Daqui a um ano, em 7 de outubro de 2018, os gaúchos voltam às urnas para eleger o próximo governador de um Estado que gasta mais do que arrecada, atrasa salários do funcionalismo e tem dificuldades imensas para investir em segurança, saúde, educação e infraestrutura. Jamais uma eleição foi disputada em meio a tamanha crise fiscal e com os eleitores tão intolerantes à política tradicional.
— Há um desencanto geral. Hoje, o número de eleitores dispostos a votar em branco, nulo ou se abster é superior a 50% — afirma a cientista política Elis Radmann, diretora do Instituto Pesquisas de Opinião (IPO).
Para tentar reverter essa descrença da população, pelo menos quatro pré-candidatos têm percorrido o Estado: Eduardo Leite (PSDB), Jairo Jorge (PDT), Miguel Rossetto (PT) e Mateus Bandeira (Novo). Todos ensaiam discurso de contraponto à gestão de José Ivo Sartori (PMDB), postulante à reeleição no Palácio Piratini.
Nos demais partidos, a mobilização para 2018 também já começou. Com a definição das novas regras concluída na votação da reforma política no Congresso, as legendas passam agora a estudar a nominata de candidatos à Assembleia Legislativa e à Câmara dos Deputados. A prioridade é a busca por alianças.
Por enquanto, as forças políticas estão divididas em três grupos: o PMDB de Sartori e seus principais aliados, PP e PSDB, a oposição liderada pelo PT e os independentes PDT e PTB, e as pequenas siglas de tendência liberal, como Novo, Livres e DEM. Confira como estão sendo conduzidas essas articulações.
Racha na base governista
José Ivo Sartori ainda não assumiu publicamente a intenção de concorrer a novo mandato, mas já se prepara para tentar inédita reeleição ao governo do Estado. Seu maior desafio é manter unido o grupo partidário que lhe dá sustentação na Assembleia. Os principais aliados, PP e PSDB, estão se distanciando. Embora ainda votem com o governo e haja certo alinhamento de ideias, ambos temem ser afetados pelo desgaste de Sartori, sobretudo pelas críticas dos eleitores à política de segurança e ao parcelamento de salários dos servidores.
Ex-prefeito de Pelotas, o tucano Eduardo Leite admite que o partido discute o momento ideal para deixar o governo. Mestrando em Gestão e Políticas Públicas na Fundação Getulio Vargas, Leite divide o tempo entre o curso em São Paulo, com aulas de terça à quinta-feira, e as andanças pelo interior do Rio Grande do Sul nos finais de semana. Nos encontros políticos, se apresenta como candidato.
— Meu nome está à disposição para liderar um projeto. Por enquanto, é o único no PSDB, mas se alguém disser como será a eleição de 2018 é porque não está entendendo nada — afirma o tucano.
Para alavancar a candidatura, Leite busca aliança com o PP, repetindo a dobradinha que elegeu Nelson Marchezan (PSDB) prefeito da Capital. Os progressistas ainda avaliam os planos para 2018. A legenda promoveu 20 encontros regionais e pretende realizar mais sete até o final no ano. Segundo o presidente Celso Bernardi, a maioria dos filiados pede candidatura própria — até agora, o deputado federal Luís Carlos Heinze é o único a manifestar desejo de concorrer. Apesar dos apelos da militância, alguns dirigentes não escondem a simpatia pela parceria com os tucanos.
— Temos várias divergências com o governo, então diria que hoje estamos mais voltados para o PSDB — reconhece um integrante da Executiva.
Sartori aposta em agenda contra a crise financeira
Mesmo ciente das dificuldades, Sartori está empenhado em levar a atual aliança até a campanha. A chapa ideal para a estratégia teria Eduardo Leite como vice e Ana Amélia Lemos (PP) e Beto Albuquerque (PSB) concorrendo ao Senado. A configuração é quase impossível ante o divórcio iminente com os tucanos e também porque excluiria o atual vice-governador, José Paulo Cairoli, de quem Sartori não quer abrir mão. Antes de pensar em uma solução, o governador precisa lidar com as insatisfações dentro do PMDB. Deputados, prefeitos e vereadores reclamam das cobranças sofridas pelos eleitores e criticam supostas falhas na comunicação com a sociedade.
— Reconhecemos as angústias e estamos tentando mostrar o que está sendo feito. Manter PP e PSDB é muito importante para o enfrentamento duro que teremos em 2018 — diz um estrategista do Piratini.
Foi para minimizar resistências e tentar viabilizar o projeto político que o Piratini se esforçou em produzir notícias positivas nos últimos dias. Do anúncio de pagamento de correção pelos salários atrasados à venda de ações do Banrisul, cada medida passa pelo cálculo eleitoral e pela necessidade de agradar as bases, exibindo ações efetivas de combate à crise financeira. A maior aposta é a renegociação da dívida com a União, com a qual o governo espera colocar os salários em dia.
— Claro que as pessoas queriam que o governo já tivesse vencido o problema dos salários, mas estamos trabalhando. O lançamento de candidatura depende da decisão pessoal do governador e será pensado no ano que vem. Cada partido tem sua autonomia, mas quanto maior a coligação maior será nossa força — diz o presidente do PMDB, Alceu Moreira.
A oposição fragmentada
Principal antagonista do governo Sartori, o PT perdeu ascendência sobre as forças de oposição. Com os ex-governadores Olívio Dutra e Tarso Genro dispostos a não concorrer, o partido procura candidato com densidade eleitoral. O ex-ministro Miguel Rossetto se voluntariou à vaga e tem viajado em busca de apoio interno. Lideranças refratárias a ele citam como alternativa o presidente da Assembleia, Edgar Pretto, e o deputado Luiz Fernando Mainardi. A sigla quer evitar prévias e espera que os postulantes se apresentem até o final do mês. A decisão, diz o presidente da sigla, Pepe Vargas, sai no fim do ano.
— O nome que une todas as correntes é Tarso. Só ele é contra. O Rossetto não tem mandato, então está percorrendo o Estado. Também viajo, mas não estou em campanha, nem está aberto o processo de escolha — diz Mainardi.
Nos bastidores, petistas criticam o discurso do partido, preso à pauta corporativista dos servidores, e a falta de renovação nos quadros. O candidato natural seria o ex-prefeito de Canoas, Jairo Jorge. Ele deixou a legenda no final do ano passado e, filiado ao PDT, visitou 253 cidades. Na quinta-feira (5), foi aclamado em pré-convenção dos pedetista e agora irá se dedicar à construção de aliança com siglas do mesmo campo ideológico, com preferência a PSB e PC do B.
— Quero formar um projeto de centro-esquerda. A partir de segunda-feira começo a fazer visitas oficiais aos partidos — comenta.
O PSB só traça um rumo a partir de novembro, quando assume o novo presidente, o deputado federal José Luiz Stédile, também ex-petista e amigo de Jorge. Stédile venceu disputa que dividiu o PSB e interrompeu período de hegemonia do ex-deputado Beto Albuquerque na legenda. Alinhado com Sartori, Beto é pré-candidato ao Senado e defende a montagem de ampla coligação, capaz de fornecer bom tempo de TV ao partido.
— Estamos com Sartori no governo e fui candidato ao Senado com ele em 2014. Mas conversar não faz mal, já jantei com o Ciro Gomes (PDT), falei com a Rede, com o PC do B. 2018 será resolvido em 2018, tem muita coisa incerta — comenta Beto.
Siglas tentam ampliar espaço na esquerda com crise petista
Aliado contumaz do PT, o PC do B decidiu se divorciar do parceiro nesta eleição. Seu principal trunfo eleitoral, a deputada estadual Manuela D'Ávila é cogitada para concorrer à Presidência da República. Se isso ocorrer, os comunistas irão lançar Abigail Pereira ao Piratini. A decisão será tomada em 19 de novembro, mas a tendência atual é de aliança com o PDT.
— Nosso diálogo é com a oposição a Sartori. O jogo está muito aberto, mas hoje a relação é mais forte com o Jairo Jorge. Ninguém vê razão em apoiar o PT, uma candidatura que não é competitiva — justifica Manuela.
Outro partido que espera crescer na esteira da crise petista é o PSOL. Com três vereadores na Capital e um deputado estadual, a legenda terá Roberto Robaina como candidato ao Piratini e planeja aumentar a representação na Assembleia.
— Temos muitos jovens, ex-petistas, brizolistas e desencantados em geral. Somo a esquerda verdadeira e vamos pegar pesado com o discurso anti-Sartori — avisa o deputado estadual Pedro Ruas.
Depois de ter participado de três governos sucessivos — Germano Rigotto (PMDB), Yeda Crusius (PSDB) e Tarso Genro (PT) —, o PTB pretende manter a independência na próxima eleição. O partido não apoiou Sartori em 2014 e recusou inúmeros apelos do peemedebista para compor o secretariado. Agora, pretende lançar candidato o delegado da Polícia Civil Ranolfo Vieira Júnior.
— Estamos em busca de renovação. O Ranolfo não é conhecido, mas tem bom perfil. Uma coisa é certa, não vamos com PT nem com PMDB. Ter candidato nos libera de carregar esse peso e ajuda a eleger deputados — afirma o vice-presidente petebista, Luís Augusto Lara.
A via liberal
A nova onda liberal que elegeu João Doria (PSDB) prefeito de São Paulo inspira as ambições de pelo menos três partidos gaúchos. Identificados com a adoção de práticas da iniciativa privada na gestão pública, Novo, Livres e DEM cogitam disputar o governo do Estado. O Novo foi o único que já lançou pré-candidato: o ex-presidente do Banrisul no governo Yeda Crusius, Mateus Bandeira.
Com estreitas relações no universo empresarial, Bandeira presidiu até o início do ano a Falconi Consultores de Resultado, uma das mais prestigiadas do ramo no país. Privatista convicto, quer discutir temas polêmicos durante a campanha, como venda de estatais que detenham monopólio e até mesmo compra de voucher em escolas privadas para os estudantes de Ensino Médio da rede pública.
— Sei que a discussão não é fácil do ponto de vista político, mas o Estado está falido. O governo precisa se concentrar no que é essencial e indelegável — diz Bandeira, que renega coligações sob o argumento que elas "prostituem" o processo eleitoral.
O purismo do Novo na política de alianças afasta o partido de parceiro ideológico como o Livres. Presidente da legenda, Fábio Ostermann diz que gostaria de unir forças, mas, diante dessa postura, procura expoente do setor privado para o governo do Estado. Ostermann é o preferido dos correligionários para a empreitada, mas gostaria de concorrer a deputado federal:
— Vejo uma janela de oportunidade para as ideias que defendemos, até pela renovação que deve haver na Câmara.
Mais antigo dos partidos a professar o ideário liberal, o DEM (antigo PFL) não apresenta candidato próprio ao Piratini desde 1986. Deputado federal no exercício do quarto mandato, o presidente da sigla, Onyx Lorenzoni, está disposto a concorrer. Encomendou pesquisas e se diz animado com as projeções, mas afirma que a decisão fica para o início do próximo ano:
— Só lá por março os partidos vão se alinhar. Daí veremos a viabilidade eleitoral. Ninguém vai ficar tranquilo em 2018.