Se projetar 2021 já é um exercício ousado, o que dirá prever como será a próxima década na Serra gaúcha. A região, celeiro e polo metalmecânico, moveleiro, vitivinícola e hortifrutigranjeiro, pretende manter sua herança empreendedora, de vanguarda e inovação. No meio do caminho, precisará superar entraves de logística, de formação de mão de obra especializada, atração de investimentos e inserção de novas tecnologias, sem perder de vista conceitos de cidades inteligentes, com melhor aproveitamento dos recursos, e que promovam um melhor bem-estar à população.
Para muitos, o tal do mercado e sua diversa cadeia produtiva darão conta do recado, colocando a Serra nos bons trilhos para um desenvolvimento seguro. Por outro lado, há quem goste de enxergar o mesmo horizonte por meio de um enfoque diferente.
– Acredito muito que, independente de qual seja a linha econômica, precisamos de pessoas bem formadas e qualificadas, que são os talentos. Atualmente, nossos talentos não migram apenas para São Paulo, mas vão embora do país. Muitas cidades têm se tornado atrativas para que os talentosos queiram morar lá. Os talentosos querem morar onde tem lazer, cultura, onde seja uma boa cidade para se viver. Uma vez, as cidades tinham de fazer um esforço para atrair as empresas. Hoje em dia, as empresas vão para os lugar onde tem talentos – argumenta Thomas Job Antunes, executivo do Instituto Hélice.
A inovação deverá ser o motor de uma diversificação da matriz econômica da Serra, acredita Antunes.
– A nossa matriz metalmecânica, em dez anos, vai ser ainda bem relevante, mas teremos de fazer um esforço para contemplar outras formas de economia que possam abastecer o PIB da região, como o turismo, ou produtos e serviços premium, com ênfase em cidades inteligentes, enfim, imagino que passaremos por uma transição suave.
Sociedade civil compartilha das decisões
Nos últimos anos, a sociedade civil tem reconquistado espaço e protagonismo. Para representantes dos grupos Mobilização por Caxias (Mobi) e Bento+20, o atual cenário, que impõe uma série de desafios para os municípios da Serra, não pode ser apensas conduzidos pelo poder público, atuando isoladamente. E, vão ainda mais além, ao afirmar que os gestores públicos que desprezarem esses indicativos, apontamentos e sugestões que surgem na sociedade civil organizada, não sobreviverão na vida pública. É por isso que Milton Milan, presidente do Bento+20, defende a união de todos os setores para atravessar a próxima década.
– Regionalmente, temos de consolidar a região metropolitana da Serra gaúcha. Temos um grande potencial, sempre fomos vanguarda no estado – argumenta Milan.
Astor Milton Schmitt, diretor de Economia, Finanças e Estatística da CIC Caxias e vice-presidente do Mobi, compartilha da mesma visão de Milan. Para ele, só a unidade poderá amplificar o desenvolvimento da região, superando desafios históricos, como infraestrutura, diversificação da matriz econômica e atração de novos negócios.
– Temos problemas muito sério na infraestrutura de logística, precisamos nos articular, como região, para melhorar nossos acessos rodoviários, para voltarmos a ter acesso ao modal ferroviário, como tínhamos no passado, precisamos ter mais próximos de nós um porto marítimo e um aeroporto de expressão – defende Schmitt.
Com relação à diversificação da matriz econômica, argumenta que é preciso olhar para a indústria como um “motor de geração de riqueza, agregando valor e gerando impostos”. Mas tanto Schmitt quanto Milan, do Bento+20, apontam o turismo como alternativa para essa diversificação.
– O que mais desponta no futuro da região é o turismo. É um negócio extremamente bom, porque as pessoas vêm de outras cidades, gerando impostos que ficam aqui – aponta Milan.
Apesar desse cenário favorável, Schmitt diz que é preciso reconhecer que, sobretudo Caxias do Sul, não tem sido feliz em atrair novos empreendimentos.
– Precisamos de uma vez por todas de um cenário mais amigável para atrair novas empresas. Outros municípios têm pacotes claros de incentivo, e se Caxias não tiver, não será considerada por ninguém. Esse nó tem de ser desatado – provoca.
Vislumbrar uma região com perspectivas de desenvolvimento econômico, na visão de Milan, deve passar, obrigatoriamente, por enfatizar a educação.
– A educação é a base de uma sociedade. Queremos, em um futuro breve, mais ênfase na qualidade da educação, sem ideologismos – argumenta Milan, justificando que inovação e educação devem ser os pilares da próxima década.
Dilemas, desafios e escolhas para a próxima década
A professora e pesquisadora da UCS, Janaína Macke é pós-doutora em Ciência do Território pela Universitè Joseph Fourier (França). Seu livro de cabeceira é Economia Donut, da economista inglesa Kate Raworth, pesquisadora da Universidade de Oxford (Inglaterra). Para a autora as sucessivas crises financeiras, a desigualdade social e o avanço do desenvolvimento sem a preocupação ambiental revelam que o atual sistema está ultrapassado.
Baseado nessa interpretação da realidade econômica e social, Janaína Macke defende que, na próxima década, a região terá de lidar com o paradigma do crescimento econômico contínuo e infinito, a retomada econômica pós-pandemia e novos modelos de negócio.
– O livro Economia Donut explica que o círculo menor (interno) dessa rosquinha, representa a geração de riqueza para que tenhamos nossas necessidades supridas. Se for menor do que essa circunferência, vai gerar mazelas como pobreza e desemprego. Já o círculo maior (externo) representa o limite ecológico. Entre as circunferências maior e o menor, se dá o foco na qualidade de vida.
Esse desajuste, acredita Janaína, pode ser ainda mais acentuado a depender de como será a retomada pós-pandemia.
– Pelo que temos observado, a pandemia vai aumentar ainda mais o abismo social. Em pesquisa do Observatório das Metrópoles, da PUC, verificamos que os 40% mais pobres perderam 32% de seus recursos, enquanto que os 10% mais ricos perderam apenas 3% da sua renda. O efeito disso é que muitas empresas vão focar seus serviços e produtos no público dos mais ricos – acredita.
E, por fim, Janaína diz que o desemprego no Brasil tem desencadeado uma nova onda de empreendedorismo. No primeiro quadrimestre de 2020, revela a pesquisadora, foram abertas um milhão de empresas no país.
– Acredito que na próxima década teremos mais investimentos em propriedade intelectual, plataformas online, dados protegidos e ênfase nos serviços por algoritmos. Como perfil de novos negócios, as empresas vão focar mais em serviços e, não, em produtos – revela.