A pandemia causada pelo novo coronavírus afetou diretamente a produção industrial. O setor perdeu fôlego e viu os números desabarem. O índice de desempenho industrial, divulgado na última quarta-feira pela Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), mostra que a queda, que já era recorde em março (10,3%), caiu ainda mais, chegando a 13,2% em abril. Pior desempenho desde 2003. Se comparar com abril do ano passado, a queda é ainda maior: 23,1%, um recorde histórico.
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Dos 17 setores, 14 tiveram perdas. Tabaco (-23,6%), veículos automotores (-15,8%), couros e calçados (-13,1%) e máquinas e equipamentos (-11,6%) tiveram os índices mais expressivos. O economista chefe da Fiergs, André Nunes de Nunes, disse em entrevista à RBS TV que, por conta das paralisações, tanto na indústria como nas demais atividades, a atividade econômica como um todo acabou retraindo e a indústria do Estado teve que se adaptar a essa nova realidade. Em algumas cidades, porque os parques industriais pararam totalmente, e em outras, pela queda da demanda.
No principal polo metalmecânico do Estado, em Caxias do sul, os efeitos da pandemia também são sentidos. O Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Caxias do Sul e Região (Simecs) fez um levantamento no mês de maio e entrevistou 254 empresas. A pesquisa mostrou que o principal impacto é na demanda. Mais de 80% das empresas registraram forte queda na procura por produtos e serviços.
Dados referentes aos empregos também foram apurados. A maior parte das empresas informou que utilizou a medida provisória do governo federal e suspendeu contratos de trabalho. Até agora, já foram mais de 10 mil, entre suspensões e reduções de jornada. É o caso da Perfilline, uma fábrica de perfis metálicos e equipamentos pra construção civil, com sede na cidade. Dos 123 funcionários, 23 estão com contrato suspenso. Graças a isso e às exportações para países como Peru e Paraguai, não houve demissões.
– Fizemos um planejamento para enfrentar a crise. Como estamos sem faturar, voltamos a faturar depois da segunda quinzena de abril, então isso (medida provisória) ajuda. A folha de pagamento reduziu o custo sensivelmente, os encargos se mantêm, então, isso ajudou. Agora, voltando ao normal, cancelaremos a suspensão e começaremos a chamar esse pessoal ou contratar novos também – avaliou o empresário Getúlio Fonseca.
Conforme a pesquisa, a maior parte das empresas segue trabalhando com 50% da capacidade e muitos colaboradores trabalham de casa. Metade das empresas informou que mantém o quadro de funcionários.
Dirigentes prospectam próximos meses
Para dois dirigentes de entidades ligadas ao setor na região, a recuperação da indústria só deve começar no último trimestre do ano. Ivanir Gasparin, presidente da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços de Caxias (CIC), empregou uma expressão utilizada na economia para explicar como pode ser a retomada: em forma de 'v', quando a subida, a partir do menor ponto, é rápida, ou em formato de 'u', quando a curva demora um pouco mais para subir. É esse último modelo que está se desenhando, conforme relatos do setor, segundo ele.
– Mesmo quem está produzindo, está com 25% ou 50% a menos de pessoal. Então, estamos preocupados porque vai se prolongar, não só no mês de abril, mas também para o restante desses meses até que, de alguma forma, as pessoas possam sair de casa – analisou o dirigente.
Os setores mais prejudicados são o automotivo e o turismo, na medida que existem muitas empresas de Caxias que trabalham para a cadeia do setor, como fabricação de ônibus e fornecimento de insumos para rede hoteleira, por exemplo.
A CIC não tem dados sobre o fechamento de empresas, mas se diz preocupada inclusive com grandes empreendimentos, em função de estarem produzindo muito aquém do que seria necessário para manter o equilíbrio financeiro. De acordo com a entidade, o retrato fiel só deve aparecer daqui para frente quando um de dois cenários se tornar realidade: lojas fechando as portas ou reabrindo com força.
Outros fatores podem convergir em um período de não retomada imediata do crescimento: o fim do prazo dos benefícios pagos pelo governo federal e da medida provisória para segurar os empregos; o fim dos ganhos dos trabalhadores com as rescisões; e um prolongamento das medidas de distanciamento controlado até que se chegue ao final da pandemia.
– As pessoas acham que logo ali na frente vão recuperar o emprego e isso poderá não acontecer. Elas não se deram conta do efeito cascata que podemos ter – prospecta Gasparin.
"A medida provisória acaba agora"
O Simecs projeta um junho semelhante ou com pequena queda.
– A falta de confiança do empresariado em fazer aquisições preocupa muito. Estamos projetando uma reação, mas isso vai acontecer no último trimestre do ano, até porque, depois que a curva (da pandemia) começar a descer é que os empresários vão ter coragem para começar a pensar em investimentos e aquisições e o comércio a ter fôlego. Nos próximos meses, não vamos ter uma reação como esperávamos. Comparados com janeiro e fevereiro, estamos com uma queda de 50% em praticamente todas as indústrias, com raríssimas exceções – avalia o presidente do Simecs, Paulo Spanholi.
Algumas medidas que poderiam ajudar a melhorar esse cenário passariam por incentivos do governo para as indústrias e empresas e prorrogação dos benefícios à população para estimular o consumo.
– Se isso não acontecer, vamos chegar em um final de ano muito triste. Vamos ter muitos problemas sociais. Vai haver mais demissões, porque a medida provisória acaba agora, então, só resta ou voltar a trabalhar pleno ou demitir – analisa Spanholi.
Simecs, Fiergs e Confederação Nacional da Indústria (CNI) estão conversando para tentar junto ao governo federal abertura de crédito para o setor. A ideia é conseguir manter os empregos até que o consumo seja retomado.
Ramo rodoviário já tinha pedidos
Em Caxias, as empresas que estão relativamente bem, segundo o presidente do Simecs, Paulo Spanholi, são as do ramo rodoviário, porque já tinham pedidos a cumprir. Por outro lado, a paralisação parcial ou total de montadoras de São Paulo atinge diretamente fabricantes de peças e ferramentas da cidade e região.
De acordo com o Simecs, a produção em São Paulo é um termômetro local. Enquanto ela não retornar a pleno, não se terá uma perspectiva de como ficará a economia de Caxias. Enquanto isso, siderúrgicas estão desligando fornos porque preveem que o consumo seguirá baixo pelos próximos meses.
Gasparin e Spanholi concordam que o agronegócio está salvando a economia da região e que a recuperação nos demais setores se dará a partir do final do inverno ou último trimestre do ano, dependendo de como se comportará a pandemia.