Depois do teste de nervos no domingo, marcado pela demora na apuração dos votos, a candidata à prefeitura de Porto Alegre Manuela D’Ávila (PCdoB) dedicou a largada do segundo turno, nesta segunda-feira (16), a costurar apoios e a conceder entrevistas.
Ao longo do dia, Manuela falou com possíveis parceiros e alinhavou as primeiras alianças na nova fase da disputa – com a Rede e com o PSOL de Fernanda Melchionna.
A seguir, confira os principais trechos da entrevista concedida entre uma conversa e outra na sede do Instituto E se fosse você?, na Capital, fundado pela ex-deputada em 2019, para combater fake news.
A senhora liderava as pesquisas, mas acabou ficando atrás de Sebastião Melo na votação. Como avalia isso?
As pesquisas identificam os sentimentos da população, e a população de fato quer mudar Porto Alegre, mas fomos submetidos a 10 dias de ataques brutais na TV, de ataques nos debates, algo que Porto Alegre nunca viu contra uma candidata. Também fomos alvo de distribuição de mentiras. Tiramos 529 mil notícias falsas do ar.
Então a virada de Melo não surpreendeu?
Não. É uma grande vitória termos chegado ao segundo turno, apesar de tanto desequilíbrio. Agora poderemos fazer, e brinquei sobre isso com o Márcio Chagas (ex-juiz de futebol e vice de Fernanda Melchionna, que declarou apoio a Manuela), uma marcação homem-mulher, de um para uma. Vai ser um jogo equilibrado. Já propus ao meu adversário que estabeleçamos um nível mais elevado no segundo turno. As urnas deram vários recados, e uma voz falou mais alto: o campeão foi a abstenção.
A estratégia para conquistar os eleitores ausentes é uma campanha limpa?
Sim, apostar no debate sobre a importância da prefeitura. Imagina uma mãe que não tem vaga na creche e que, mesmo assim, achou que não era importante sair para votar? Isso tem de significar algo para quem quer governar a Capital. O povo nos fala, inclusive quando não nos escolhe. O recado da cidade foi: nós não gostamos desse primeiro turno. Foi uma campanha de violência e de baixarias. Tentamos debater a cidade, mas fizemos esse debate sozinhos.
No primeiro turno, oponentes a chamaram de comunista, disseram que a senhora quer estatizar tudo, que é vinculada a um projeto de esquerda que deu errado no país. Qual é a sua resposta para isso?
O povo está cansado da política deles, daqueles que estão reunidos agora discutindo quem vai voltar a ser secretário. O povo está cansado disso e de gente que fala uma coisa numa eleição e depois fala outra, como se política fosse uma roupa que a gente pode trocar como quem olha um guarda-roupa. Debateremos propostas e compararemos quem somos, quem fomos e o que defendemos para a cidade.
Vocês irão explorar o passado de Melo, que já se identificou com a esquerda e hoje está mais próximo da direita?
O povo está cansado disso e de gente que fala uma coisa numa eleição e depois fala outra, como se política fosse uma roupa que a gente pode trocar como quem olha um guarda-roupa.
MANUELA D'ÁVILA
Não quero debater o passado de ninguém no sentido pejorativo. Quero debater propostas e quero saber o fez com que ele deixasse de acreditar, por exemplo, que a Carris devia ser pública. Em 2016, ele foi para a porta da empresa denunciar o projeto de venda e hoje defende publicamente a privatização. Quero saber que razões fazem com que alguém mude a opinião sobre temas relevantes para a vida da cidade. Porto Alegre merece saber.
Melo tem dito que, se vencer, vai liberar todas as atividades econômicas a partir de 1º de janeiro. Qual é a sua posição?
Minha posição é que a partir de 30 de novembro vou trabalhar para que a segunda onda não chegue. Temos um plano para evitar o fechamento. Não por acaso, a nossa candidatura tem uma postura responsável desde o início.
Seu adversário escolheu o desenvolvimento econômico como principal tema no segundo turno. Qual será o seu foco?
Nosso foco é cuidar das pessoas. Isso significa trabalho e renda, mas também saber que nós, mulheres, não trabalhamos sem creches para nossos filhos. Significa garantir que o microcrédito chegue aos empreendedores de bairro e que a pandemia não chegue para que o comércio fique aberto. Significa garantir que as equipes (nos postos) irão contar com agentes comunitários de saúde. Significa que precisamos garantir qualificação profissional e, no nosso caso, que as compras públicas sejam elementos de desenvolvimento. Significa também garantir que a nossa população seja protegida com a nossa política de fome zero municipal. Então, não existe como desvincular a geração de trabalho e renda do cuidado com as pessoas. Quero que alguém me diga se é possível imaginar uma Porto Alegre que gere emprego e que não combata o trabalho infantil. Para mim é impossível que alguém se conforme com a ideia de que vai debater a retomada do ano letivo e desconsidere que as crianças não estão em casa. Estão nas sinaleiras trabalhando. O tema relacionado ao desenvolvimento econômico está intimamente ligado a cuidar das pessoas, porque as nossas pessoas estão vulnerabilizadas. Só não vê quem não quer ou faz de conta que não enxerga.
No segundo turno, a senhora está livre das agressões de Rodrigo Maroni (PROS), que a elegeu como alvo nos debates. Até que ponto isso a abalou?
Vivi uma campanha em que o tempo de TV de adversários, nos últimos dias, foi destinado a me atacar e em que todos candidatos homens silenciaram diante de uma agressão eminentemente política. Se eu, que sou pessoa com voz, com possibilidade a ser a primeira prefeita da Capital, fui submetida a esse silêncio, o que resta às mulheres vítimas de violência doméstica? José Fortunati me defendeu de forma digna e Fernanda Melchionna também, mas os outros se calaram. Me abalou muito, e Maroni responderá criminalmente por isso. Como diria Martin Luther King, não é só o barulho dos ruins que impressiona. O silêncio dos que se dizem bons também machuca.
A senhora recebeu apoio de Fernanda Melchionna e do PSOL. Como estão as conversas com Juliana Brizola (PDT) e outros partidos?
O tema relacionado ao desenvolvimento econômico está intimamente ligado a cuidar das pessoas, porque as nossas pessoas estão vulnerabilizadas. Só não vê quem não quer ou faz de conta que não enxerga.
MANUELA D'ÁVILA
O ato do PSOL foi muito bonito e unitário. Foi um momento simbólico e carregado de emoção. Isso tem relação com o tipo de projeto que representamos para o segundo turno. Quanto aos demais candidatos, conversamos com Montserrat Martins (PV), com quem eu e Rossetto (Miguel Rossetto, candidato a vice) almoçamos. Também falamos com o PSB e com a Rede. Sobre a deputada Juliana, é normal, no dia seguinte à eleição, e já passei por isso muitas vezes, ter um tempo para descansar e organizar os próximos passos com a direção partidária. Sei que os partidos têm tempos diferentes, têm o seu debate, e respeito muito isso.
Houve renovação na Câmara, com mais mulheres e negros e um avanço da esquerda, mas, ainda assim, a senhora não teria maioria, caso eleita. Como garantir governabilidade?
Tenho convicção, depois de ter sido parlamentar por muitos anos, de que quando um projeto tem legitimidade social, alcança legitimidade política e maioria no parlamento. Te dou exemplos concretos. A renda emergencial. Como foi construída politicamente? A partir da pressão da sociedade. Nós temos um método de governar relacionado à reativação dos conselhos e do Orçamento Participativo. Isso faz com que os projetos que chegam na Câmara não saiam da cabeça mágica de um prefeito, mas sejam consensualizados e pactuados com os parlamentares. Mesmo no auge do desgaste da atual gestão, o Fundo de Tecnologia da Cidade foi aprovado. Por quê? Porque foi uma proposta do Pacto Alegre e do conselho de ciência e tecnologia. Nós vamos governar assim. Não tem como enfrentar problemas graves, sobretudo as consequências da pandemia, sem um enorme ambiente de unidade. Vai ter de haver muita conversa, muito esforço.
Das políticas da atual gestão, o que pretende manter ou rever?
Têm coisas que eu inclusive propus, lá atrás, quando fui candidata em 2008, como o cercamento eletrônico da cidade, que Fortunati e Melo não fizeram. Quem fez foi Nelson Marchezan. Vamos manter e melhorar, porque precisa reativar as câmeras e integrar com centros comunitários de segurança. Outro ponto é dar continuidade aos esforços para que as pessoas possam marcar consultas de forma automatizada, via WhatsSpp. Isso não foi feito no governo que Melo representa.
E o que vai rever?
Existem temas que podem continuar, mas que temos de rever o foco. É o caso da PPP de iluminação pública, que está dada. Não temos de debater o espaço onde a iluminação é prioritária? Me parece que os espaços mais vulneráveis, como as comunidades de periferia, deviam ser as primeiras a receber. Tem ajustes, coisas que serão mantidas e têm mudanças, que são várias. Essa é a razão pela qual estamos no segundo turno. É o caso da necessidade de gestão democrática das escolas, da enorme burocracia da prefeitura, do conflito com servidores. Representamos uma forma diferente de fazer política e todo o sistema político tradicional da cidade apoia a outra candidatura.
Será possível superar isso?
O povo é livre. Não é mandado por cacique de partido tradicional. Vamos reencantar o povo, mostrando que Porto Alegre pode ser governada de forma absolutamente diferente. A gente sabe de que lado samba e nunca mudamos de escola.