Toda inovação nasce de uma pergunta. Nem tanto para o lado da linha filosófico-existencialista de William Shakespeare (1564-1616), que escreveu em Hamlet, uma de suas tantas obras-primas:
Ser ou não ser, eis a questão.
O que é mais nobre? Sofrer na alma
As flechas da fortuna ultrajante
Ou pegar em armas contra um mar de dores
Pondo-lhes um fim?
Mas, por assim dizer, um questionamento mais na linha do pragmatismo. Porque a pergunta, no contexto da inovação, nasce como matéria de investigação para a solução de um problema. Por exemplo, questões mesmo que simples: “como produzir mais em menos tempo?”. Ou ainda “nos próximos 15 anos vamos fabricar esse produto para quem?”. Em momentos de crise, como a provocada pela pandemia do coronavírus, parecem brotar ainda mais perguntas. Em uma visão empreendedora, com o olhar para a inovação, essa série de indagações é encarada como oportunidade.
O DNA empreendedor de Caxias do Sul é inegável. Em cada curso da história há empresas que deixaram mais do que um legado, mas também deram sua contribuição a uma cadeia produtiva que parece nunca ter fim. Crises após crises, ideias continuam a brotar. E, por conta do pragmatismo, ou seja, de responder às perguntas como: “serve para quê?”, é que a inovação tem se mostrado imprescindível nesse novo período da cidade.
Outra característica do conceito de inovação é que o trabalho tenha de ser colaborativo. Nesse quesito, um dos melhores exemplos, e que nasceu justamente no momento mais tenso e seminal da pandemia, em abril de 2020, foi a criação e fabricação do respirador Frank 5010. O equipamento foi desenvolvido em parceria com empresas locais e contou com o trabalho voluntário de aproximadamente 30 pessoas, no Parque de Ciência, Tecnologia e Inovação da Universidade de Caxias do Sul (TecnoUCS).
Recentemente, outra solução inovadora caxiense ganhou as páginas de publicações especializadas Brasil afora. No dia 27 de janeiro, a FNM, em parceria com a Agrale, iniciou a fase de testes do primeiro caminhão elétrico fabricado no Brasil. O primeiro lote de mil unidades a ser vendida para a Ambev deve ser entregue até o final deste ano e já há uma longa lista de interessados pelo veículo.
Essas e centenas de outras ideias inovadoras colocam Caxias do Sul em destaque no cenário brasileiro. Pelo menos é o que revela o Índice de Cidades Empreendedoras (ICE) 2020, elaborado pela Endeavor em parceria com a Enap (Escola Nacional de Administração Pública).
As 100 cidades mais populosas do Brasil são avaliadas em sete aspectos: ambiente regulatório, infraestrutura, mercado, acesso a capital, inovação, capital humano e cultura empreendedora. No item inovação, Caxias levou a medalha de prata, ficando atrás somente de Florianópolis.
– Veio em boa hora essa notícia. Principalmente em um momento em que a nossa economia está voltando, claro, cuidando da saúde das pessoas, mas também precisamos cuidar da saúde das empresas. Caxias provou nesse ano de pandemia o quanto somos capacitados. Nós temos de tudo em Caxias. Somos bons em várias tecnologias e processos, até na indústria da robótica. Conseguimos desenvolver um respirador em 30 dias – justifica Élvio Gianni, secretário municipal do Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Emprego de Caxias.
Élvio acredita que os próximos passos para alimentar melhor esse ambiente inovador é criar uma política pública educacional para fomentar novos talentos junto às escolas.
– Precisamos formar mais pessoas em áreas técnicas. Creio que devemos trabalhar, nós do poder público, as empresas e entidades, na criação, manutenção e retenção dos jovens talentos na nossa cidade. Um jovem com essa formação em tecnologia, ele é cidadão do mundo, por isso, nossa preocupação é enraizá-lo aqui. Mas, para isso, temos de pensar em questões como turismo local, lazer, diversão e atrativos, é nesse sentido que entra também a Maesa, o que vamos fazer ali, e em quais eventos de tecnologia podemos trazer para a cidade – explica.
“A colaboração e o coletivo devem ser prioridade”
Caxias do Sul está tão na vitrine da inovação que empresários da região Norte do Estado visitaram a cidade na última quinta-feira para falar sobre o assunto. O grupo foi recepcionado no Conexo, hub de inovação aberta, lançado em outubro de 2020, pelas Empresas Randon. Entre as pautas, os visitantes puderam conheceram de perto o trabalho da Randon Ventures, empresa criada pela companhia para investir e acelerar startups.
– Nossa experiência nos mostra que, antes de tudo, é necessário olhar para dentro, reconhecendo as raízes e a cultura interna de cada organização e, a partir disso, vislumbrar experiências exploratórias em outros ambientes. Assim, fomentamos o espírito intraempreendedor de cada colaborador, buscamos aplicar novas ferramentas, métodos e processos e fortalecemos o ambiente em que nossas empresas estão inseridas – destaca o CTO das Empresas Randon, Daniel Ely, que também exerce o cargo de presidente do Conselho do Instituto Hélice.
A atividade está alinhada ao propósito do Programa Aliança Empresarial, que busca fomentar, por meio da colaboração entre a iniciativa privada, o ecossistema de inovação e tecnologia da região Norte do Rio Grande do Sul. Das nove empresas aliançadas, sete delas (Coprel, Cotrijal, Farmácias São João, Grupo Grazziotin, IMED, Metasa e Oniz Distribuidora) marcaram presença no encontro.
Ely revela que, nos últimos cinco anos, a Randon mudou a forma de implantação de certos movimentos que tem sido importantes nessa nova jornada de transformação cultural e digital.
– A evolução acelerada vem se consolidando em diferentes ações, como a criação de uma área de Negócios Digitais na companhia, o lançamento da Randon Ventures, para investimento e aceleração de startups, e da Conexo, hub de inovação aberta. Expandimos a atuação do nosso Centro Tecnológico Randon e criamos a unidade de inovação e automação RTS Industry. Estamos crescendo, experimentando, errando e acertando, mas a cada passo seguindo crescendo nessa cultura de inovação – sintetiza.
Para estabelecer e amplificar essa tal de “cultura de inovação” será preciso melhorar esse ecossistema onde habitam os atores capazes desse fomento.
– O ambiente começa pelas pessoas, por cada indivíduo que compõe uma corporação. As lideranças e os espaços de trabalho precisam estimular essa transformação cultural. É a partir dessa evolução interna que a empresa estará preparada para atuar e aprender com as conexões externas. Temos que trabalhar com estruturas mais horizontais ou em formato de redes. Precisamos diminuir drasticamente a hierarquia que leva ao medo do erro ou das pessoas ousarem. Deixar os egos e vaidades de lado em prol de algo muito maior. A colaboração e o coletivo devem ser prioridade, pois a inovação é de todos, não pode ter nome, sobrenome, área ou departamento – defende Daniel Ely.
Robô que alimenta suínos gera economia aos produtores
Giovani Molin não cria porcos. Mas ele é um desses homens que vivem fazendo perguntas. Bem longe do campo, no frenesi de uma cidade como Caxias do Sul, ele e seus colegas têm rompido com a cultura de criação de animais que se perpetuava há um século. Foi então que a empresa Roboagro criou um robô alimentador de suínos.
Mais do que uma máquina que despeja ração para engorda dos porcos, o sistema melhora a qualidade da carne produzida com o auxílio da tecnologia, gerando uma economia que pode chegar a mais de R$ 26 mil, por ano, em granjas de médio porte, com média produtiva de mil animais por lote. E claro, melhora a qualidade de vida do produtor, que pode preocupar-se com outras tarefas, enquanto o robô serve a quantia ideal, nos horários determinados, a fim de que o animal alcance o peso ideal.
– A ração significa de 70 a 80% do custo da produção. Por ser um custo tão expressivo é necessário que haja um controle rigoroso sobre isso. Mas não víamos o setor de suinocultura fazendo esse controle de uma variável tão expressiva como essa. Então, inovamos criando um robô alimentador, que faz toda a entrega da ração para os animais, além de colher uma série de dados para a melhoria da qualidade do produto – explica Molin, diretor da Roboagro.
O projeto, concebido há oito anos, alcançou a marca de 600 unidades vendidas, nos estados do Sul do Brasil, região que concentra cerca de 70% da suinocultura.
– Esse tipo de solução não se faz da noite para o dia. Mas ajudou muito estarmos em Caxias do Sul, porque estamos em uma região muito bem posicionada, onde temos uma cadeia de fornecedores e mão de obra com profissionais extremamente qualificados. É isso que nos proporciona entregarmos uma solução tecnológica na área da suinocultura de precisão – diz Molin.
O choque de culturas impõe desafios, visto que os homens e mulheres do campo são tradicionais. No entanto, Molin entende que a persistência é uma das chaves da implantação de uma ideia:
– Entendo que qualquer inovação tem de dar retorno, tanto para o cliente quanto para o inventor. Não adianta vivermos como “professores Pardais”, sem que haja uma aplicação prática do produto. Nossa coragem foi influenciar as agroindústrias – observa Molin.
“O foco da inovação é criar novo valor”
A visão de negócio, mesmo de uma empresa sólida e líder de mercado, como é o caso da Marcopolo, tem sido afinada e ajustada, por conta dos conceitos de inovação.
Foi por isso que a empresa lançou a Marcopolo Next, em setembro de 2019, com o propósito de desenvolver serviços e sistemas inteligentes que facilitem o deslocamento e a conexão das pessoas. Em resumo, ao invés de preocupar-se apenas em fabricar e comercializar ônibus, a Marcopolo pretende ser um dos vetores de criação de soluções para a mobilidade.
– O efeito da pandemia sobre o transporte coletivo trouxe muitas oportunidades para repensarmos os sistemas de mobilidade, que demandarão uma abordagem mais racional e inteligente das rotas, além da integração física e tecnológica dos modais alimentadores aos de alta capacidade – diz Petras Amaral Santos, Business Head da Marcopolo Next.
Uma dessas iniciativas inovadoras pode vir a mudar a vida do caxiense, que anda descontente com a estrutura do atual sistema de mobilidade na cidade. Em novembro do ano passado, a Marcopolo Next assinou um protocolo de intenções com a Secretaria Municipal de Trânsito, Transportes e Mobilidade (SMTTM) de Caxias, para a implantação de um laboratório de inovação. Batizada de Next Mobility Lab - Caxias, a operação piloto consiste no primeiro sistema de mobilidade elétrica da cidade, com a operação de um ônibus elétrico integrado à infraestrutura de carregamento e monitorado 24 horas. O piloto deve entrar em operação já no primeiro semestre desse ano.
– Já enxergamos essa mesma necessidade de Caxias, em rever o seu sistema de mobilidade, em outras cidades, de médio e grande porte. É uma questão vital, tanto o uso de ônibus e trens elétricos, bem como a revisão dos deslocamentos e integração dos diferentes modais, porque o atual sistema está colapsando – argumenta Petras.
No entanto, mais do que estabelecer essa relação com o poder público, a fim de contribuir na solução de problemas de mobilidade, Petras entende que todos os atores envolvidos no processo precisam ajustar o foco.
– Para que se crie um bom ambiente para a inovação, em Caxias, é preciso ajustar os objetivos da região e ter uma compreensão melhor de suas forças e potencialidades. Na medida em que entendermos e definirmos onde estão esses vetores, tanto a academia, quanto as empresas e o poder público caminharão melhor juntos – avalia Petras.
No final das contas, complementa o executivo da Marcopolo Next, o foco da inovação tem de estar sempre ajustado em promover resultado:
– O foco da inovação é criar um novo valor. Se não criarmos novo valor, não vamos gerar crescimento de novas startups e empresas. E, se não conseguirmos reter os talentos aqui, eles vão para outros centros.
Habit, um novo centro de inovação
Juremir Milani é o atual presidente do Habit, uma Associação de Inovação e Tecnologia que pretende construir, até o final deste ano, um centro tecnológico.
Essa ideia nasceu em 2015, a partir de uma pergunta: por que algumas cidades pelo mundo se sobressaem como ambientes propícios para a inovação? A investigação desse questionamento resultou em dois apontamentos, explica Milani:
– Primeiro, que a disseminação do conhecimento nessas cidades é muito massiva. Ou seja, todos têm acesso a conceitos de gestão ágil, negócios disruptivos, modelos escalonáveis, inteligência artificial, entre outros. E, segundo, esse conhecimento massivo proporciona que surjam novos negócios, em que os atores envolvidos, colaboram entre si, como mentores, empreendedores, investidores e prestadores de serviços.
Com esse diagnóstico em mãos é que surgiu a ideia de reunir talentos em busca de soluções em um mesmo espaço físico. Milani diz que uma cidade como Caxias do Sul comporta cerca de quatro centros de tecnologia.
– Muitos me perguntam ‘por que tem de construir um prédio para isso?’ Eu respondo que a nossa comunidade é muito analógica ainda. Depois que se estabelece um contato ou uma relação de confiança, presencial, vivida em um mesmo espaço, depois disso, no desenvolvimento do projeto, pode ter continuidade à distância – explica.
Milani diz que o centro poderá comportar a instalação de startups ou servir apenas de ponto de encontro para troca de ideias e ponte para que sejam estabelecidas conexões e colaborações.
– O que estamos criando é um centro de inovação. Mas, não necessariamente, a ideia tem de “rodar” no centro. Ele pode servir também como um espaço de coworking. Teremos nesse centro uma arena, que servirá para palestras e eventos. Todas as áreas do espaço poderão ser locadas, seja por empresas ou pessoas – conta Milani.
O presidente do Habit explica que o projeto arquitetônico está pronto e faltam alguns ajustes para o início da obra.
– Em agosto ou setembro pretendemos estar com o prédio do centro ativo – completa.
Saiba mais
TecnoUCS
O TecnoUCS opera com desenvolvimento e gestão de conhecimento, fazendo a conexão entre o “mundo da ciência e tecnologia” e o “mundo empresarial”. Não tem, portanto, finalidade de produção de bens, mas de contribuir com a transformação das empresas em prol da inovação e, consequentemente, do aumento da competitividade.
Podem desenvolver projetos, desenvolver pesquisas, contratar serviços, atuar em conjunto ou instalar-se no TecnoUCS:
- Centros de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) de empresas consolidadas ou de interesse da universidade nas áreas estratégicas de atuação do parque.
- Empresas que procurem desenvolver bens, processos ou serviços de base tecnológica das áreas estratégicas ou de áreas portadoras de futuro.
- Empresas originadas da pesquisa acadêmica da UCS ou criadas em parceria com pesquisadores nacionais ou estrangeiros.
- Startups pré-aceleradas no programa StartUCS.
- Empresas incubadas e instaladas no coworking do parque.
- Entidades setoriais e de representação empresarial, tecnológica ou científica.
- Outras organizações, com diferentes modalidades de interação, de fomento, investimento e serviços específicos, que atendam aos princípios e aos objetivos do TecnoUCS.
Mais informações: https://www.ucs.br/site/tecnoucs/
Instituto Hélice
O Instituto Hélice representa organizações que acreditam que podem mudar o ecossistema de inovação na Serra Gaúcha. Atua juntamente com instituições de ensino e poder público, articula iniciativas que fomentem e consolidem o ecossistema de inovação. Podem se associar empresas que já desenvolvem estratégias de inovação. A participação é aprovada após uma breve qualificação da organização.
O Hélice também possui processos estruturados de relacionamento com a comunidade, por meio de programas de conexão com startups, mentorias, eventos e capacitações.
Mais informações:
http://helice.network/a-helice/, ou ainda, nas redes sociais, Facebook, Instagram, LinkedIn e Youtube (helice.network) e por meio de bate-papos abertos nos espaços do Hélice nos principais eventos de inovação.
Habit
O Habit é uma associação de pessoas e empresas, com a finalidade de criar um centro de inovação em Caxias do Sul, que possa ser replicada em outras cidades da região da serra, com o propósito de conectar pessoas, sociedade civil organizada, empresas, academia e poder público, fomentando inovação e ações empreendedoras, visando desenvolvimento local e sustentável, oportunizando negócios e proporcionando qualidade de vida.
Mais informações:
https://habitbrasil.com.br/
ou pelo telefone 54 99108.9092, com Juremir Milani