositiva, que discuta seus problemas e as soluções possíveis, sem golpes abaixo da cintura.
Ranolfo lamenta "ataque eleitoreiro"
O governador Ranolfo Vieira Júnior (PSDB), que foi vice de Leite até março, usou as redes sociais para lamentar "a tentativa de desqualificar" o candidato tucano "se utilizando de condições conjugais e familiares". Numa sequência de tuítes, Ranolfo lembrou que deixou o PTB em 2021 após "ataques discriminatórios" do presidente do partido, Roberto Jefferson.
Na época, Jefferson fez ataques a Leite com insinuações de cunho homofóbico. O presidente do PTB cumpre prisão domiciliar.
"A política só perde quando o tom desce. É lamentável a tentativa de desqualificar um adversário se utilizando de condições conjugais e familiares. Em nome da história do Rio Grande do Sul, precisamos um olhar humano e plural", escreveu Ranolfo.