Depois do impacto inicial da crise do coronavírus, as vendas de móveis confirmam sinais de retomada no comércio do Rio Grande do Sul. Em outubro, o volume de negócios subiu pelo sexto mês consecutivo. Na comparação com igual período de 2019, a alta chegou a 19,9%. Foi a maior elevação entre os grupos de produtos pesquisados, dentro do varejo, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Na fase inicial da pandemia, em abril, as vendas chegaram a desabar 39,9% no Estado, em meio à paralisação de lojas. Na sequência, os negócios avançaram com a reabertura gradual da economia e mudanças de consumo geradas pelo isolamento social. É que, ao ficar mais tempo em casa, parte dos consumidores resolveu direcionar recursos à aquisição de itens para mobília, indicam empresários.
— Muitas pessoas tiveram de se adaptar ao home office. Compraram, por exemplo, mesas para trabalho. Além disso, parte da população não está viajando neste ano. Então, resolve usar o dinheiro para comprar produtos para casa, como móveis e materiais de construção. O juro mais baixo facilita — analisa Sérgio Galbinski, presidente da Associação Gaúcha para Desenvolvimento do Varejo (AGV).
A alta no volume de vendas no varejo do segmento de móveis, apontada pelo IBGE, repercute na retomada das contratações. Segundo dados do Novo Caged, o setor moveleiro já superou o saldo de postos de trabalho do início de 2020. A variação positiva no Rio Grande do Sul é de 3,3% em relação ao início do ano. No polo de Bento Gonçalves, a geração de empregos é ainda mais forte. A taxa de crescimento dos postos de trabalho no setor moveleiro é superior à do Estado e do país. Bento, Monte Belo do Sul, Pinto Bandeira e Santa Tereza, que compõem o polo moveleiro da região, encerraram o mês de outubro com 6.169 empregos diretos, alta de 4,4% em relação ao início do ano.
Alta de 4,1% no faturamento da indústria
Apesar da melhora ao longo dos últimos meses, os negócios ainda estão no vermelho no acumulado do ano. Conforme o IBGE, o volume de vendas de móveis teve queda de 1,8% entre janeiro e outubro. No cenário do quarto trimestre, há uma combinação de possíveis estímulos e riscos. Por um lado, o 13º salário e as festas de final de ano jogam a favor, porque costumam aquecer a demanda por mercadorias diversas no comércio. No sentido contrário, a permanência da pandemia ainda gera restrições ao varejo no Estado.
O certo, até o momento, é que a melhora nas lojas causa reflexos positivos para a indústria moveleira, com grande atuação na Serra. No acumulado de janeiro a outubro, o faturamento das fábricas de móveis subiu 4,1%, em termos nominais, no Rio Grande do Sul. O dado consta em balanço da Associação das Indústrias de Móveis do Estado (Movergs).
Presidente da entidade, Rogério Francio considera que o setor passa por período de reação "agressiva" nos negócios. Segundo ele, as vendas online têm contribuído para a melhora.
— A alta no faturamento demostra que a indústria moveleira está em processo de retomada — afirma.
Em outubro, a produção industrial do segmento cresceu 1% no Estado, frente a igual período de 2019, aponta o IBGE. Apesar do alívio mensal, o indicador cai 11,2% no acumulado do ano.
Presidente do Sindicato das Indústrias do Mobiliário de Bento Gonçalves (Sindmóveis Bento Gonçalves), Vinicius Benini explica que a produção está menor em razão da escassez de insumos. Com a paralisação de fornecedores em março, houve desorganização das cadeias produtivas e aumento nos preços de matérias-primas em seguida.
O reflexo da situação é a baixa nos estoques, e isso tende a elevar os preços para o consumidor. Conforme Benini, a receita das fábricas só não tem sido maior neste ano por causa da falta de insumos. Levantamento do Sindmóveis Bento Gonçalves indica que o faturamento do polo moveleiro da região teve crescimento nominal de 6% entre janeiro e setembro.
— Houve incremento nas vendas de móveis com a situação do home office. Durante a pandemia, as pessoas tiveram de ressignificar o sentido de morar bem. O descompasso entre faturamento e produção ocorre em razão das dificuldades para o recebimento de insumos, como chapas, papelão, isopor e vidro — observa o dirigente.
Benini menciona que ainda não há clareza sobre o tempo necessário para normalização dos estoques. Entretanto, não descarta que a escassez permaneça ao longo do primeiro semestre do próximo ano.
Novo mercado e 10 novos funcionários
Há cinco anos, a Móveis Delucci, de Bento Gonçalves, trabalhava focada em fornecer mesas e cadeiras de alto padrão para hotéis e restaurantes, um dos segmentos mais afetados pela pandemia. A saída encontrada foi reorientar a produção para móveis domésticos, o que se mostrou acertado em curto espaço tempo. Entre a parada na produção em março e o ingresso no novo mercado, passaram-se apenas três meses. Para dar conta dos novos pedidos, a empresa passou de 25 funcionários antes da pandemia para 35 agora.
— Precisamos dar uma guinada bem forte por causa da pandemia. O setor de hotelaria vinha crescendo muito e, de uma hora para outra, vimos a situação desmoronar. Criamos uma coleção toda nova em tempo recorde, que teve uma aceitação muito boa. Percebemos uma curva em "V": estávamos lá em cima, caímos e conseguimos voltar — conta o proprietário, Edwin Lucci.
Outra decisão acertada da empresa, segundo Lucci, foi ter mantido a equipe mesmo diante do cenário de estagnação que a pandemia anunciava. Isso amenizou um dos desafios que o novo momento agravou, que é a contratação de mão de obra especializada para atuar em áreas técnicas.
— Tenho funções aqui que exigem um mínimo de formação em metrologia e conhecimento de desenho técnico para operar máquinas, com salários acima da média, e temos dificuldade de preencher.
Lucci também foi impactado pela falta de matéria-prima, que fez com que a empresa adaptasse projetos e atrasasse pedidos. A escassez de TDI, insumo utilizado para produzir a espuma dos estofamentos importado da China, fez o produto dobrar de valor. Ele também chegou a pagar mais caro por componentes que dependem de ferro e aço, e agora percebe o impacto no principal elemento do produto.
— A última onda é a falta de madeira. Com o dólar alto, as empresas preferem exportar, e não vender para nós. O governo precisaria olhar com atenção para essa questão, porque, quando a madeira é trabalhada aqui, gera imposto, mão de obra e ainda evita que a gente tenha que competir com produtos importados que utilizaram a nossa matéria-prima —opina.